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Transgênicos - sem estratégia, sem nada

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
15 de Out de 2004

Transgênicos - sem estratégia, sem nada

Washington Novaes

Contrariando a opinião do então candidato do PT à Presidência, durante a campanha de 2002 - "liberar os transgênicos é burrice" - e preferindo a opinião mais recente do presidente desse partido - "o Brasil está maduro e preparado para liberar os transgênicos" (Agência Estado, 23/9) -, o Senado aprovou na semana passada o substitutivo que confere à Comissão Técnica Nacional de Segurança (CTNBio) poderes para decidir sobre a liberação de experiências científicas e plantio comercial de organismos geneticamente modificados.
Ao contrário do que aprovara antes a Câmara dos Deputados, os Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde não terão como exigir estudos prévios de impacto ambiental ou de riscos para a saúde. Só poderão, se inconformados, recorrer ao Conselho Nacional de Biossegurança (11 ministros). A Câmara dos Deputados terá de pronunciar-se outra vez, pois o texto que aprovara foi modificado.
É muito preocupante que se tenha chegado a esse ponto, sem que o País tenha definido qual é sua estratégia em relação a alimentos transgênicos - se prefere ser o grande fornecedor mundial de alimentos não modificados, para atender aos grandes mercados que rejeitam transgênicos (Europa, Japão, 73% do mercado brasileiro); se prefere ter áreas reservadas a transgênicos e áreas para não-transgênicos (como preferem vários Estados e municípios); ou se prefere não ter estratégia alguma, como parece ser o caso - e poderá custar caro.
Se prevalecer o projeto aprovado pelo Senado, o atropelo jurídico terá sido dos mais escandalosos da História: ignora-se a Constituição federal, que assegura (artigo 225, parágrafo 1.o, inciso IV) a realização de estudo prévio de impacto ambiental, se oMinistério do Meio Ambiente achar necessário (e ele acha); passa por cima de sentenças judiciais em vigor, que exigem estudos prévios e rotulagem; ignora decisões do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que exigem o estudo prévio de impacto; anula a competência atribuída ao SUS pelo artigo 200 da Constituição para controlar produtos que podem afetar a saúde; passa por cima da Lei de Agrotóxicos (7.802/89); e solenemente dá as costas às declarações e convenções internacionais homologadas pelo Brasil, principalmente a Convenção sobre a Diversidade Biológica, que exigem, em casos como esse, a observância do princípio da precaução (que se efetivaria com o estudo prévio).
Por que tanto temor dos estudos prévios de impacto? Durante algum tempo, argumentou-se que tolheriam a pesquisa científica. Quando se concentrou o foco nos estudos prévios ao plantio com finalidade comercial, passou-se a argumentar que a exigência era "ideológica" ou "fundamentalista".
Mas pretendendo assim qualificar exatamente quem exige estudos científicos, aos quais os defensores dos transgênicos sempre se opuseram. Há dez anos, pelo menos, o autor destas linhas escreve em jornais brasileiros (sete anos neste espaço) sobre o tema. Tempo mais que suficiente para realizar muitos estudos de impacto ambiental, vários estudos epidemiológicos no País. Nenhum foi feito. Não por acaso, a julgar pelo que acontece no resto do mundo.
Na Grã-Bretanha, um estudo do governo mostrou a "contaminação" de lavouras vizinhas por plantios de sementes transgênicas de canola e beterraba; para a espécie que não apresentou contaminação (milho), o governo propôs regras para o plantio e assinatura de termo de responsabilidade (por possíveis danos) pelos produtores da semente. Eles se recusaram a assinar.
Segundo o jornal The New York Times, republicado por este jornal, as contaminações de plantações por transgênicos no Havaí (mamão), México (milho) e Canadá (canola) levantam preocupações em toda parte.
A região francesa da Bretanha decidiu há poucos dias tornar-se a 15.ª no país "livre de transgênicos". A própria Organização Mundial de Comércio vai convocar cientistas para dar parecer sobre o tema, diante da recusa da União Européia de eliminar suas restrições aos transgênicos E o representante da FAO no Brasil, José Tubino, diz que o pensamento dessa instituição sobre os transgênicos é de "cautela". Posição ainda mais severa é a do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (GEO 2003), para quem os transgênicos "podem ser perigosos para a biodiversidade e a saúde humana".
Por aqui, preferimos continuar passando por cima de tudo. Até de ministros do próprio governo (Meio Ambiente, Saúde, Desenvolvimento Agrário). Algum preço haverá.
Washington Novaes é jornalista

OESP, 15/10/2004, Espaço Aberto, p. A2

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