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Tradições e rupturas do Xingu

Horizonte Geográfico n. 136, ago., 2011, p. 28-40
Autor: MARTINO, Natália
12 de Ago de 2011

Tradições e rupturas do Xingu

No aniversário de 50 anos do Parque Indígena do Xingu, índios discutem conquistas e desafios desse território único em meio a rituais ancestrais e modernas tecnologias

Texto: Natália Martino

Do caule oco das taquaras sai um inconfundível som grave que confere ritmo ao cotidiano da Aldeia Ipavu, do povo camaiurá. No ar, o cheiro forte do urucum guardado em cuias para ser aplicado aos olhos das mulheres e aos corpos dos homens. Vindos de diversas partes do Parque Indígena do Xingu, mais de 500 índios dos estimados 5 mil que vivem nesta área, representando 16 etnias, reuniram-se, em junho de 2011, para discutir os significados da demarcação do maior território indígena do Brasil. Eles chegaram ao parque, que tem uma área equivalente ao estado de Alagoas, navegando pelos rios da região, um labirinto de água no meio da Floresta Amazônica. Câmeras de vídeo espalhadas pela aldeia estão prontas para registrar os debates e as apresentações rituais a serem realizadas sob o sol sufocante dessa região do Mato Grosso. Atrás delas, procurando o melhor enquadramento, homens nus exibem formas geométricas pretas e vermelhas desenhadas nos corpos com tintas de jenipapo e urucum.

À primeira vista, as câmeras surgem como elementos deslocados daquela cena, que se completa com o fundo das grandes ocas arredondas e cobertas de palha. Mas não são. Elas combinam com a antena parabólica mais adiante e com os relógios que, em alguns pulsos, competem com os desenhos. Músicas entoadas nas línguas dos caiabis, dos uaurás e de outras etnias que participam da festa são acompanhadas pelo som dos chocalhos, que agora não são mais feitos com sementes de pequi e, sim, com alumínio. Amarradas nos braços, nas pernas e nas cinturas, linhas de tecido coloridas - verdes, azuis, vermelhas - substituem o algodão cru tingido com urucum que fazia parte da indumentária tradicional. Muda, assim, a tonalidade dos rituais. Nos pescoços, colares de sementes, de tucum e, o mais precioso de todos, de conchas de caracol rivalizam com outros, feitos com miçangas.

Sejam quais forem os materiais que hoje adornam os corpos, porém, as músicas ainda falam dos mitos de criação e dos princípios que explicam o mundo de forma peculiar. A tecnologia ainda não destruiu as crenças desses povos. "Produzimos vídeos para revitalizar nossa cultura. Com esse material, ensinamos nosso modo de vida para as crianças e ainda captamos recursos para nossos projetos", conta Kamikiá Kisedje, coordenador da produtora indígena Aik Produções. Durante os dias de festa na Aldeia Ipavu, entre uma música e outra, depois de rodas de conversa com caciques, pajés e lideranças jovens, os presentes assistem a vídeos produzidos pelas várias etnias. Projetados no centro da aldeia, eles mostram rituais importantes ou contam histórias de ficção que revelam, em seus roteiros, vários elementos do cotidiano indígena.

Encontro entre dois mundos
Índios e brancos interagem nessa região do Brasil desde o século 18. Os primeiros encontros, ocorridos na época dos bandeirantes, foram trágicos. A ordem era capturar e matar os índios. No fim do século 19, o etnógrafo alemão Karl Von den Steinen tornou-se o primeiro branco que chegou "em paz" à região. Várias expedições científicas e militares se seguiram, com resultados devastadores. Em 1940, a população indígena da região já havia sido reduzida de 3 mil no início do século para 700 pessoas, principalmente por conta das epidemias levadas involuntariamente pelos brancos.

Mais tarde, em 1943, a Expedição Roncador Xingu (veja quadro da página 34) mudaria os rumos da história. Abriu as portas para a chegada massiva dos brancos, mas também tentou garantir aos índios o direito à sobrevivência longe do modo de vida dos recém-chegados. O Parque Indígena do Xingu resiste como um dos principais resultados da expedição. "Quando vi aqueles homens chegando aqui pela primeira vez, tive medo. Achava que dentro daquele barco estavam nossos inimigos", conta Takuman Kamaiurá, que era uma criança quando os irmãos Villas-Bôas - Cláudio, Leonardo e Orlando - desembarcaram na sua aldeia.

