VOLTAR

Transgenicos, biosseguranca e o principio da precaucao

CB, Direito & Justica, p.1
Autor: PRUDENTE, Antonio Souza
31 de Mai de 2004

Transgênicos, biossegurança e o princípio da precaução

Antônio Souza Prudente
Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mestre em Direito Público, doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e professor titular de Direito Ambiental da Universidade Católica de Brasília
A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada) e a conseqüente precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, 1o, IV).
Essa tutela cautelar do meio ambiente, constitucionalmente estabelecida (CF, art. 225, caput), viabiliza a garantia fundamental e difusa do direito à vida, à liberdade e à segurança de todos (CF, art. 1o, caput) na instrumentalidade do fenômeno jurídico da biossegurança. Caracteriza-se pelo conjunto de normas legais e regulamentares, que estabelecem critérios e técnicas para a manipulação genética, com a finalidade de evitar danos ao meio ambiente e à saúde humana, no contexto amplo da diversidade biológica.
De ver-se, ainda, que a Lei no 10.165, de 27/12/2000, acrescentou o anexo VIII à Lei no 6.938, de 31/08/81, transpondo para o foro da legalidade formal a matéria relativa ao uso de recursos naturais, já constante do Anexo I da Resolução no 237—Conama, de 19/12/97, que submete ao Licenciamento Ambiental — considerando como atividades potencialmente poluidoras — a utilização do patrimônio genético natural, a introdução de espécies exóticas ou geneticamente modificadas e o uso da diversidade biológica pela biotecnologia.
O recente Projeto de Lei no 2.401, de 2003, oriundo do Poder Executivo e já aprovado na Câmara dos Deputados, com trâmite, agora, no Senado Federal — ao estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização da construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, comercialização, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, consumo, liberação e descarte dos organismos geneticamente modificados (OGMs) e seus derivados —, visando proteger a vida e a saúde humana, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente (art.1o) —, manda aplicar a essas atividades, potencialmente causadoras de degradação ambiental, as disposições da Lei no 6.938/81 (que normatiza a Política Nacional do Meio Ambiente) e seus regulamentos, como forma efetiva de prevenção e mitigação de ameaça à saúde humana e da degradação ambiental, observando-se o principio da precaução.
Esse princípio, na verdade, fora alçado à categoria de regra de direito internacional, ao ser incluído na Declaração do Rio, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento-Rio/92, como determina o seu Princípio 15.
Nesse contexto, o Juízo Federal da Sexta Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal proferiu sentença mandamental, de minha lavra, em agosto de 1999, determinando às empresas Monsanto do Brasil Ltda. e Monsoy Ltda. que apresentassem prévio Estudo de Impacto Ambiental, como condição indispensável para o plantio, em escala comercial, da soja Round up ready, ficando impedidas de comercializarem as sementes de soja transgênica, até que sejam regulamentadas e definidas pelo poder público competente as normas de biossegurança e de rotulagem de OGMs (Processo Cautelar no 98.34.00.027681-8/DF). Essa decisão foi confirmada, integralmente, por acórdão da colenda Segunda Turma do TRF/1ªRegião, proferido em agosto de 2000, de que foi relatora a desembargadora federal Assusete Magalhães.
Já em junho de 2000, proferi sentença de mérito, julgando procedente a ação civil pública, promovida pelo IDEC e condenei, ali, a União Federal, a exigir a realização de prévio Estudo de Impacto Ambiental da Monsanto do Brasil Ltda, para liberação de espécies geneticamente modificadas e de todos os outros pedidos formulados à CTNBio, nesse sentido, declarando, em conseqüência, a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 2o do Decreto no 1.752/95, bem assim a das Instruções Normativas no 03 e 10—CTNBio, no que possibilitam a dispensa do EIA/RIMA, na espécie dos autos (Proc. no 1998.34.00.027682-0).
Essa última sentença encontra-se pendente de julgamento das apelações interpostas pela União Federal e pela Monsanto do Brasil Ltda, na colenda 5ªTurma do TRF/1ªRegião, sendo recebidas aquelas apelações somente no efeito devolutivo, em face da antecipação da tutela cautelar ter sido confirmada, integralmente, pelos teores das sentenças referidas (CPC, art. 520, VII), mantendo, assim, até o momento, sua eficácia plena, a exigir seu total cumprimento, na força determinante do interesse difuso, ali, protegido.
Tais decisões, com eficácia mandamental-inibitória, têm força de lei entre as partes (CPC, art. 468), já com a autoridade de ato jurídico perfeito e de coisa julgada formal (CP, art. 5o, XXXVI), não devendo ser afrontadas como o foram por medidas provisórias ou leis formais (Medida Provisória no 113, de 25/03/2003, convertida na Lei no 10.688, de 13/06/2003, e Medida Provisória no 131, de 25/09/2003, convertida na Lei no 10.814, de 15/12/2003) que não se prestam a funcionar, validamente, no plano normativo, como instrumentos reformadores de decisões judiciais, sob pena de seus agressores responderem, em tese, por crime de responsabilidade perante o Senado Federal (CF, arts. 52, I e II, e 85, VII) e de prevaricação, junto ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, inciso I, alíneas b e c), sem prejuízo das sanções pecuniárias, ali, previstas.
Na força determinante desses julgados, o principio da precaução foi incorporado, com ênfase, ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, firmado em Montreal, Canadá, em 28 de janeiro de 2000, dentro da Convenção sobre Diversidade Biológica. Esse protocolo representa um avanço significativo na tentativa de se fixarem normas-padrão de biossegurança, servindo como referência internacional para a proteção da diversidade biológica e da saúde humana, em relação a eventuais danos que possam advir da liberação de OGMs, no meio ambiente, ou do consumo de produtos ou alimentos transgênicos.
Dispõe, ainda, finalmente, a Resolução no 305-Conama, de 12/06/2001 — considerando as diretrizes ambientais estabelecidas nos artigos 225, 170, incisos VI, e 186, inciso II, da Constituição Federal, o disposto na Lei no 6.938, de 1981, e nas demais normas de proteção do meio ambiente, as normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/90), os princípios da participação pública, da publicidade e da garantia de acesso à informação, bem assim, o princípio da precaução, cristalizado no Princípio 15 da Declaração do Rio, reafirmado pela Convenção sobre Diversidade Biológica e pelo Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (Montreal, em janeiro de 2000) —, sobre a necessidade imperiosa do processo de licenciamento prévio, para a liberação de Organismos Geneticamente Modificados, tanto em caráter experimental quanto para as finalidades comerciais, exigindo a realização do EIA/RIMA como instrumento material da precaução, para que sejam permitidas quaisquer sementes ou produtos transgênicos no meio ambiente.
A simples rotulagem informando o consumidor sobre a natureza transgênica do produto (Decreto no 4.680, de 24/04/2003) não dispensa a realização prévia do EIA/RIMA, na fase própria, como direito do consumidor a uma informação completa e segura, nos termos da lei no 8.078/90 (CDC).
Verifica-se, portanto, que o princípio da precaução é imperativo constitucional, que materializa a tutela cautelar do meio ambiente, através de indispensável estudo prévio de impacto ambiental, a ser realizado por competente e imparcial equipe multidisciplinar, para o plantio e a comercialização da soja transgênica (round up ready), bem assim, para liberação de qualquer organismo geneticamente modificado, nas vertentes do meio ambiente, como garantia fundamental das presentes e futuras gerações.

CB, 31/05/2004, p. 1 (Direito & Justiça)

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.