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Transposição: Estudos Etnoambientais do Ministério da Integração apontam impactos diretos sobre indígenas

Agência Nacional de Àguas
06 de Jul de 2007

Desmatamento e perda de referências culturais são apresentados nos estudos que complementaram o EIA Rima, e que detalham impactos diretos sobre povos Pipipã e Truká

O estudo de impacto ambiental do projeto de transposição do rio São Francisco prevê conseqüências da obra sobre três grupos indígenas: os Truká da Ilha da Assunção, no município de Cabrobó; os Kambiwá, nos municípios de Ibimirim e Inajá; e os Pipipan, que habitam áreas dispersas do município de Floresta, ainda não demarcadas ou sequer inventariadas pela Fundação Nacional do Índio, a Funai. (página 16 do texto Consolidação dos Impactos Ambientais, de 2004, disponível no site da Agência Nacional de Àguas).

A previsão é que o impacto seja "negativo, direto, no caso dos Pipipan e dos Truká, permanente, irreversível e de curto prazo".

Pipipã

A Consolidação dos Estudos Ambientais prevê a instalação de uma estação de bombeamento de grande porte, na calha principal do projeto no trecho V (Eixo Leste), a cerca de 1 km da área reivindicada pelos Pipipã. A implantação de um canteiro de obras com alojamento de operários a 1 km ao norte de uma das aldeias deste povo também é prevista. "Embora incidindo especificamente sobre a Aldeia Caraíba e comprometendo um número relativamente reduzido de moradias, o impacto afeta diretamente a terra indígena como um todo, em função das características particulares de sua organização socioeconômica e cultural. Como se pode depreender, as interferências do projeto se darão mais fortemente sobre o cotidiano do grupo indígena Pipipã" (página 17)

Impactos ambientais - desmatamento

Outro documento do próprio ministério da Integração Nacional, com data de outubro de 2005, o Estudo Etnoecológico da Terra Indígena Pipipã afirma que "são relativamente extensas as áreas de caatinga em bom estado de conservação no perímetro do território Pipipã", e que o trecho por onde deve passar o canal do Eixo Leste (ponto 353 na lista de coordenadas do Anexo 5) atravessa áreas praticamente intactas. Nos arredores deste local, foram mapeados também importantes locais tradicionalmente utilizados para caça, incluindo um acampamento de verão utilizado anualmente pelos Pipipã. (página 147).

As obras, no entanto, deverão causar desmatamento na região. Entre as propostas e ações de etnodesenvolvimento/ gestão ambiental, consta indenização pela madeira a ser retirada na área de passagem do canal. (página 142)

Interferência no deslocamento de animais pela fragmentação de áreas com vegetação nativa, perda e fragmentação de cerca de 430 hectares de áreas com vegetação nativa e de habitats de fauna terrestre, aumento da atividade de caça e diminuição de populações cinegéticas já estavam previstos desde o Estudo de Impacto Ambiental da transposição. (página 130)

O Estudo Etnoecológico da terra indígena Pipipã detalha também impactos sociais: ruptura das relações sociocomunitarias durante a obra, introdução de tensões e riscos sociais durante a fase da obra, comercio de animais silvestres, aumento consumo de álcool, aumento do consumo dos recursos naturais.

Povo Truká

Em relação, aos Truká, a Consolidação dos Estudos Ambientais afirma:"as eventuais interferências do Projeto com esta comunidade serão restritas à fase de implantação do projeto, relacionadas principalmente à possibilidade de maior contato entre os funcionários da obra e indivíduos da comunidade indígena, além de haver uma certa movimentação de máquinas e equipamentos na região, fora dos limites da Terra Indígena"(página 15) e que "como as atividades produtivas dos Truká são baseadas na agricultura de subsistência realizada na própria Ilha, além de alguma pesca ao longo do rio, são muito reduzidas as possibilidades de interferência da obra com esta comunidade" (página 16)

Já o Estudo Etnoecológico da Terra Indígena Truká, de outubro de 2005, afirma que os povos Truká e Pipipã "sofrerão impactos diretos pela implantação e operação do projeto" (página 130 do estudo Etnológico da Terra Indígena Pipipã).

Em relação aos Truká, o Estudo Etnológico analisa o rio como "força agregadora, principalmente no plano simbólico e cultural" para este povo que tem uma "relação diferente com o seu território e com a porção do Rio que faz parte dele", se comparada às populações não indígenas.

Parte desta relação diferente está relacionada à religião da comunidade. No rio estão os encantados, forças espirituais desde povo. "É possível fazer as mesmas alusões ao rio São Francisco como morada dos encantados da água. Se o rio é prejudicado, tornam-se frágeis também os rituais Truká e os personagens desse ritual, o que pode trazer infelicidade ao grupo e impulsionar graves mudanças em seu processo ritual e na dinâmica social de maneira mais ampla. É no rio e com ele que os Truká contam sua história e respaldam seu sentimento de pertencimento a um universo específico, o sentimento de pertencer a um grupo étnico com fronteiras sociais delimitadas frente ao que consideram como "brancos" (Página 94)

A mesma situação é descrita pela liderança Pretinha Truká, que explica que os membros de seu povo recebem forças e orientações dos encantos de luz que vivem na mata, nas águas, na terra e no ar. "Se o rio for comprometido, isso vai atingir forças que vão atingir diretamente os Truká".

Levar em conta estes aspectos é central na identificação dos impactos sobre populações indígenas. O respeito à determinação constitucional de reconhecer aos índios o direito à sua organização social e costumes passa pela garantia de que os aspectos simbólicos que compõem a vida destes grupos sejam respeitados pela sociedade nacional.

O antropólogo José Augusto Laranjeiras Sampaio também explica a relação dos povos com o rio. "Isso que a gente chama de encantados é quase indissociável da matéria física da água. O encantado é a água. Se você rouba a água, você está roubando matéria estrutural também, no sentido que a matéria é tanto física quanto espiritual. Assim, retirar a água do rio é desencaminhar a matéria espiritual destes povos". Neste sentido, deverão ser impactados não apenas os Truká, mas também povos como os Tumbalalá, Pankararu, Xoxó e Kariri-Xokó, que vivem diretamente na margem do rio, em locais posteriores aos pontos de captação de águas.

Sampaio esclarece que a água do rio é usada pelas populações para atividades como a irrigação das roças, por exemplo. Mas, nestes casos, o material espiritual é doado como um bem, e pode ser feito desde que haja permissão dos encantados. "No caso da transposição, a retirada de água poderá ser vista como um roubo, algo que vai para algo com finalidade nociva, e em grande volume. Isso tem impacto emocional, afetivo", afirma.

Para além dos indígenas

Mas o antropólogo vai além. Ele avalia que não apenas os povos indígenas, mas toda a população ribeirinha deverá sofrer este tipo de impacto. "Um vício constante de estudos de impacto etnoambiental é achar que só grupos étnicos têm cultura. Qualquer população humana tem cultura e relação afetiva e religiosa com o rio. Ele é povoado de espíritos, seres, para todo mundo, não só para os índios", afirma.

O estudo afirma também a importância da preocupação com a sustentabilidade do território, por ser um espaço limitado o que se destina à repoducao das práticas e forma de vida deste povo. Em sua conclusão, o relatório afirma que "é necessário entender que para este povo a sobrevivência do Rio São Francisco significa sua própria sobrevivência" (página 110)

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