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Tráfico "impõe" toque de recolher a índios

Folha de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: KÁTIA BRASIL
20 de Abr de 2003

Índios trukás que se tornaram traficantes de drogas ameaçam outras famílias da reserva, em PE; dois já foram mortos

Operação da polícia na reserva dos índios truka, em Pernambuco

A ação de traficantes de drogas na reserva dos índios trukás, no chamado Polígono da Maconha, em Pernambuco, provocou um ambiente de terror e fez com que os indígenas se submetessem a um toque de recolher voluntário por medida de segurança.
A partir das 17h, ninguém sai das aldeias, na Ilha de Assunção, em Cabrobó (a 586 km de Recife, PE), temendo atentados ou sequestros do grupo de índios da mesma etnia que se tornou traficante de droga, conforme a Folha noticiou no último dia 6.
Há duas semanas, a reportagem visitou a reserva e constatou o ambiente de medo.
As escolas nas aldeias estão fechadas, a frequência dos alunos que estudam nos colégios da cidade caiu e até mesmo o Toré -uma adoração religiosa ao deus Tupã- foi suspensa.
Vivem cerca de 4.000 trukás na reserva de 7.160 hectares, que fica num arquipélago que tem mais de 70 ilhotas no rio São Francisco. A reserva é cortada por estradas vicinais e, como há muitas plantações de arroz e cebola, os ramais são pontos para emboscadas.
O clima se acirrou entre os índios depois que oito membros do grupo de traficantes, entre eles os trukás Carlos Jardiel e Jean Carlos Barros Dantas, Edgar Sérgio de Barros, o Edgar de Nô, e Sérgio Roberto da Cruz, o Sérgio de Bedô, tiveram as prisões preventivas decretadas pela Justiça Federal e estão foragidos, por acusação das mortes de seis índios -sendo dois no dia 29 de março.
Os irmãos João Batista, o nego João, e Antônio Roberto Gomes Rodrigues foram assassinados numa emboscada na vicinal que dá acesso a aldeia Pambuzinho.
Os irmãos faziam parte do grupo de índios que é contrário ao narcotráfico e destruía as plantações de maconha dentro da reserva, ação apoiada pelo cacique Ailson dos Santos, o Isô, que também está ameaçado de morte e anda sem paradeiro certo. A família de Isô e os parentes dos irmãos Rodrigues, num total de 46 pessoas, fugiram da reserva.
Na última dia 10, a Agencia Folha entrou, acompanhada das polícias Federal e Militar, na aldeia Pambuzinho. Lá, a escola está fechada porque os traficantes ameaçaram sequestrar as crianças. "A gente não pode sair à noite, a partir das 17h. Ninguém pode andar por aí [na roça]. É preciso que a Justiça tome providências", diz o índio Cícero Pedro dos Santos, 32.
Na aldeia Catinga Grande, na estrada que dá acesso à Cabrobó, a situação é a mesma. Lá moram 70 famílias. "A violência nos imprensou. Nunca vi uma baderna [as ações do tráfico] como essa. Me acho envergonhado demais", diz Francisco Cirilo de Sá, 75.
Nos rostos do povo truká, predomina um semblante de preocupação constante. A tristeza é maior porque o Toré, o ritual religioso com orações e dança feito aos sábados, foi suspenso na aldeia Catinga Grande. "Não podemos fazer Toré porque a oca fica muito próxima da estrada e temos medo. Não é comum isso. A gente não vê o deus Tupã do Ar, mas ele vê tudo", disse Cirilo de Sá, responsável pela adoração e pelo repasse das tradições às crianças.
Ao falar com a reportagem, ele pôs um cocar, símbolo da resistência dos trukás e fez um apelo: "Não queremos mais essa situação horrorosa, queremos paz!".

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