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Transgenicos em banho-maria

OESP, Notas & Informacoes, p.A3
14 de Ago de 2004

Transgênicos em banho-maria

Já não bastassem os anos perdidos com a arrastada e ainda não de todo concluída batalha judicial sobre a competência para autorizar o plantio e a venda de transgênicos no Brasil, o Congresso Nacional continua na mesma toada - enquanto, com compreensível ansiedade, os agricultores contam os dias que faltam para o plantio, este sim inadiável, da próxima safra de soja. A anterior, como se recorda, foi autorizada por medida provisória. O presidente Lula não parece inclinado a repetir o procedimento, pelo seu alto custo político e pelo fato de acudir a uma emergência sem resolver a questão de fundo. Mas ele só terá a culpar a si mesmo se tiver que assinar nova MP.
O motivo também é um só: tendo enfim se convencido de que o aproveitamento dos avançados recursos da biotecnologia na produção agrícola não pode ser detido por preconceitos sem base científica e barreiras ideológicas, o presidente sucumbiu exatamente às pressões de quem mais encarna uma coisa e outra no seu governo - a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Por isso, não moveu uma palha em defesa do iluminado substitutivo do então líder do Planalto na Câmara, Aldo Rebelo, relator da matéria, ao projeto original do governo da Lei de Biossegurança, que em essência transferia as decisões para um conselho ministerial comandado pelo titular da Casa Civil.
Com a nomeação de Rebelo para o recém-criado Ministério de Articulação Política, as forças do atraso se viram livres para aprovar em fevereiro um segundo e calamitoso substitutivo. O novo texto subtraiu da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) a atribuição que detinha desde a sua criação, em 1995, de dar a última palavra sobre os efeitos dos transgênicos na saúde e no meio ambiente, em pedidos de plantio comercial. Essa faculdade ficou restrita a casos de pesquisas, enquanto o poder de liberar o cultivo de produtos modificados passou para o Ibama, decerto o principal reduto, no governo, dos inimigos dos organismos geneticamente modificados (OGMs).
Para complicar o quadro, o projeto trata também das pesquisas com células-tronco de embriões humanos para o tratamento de doenças degenerativas, atualmente incuráveis. E também diante disso, com a omissão do governo, se mobilizou a fronda do obscurantismo, associando aos ecofundamentalistas os zelotes religiosos que querem impor à ciência as crenças privadas a que têm direito. Essa aliança profana praticamente inviabilizou tais estudos. Felizmente, passado meio ano, a racionalidade tornou a prevalecer. Na última terça-feira, a comissão de Educação do Senado aprovou um terceiro substitutivo ao projeto da Biossegurança, de autoria do paranaense Osmar Dias.
Nele, a CTNBio recupera o poder deliberativo para a liberação do plantio comercial e do consumo de transgênicos. Se o Ibama, ou a Anvisa, da Saúde - que por sinal integram esse amplo colegiado de especialistas -, discordar de uma decisão, poderá pedir que seja reconsiderada. Em qualquer hipótese, as autorizações dependerão do aval do Conselho Nacional de Biossegurança, integrado por 9 ministros (6 a menos do que na versão aprovada na Câmara).
Em relação às células-tronco, houve igualmente certo avanço: os pesquisadores poderão usar, com autorização dos pais, células de embriões formados há não mais de 5 dias e que estejam congelados há pelo menos 3 anos.
O substitutivo, porém, continua proibindo a criação de embriões apenas para pesquisas e a clonagem humana para fins terapêuticos (que acaba de ser liberada na Grã-Bretanha), ou seja, a produção de células-tronco a partir de tecidos do próprio paciente. O problema, como se diz, é que nada estará resolvido enquanto tudo não for resolvido - e o tempo passa. Preocupado com esse fator crítico para a atividade rural - sem falar nos projetos parados nos laboratórios de embriologia -, o senador Osmar Dias requereu que o substitutivo fosse apreciado em regime de urgência, o que permitiria que fosse levado a plenário sem passar por três outras comissões temáticas.
O relator leva em conta, naturalmente, que o seu texto, se aprovado no Senado, precisará voltar à Câmara para outra votação ainda. Os senadores deram por findo o primeiro período de esforço concentrado sem se manifestar sobre o requerimento de Dias. O segundo só começará na última semana de agosto. A estratégia dos ecoxiitas é remeter o processo às calendas, porque, apesar das pressões que exercem, as suas chances de promover mais uma vez o retrocesso parecem menores no Senado. Os agricultores que se lixem.

OESP, 14/08/2004, p. A3

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