Por seu lado, os irmãos brancos também tiveram seus receios e dificuldades, em parte registrados no livro A Marcha para o Oeste, dos irmãos Orlando e Cláudio. "Era um rapaz dos seus 17 anos. Estava bastante agitado e falando muito, numa linguagem que não podíamos entender, a não ser a palavra 'calapalo', que repetia seguidamente", contam sobre o primeiro diálogo com um índio, no dia 6 de outubro de 1946. Calapalo tornou-se o nome pelo qual o homem branco passou a conhecer a etnia daquele rapaz.

Educação indígena
Mais de dois séculos após esses primeiros contatos, muita coisa mudou. Índios e brancos já se conhecem e seus mundos particulares têm elementos comuns. Nas aldeias, professores indígenas ensinam a língua materna ao lado do português. As crianças estudam matemática, danças tradicionais, ciências sociais e trabalho na roça. Assim, aprendem o que é essencial para a vida na aldeia e o que é importante no mundo das cidades, até o fim do ensino fundamental. Depois, caso queiram continuar estudando, será preciso frequentar a escola dos brancos. Alguns vão antes - para acompanhar os pais, por desejo de conhecer o outro mundo ou pela descrença nas escolas da aldeia. "Gostaria que minha filha estudasse aqui, mas se não melhorarem o ensino, ela vai para a cidade", diz Watatakalu Yawalaiti, mais conhecida como Takann, enquanto brinca com a pequena Ianne Kawanih, a Nininha. "Às vezes eles ficam meses sem ter aula", completa.

O diretor de uma das escolas do parque, a Leonardo Villas-Bôas, Amatiwanna Matipu, admite a dificuldade: "Em dias de trabalhos coletivos e de festas não dá para manter o mesmo calendário das escolas da cidade. Deveríamos ter a mesma carga horária, mas ainda não conseguimos isso". Diante do impasse, alguns se mudam para as cidades e, no exílio, começam outros problemas. "Os jovens ficam muito tempo longe das aldeias. Daqui a pouco entra droga aqui e acaba tudo. O álcool, esse veneno, já entrou", desabafa Pirakumam Yalapiti, em coro com a maioria dos líderes indígenas presentes na Aldeia Ipavu. Simultaneamente, reconhecem a importância de os jovens estudarem fora da aldeia. "Só conhecendo a política do branco conseguiremos negociar e lutar para defender nossas terras e costumes", sintetiza Tukupé Waujá.

Ameaças que vêm de fora
Impedir que os jovens ultrapassem a tênue linha que separa o índio que usa conhecimentos do branco daquele que, de tão imerso em outra realidade, deixa de ser índio, parece ser o desafio dos próximos 50 anos do parque. Ianukulá Kaiabi Suia acredita que é possível equacionar o problema. Articulado, profundo conhecedor das políticas do branco, ele trabalha na coordenação regional da Funai e diz que é essencial que alguns índios saiam do parque. "O problema é quando os jovens querem viver como brancos. Não participam mais dos nossos rituais, não seguem mais nossos princípios, não vivem mais de acordo com os nossos valores", diz.

Kaji Wajá concorda. "Estudo é para o meu povo, não para mim", explica o jovem que, depois de morar três anos em Canarana, voltou para a aldeia e hoje é o professor dos uarás. Na monografia que apresentará na Coordenação de Educação Indígena da Secretaria de Educação do Mato Grosso, ele estuda o mito da criação do seu povo (veja quadro na página 36).

Ali, na Aldeia Ipavu, não só ele, mas todos os presentes - crianças, jovens e adultos - paramentados para o momento festivo, reafirmam suas tradições sem titubear. Ninguém, nem os que nunca saíram da aldeia nem os que já não se lembram mais de quando viviam nelas, admite ter cortado o vínculo com os ensinamentos dos mais velhos. As crianças, pintadas à imagem e semelhança dos adultos, tomam como garantida a vida como ela é hoje, e não sabem que seus pais temem pelo futuro. Mas, apesar de as tradições ainda serem fortes, a atração pelo que está do lado de fora é cada vez maior.

