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Tragédia ecológica

CB, Cidades, p. 15
09 de Ago de 2004

Tragédia ecológica
Quatro mil metros quadrados de veredas de buritis estão entre as perdas da Chapada Imperial com o incêndio que não poupou nem animais que estavam abrigados em um criadouro de readaptação de espécies capturadas

Netto Costa
Da equipe do Correio

A maior área particular preservada do Distrito Federal, a Chapada Imperial, contabiliza os prejuízos. Durante dois dias, um incêndio consumiu metade dos 4,8 mil hectares de uma das mais importantes reservas de flora e fauna do cerrado no Distrito Federal. Um jabuti, de aproximadamente 50 anos, que estava sendo reintroduzido na natureza teve as patas parcialmente queimadas e por pouco não vira churrasco. Seis dos cinco pôneis da propriedade também sofreram queimaduras. Uma vereda de buritis, com cerca de quatro mil metros quadrados, foi destruída pelo fogo. Marcelo Imperial, um dos donos da reserva, promete ir hoje à Delegacia do Meio Ambiente para pedir a instauração de um inquérito. Ele está convicto de que o fogo foi provocado.
O incêndio começou na sexta-feira e só foi debelado no início da noite de sábado. ''Não fosse o trabalho do Batalhão de Incêndios Florestais do Corpo de Bombeiros, o estrago seria total'', avalia Marcelo. Ele temia que o fogo atingisse o coração da chapada, uma área de mata de galeria (mata mesofítica de interflúvio) e a região das cachoeiras (33, no total), com destaque para as quedas Rainha do Cerrado, Imperial e Candanguinha, as mais visitadas.
A vegetação rasteira foi a mais afetada, além de milhares de árvores nativas do cerrado - carvoeiros, pau-santo, pau-terra, entre outras -, a maioria com mais de 30 anos. Centenas de ninhos de pássaros foram queimados, muitos com filhotes e as fêmeas que não os abandonam (pombas asa-branca, tico-ticos, rolinhas, pássaros-pretos, joões-de-barro, sabiás, canários, etc.). Predadores do rato silvestre - reservatório do hantavírus -, principalmente as cobras, foram dizimados. Animais lentos como os tamanduás bandeira e mirim, jabutis e furões também podem estar entre as vítimas. ''Chegamos a tempo de evitar a morte de 50 cavalos que estavam emparedados pelo fogo em uma cerca'', explica Marcelo. Os animais foram tocados para outra área por um atalho na mata que já havia sido queimada.
''Foi uma atitude insana e inconseqüente de quem provocou o incêndio'', afirma Marcelo, ''com certeza não foi causa natural''. Ele aponta algumas hipóteses: ''Sabotagem, por interesse de desapropriar a chapada, para anexá-la ao Parque Nacional; intenção de grileiros para lotear a reserva; ou pelo menos imprudência de algum chacareiro vizinho que, para formar pasto ou preparar área para hortas, pode ter ateado fogo ao mato, sem sequer preparar um aceiro''.

Parque Nacional
A família Imperial, proprietária da chapada, rejeita a proposta de desapropriação da área para incorporá-la ao Parque Nacional de Brasília, como quer o Governo do Distrito Federal. Temos muito mais condições de preservar a reserva do que o poder público, assevera Marcelo Imperial.
Marcelo sustenta, baseado em sentenças judiciais, que a fazenda Dois Irmãos, onde está localizada a Chapada Imperial, não é terra devoluta. Está provado que a propriedade é particular, ou seja, na hipótese de desapropriação, o valor a ser pago pelo GDF será em torno de R$ 40 milhões, calcula Marcelo, ainda assim, não nos interessa. Preferimos continuar preservando esse santuário natural do DF, abrigo de pássaros e animais silvestres.
As negociações para ampliar o Parque Nacional de Brasília começaram nas discussões para liberar a licença ambiental da Cidade Digital, empreendimento do GDF que prevê a instalação de empresas de informática às margens da Epia, em área vizinha ao parque. Para ocupar a área seria preciso autorização do Ibama-DF.
O governador Roriz já esteve com o presidente do Ibama, Marcos Barros, e com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, tentando um ajuste para viabilizar a Cidade Digital. Como contrapartida à liberação da área para a instalação do empreendimento tecnológico, o GDF ampliaria a área do Parque Nacional em quase 50%, ou seja, os 30 mil hectares de cerrado nativo ganhariam mais 14 mil hectares. A área a ser incorporada é das fazendas Palmas, Rodeador e Dois Irmãos.

Para saber mais
Fauna e flora exuberantes
A Chapada Imperial está dentro da fazenda Dois Irmãos, na Área de Preservação Ambiental Cafuringa, a 50km do Plano Piloto, próximo a Brazlândia. No local funciona um criadouro conservacionista do Ibama, para readaptar animais que passaram muito tempo fora do seu habitat.
Os viveiros da área abriga papagaios, periquitos, jandaias, corrupiões, xexéus, araras-canindés e araras-vermelhas, macacos-pregos e jabutis. Há também dois animais exóticos: marrecos-de-pequim e mandarins, espécies de pato.
A fauna livre da reserva também é abundante: siriemas, sanhaços, trinca-ferros, pássaros-pretos, canarinhos, sairás, curiós, sabiás-laranjeira, sabiás-bico-de-osso, tico-ticos, joões-de-barro, rolinhas, azulões, coleirinhas, papa-capins, papagaios, jabutis, cotias, suins, quatis, siriemas, emas, raposas, tamanduás-bandeiras, tamanduás-mirins, tatus-canastras, tatus-pebas, tatus-galinhas, capivaras, tiús, veados-campeiros, veados-catingueiros, veados-mateiros, porcos-do-mato, lobos etc.
Na Chapada Imperial, há cedros, aroeiras, angicos, ipês, perobas, capitães-da mata, pau-terra, buritis, carvoeiros, vinháticos, barbatimãos, paus-santos, marcelas, moitas de arnica, dezenas de espécies de flores do cerrado, sucupiras, entre outras. Também estão presentes, segundo Marcelo Imperial, todas as fitofisionomias do cerrado: campo limpo, campo sujo, campo úmido, campo rupestre, mata mesofítica (interflúvio e calcária), campo de murundum, brejo e veredas.

CB, 09/08/2004, Cidades, p. 15

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