Quem chega ao parque a partir de Cuiabá (MT) pode ter uma dimensão das ameaças externas. A estrada é cercada por um manto branco que some no horizonte. São enormes plantações de algodão. Quilômetros depois, o branco é substituído pelo marrom dos campos de milho já secos. São mais de dez horas percorridas nesse cenário. Ambas as culturas tomam o lugar da soja em certas épocas do ano para recuperar o solo que, em breve, receberá novas sementes do grão que transformou o Mato Grosso em uma potência do agronegócio. Os limites do parque marcam com clareza o fim do avanço da soja. Dentro, uma ilha de Floresta Amazônica preservada. Árvores centenárias, rios caudalosos, jacarés, aves de todas as cores. Mas a pressão vem de todos os lados. E os agrotóxicos que poluem as águas chegam pelos rios. "O branco não está preocupado com nada. Ele só quer plantar e fazer barragem", desabafa um dos caciques, Aritana Yawalapiti, com sua expressão sempre carrancuda.

Barrar a construção de pequenas centrais hidrelétricas na região das nascentes do Xingu, que estão fora dos limites do parque, tem sido a frente atual da luta dos índios. Isoladas, as usinas causariam baixo impacto, mas, em conjunto, podem ser prejudiciais para a saúde do principal curso d'água da região. De acordo com Pikuruk Kayabi, presidente da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix), convencer os fazendeiros da importância de manter a floresta nas cabeceiras dos rios é uma das principais atividades dessa ONG indígena, formada por representantes de várias etnias do parque. "Com a Campanha Y Ikatu Xingu começamos a alcançar esse objetivo", diz, referindo-se à campanha que incentiva órgãos públicos, proprietários rurais e ONGs a reflorestarem áreas de cabeceiras e matas ciliares.

Dinheiro no Xingu
Outro importante trabalho desenvolvido pela Atix é a proteção dos limites do território. As invasões, segundo Pikuruk, são frequentes. "Nosso maior problema é com pescadores e caçadores ilegais", diz. A vigilância é feita com a ajuda de cada etnia. Planos de trabalhos são enviados para ONGs nacionais e internacionais, que investem o dinheiro necessário - a Funai contribui com pouco. "Combustível para os barcos é o nosso maior gasto", explica o presidente da associação, que diz que a previsão de gastos para 2011 gira em torno de R$ 200 mil.
Não é apenas o dinheiro de ONGs que circula no parque. Professores indígenas, agentes de saúde e vigias que trabalham nos postos de fronteira são remunerados pelo Estado. Há também índios aposentados e, claro, aqueles que trabalham na cidade.

A moeda do branco, porém, ainda não foi capaz de acabar com o antigo costume de trocar bens, o moitará. Colares de tucum e de conchas de caracol são cobiçados. Cerâmicas produzidas pelos uaurá também. Objetos dos brancos têm seu preço. Cobertores são valiosos entre junho e julho, quando as noites esfriam. Lanternas são sempre bem-vindas, assim como linhas e vestidos. De forma geral, o moitará é realizado nas ocas com a troca de artesanatos peculiares a cada etnia, mas a Aldeia Ipavu está repleta de visitantes vindos de longe. Dessa vez, ele será às margens da bela lagoa que emoldura o cenário. Quem participa pela primeira vez fica nitidamente empolgado. À visão das peças artesanais, querem trocar até a roupa do corpo na tentativa de levar para casa um pouco do Xingu.

Quando o êxtase do moitará se desfaz, as discussões sobre as conquistas e desafios do Parque Indígena do Xingu voltam a tomar conta da Aldeia Ipavu. O nome do território, por si só, já gera insatisfações. "Porque chamar de parque? Esse não é um local de diversões e nem é um zoológico humano. Não é parque, é terra indígena", diz Takapi Trumai. Com o corpo pintado de branco e enormes penas da cabeça, ele se destaca dos demais. É o único da sua etnia que pôde estar presente e a evidente diferença entre sua pintura corporal e as demais ressalta que as distâncias, no Xingu, não são medidas apenas em quilômetros.

Os trumais vivem no Médio Xingu, enquanto a Aldeia Ipavu localiza-se na porção do parque conhecida como Alto Xingu, mais próxima das nascentes. Entre todas as etnias há semelhanças e diferenças, mas as trocas culturais entre os povos do Alto Xingu, a maioria já instalada na região muito antes da demarcação do parque, são mais intensas. Eles sempre compartilharam costumes, valores e rituais, apesar de falarem quatro idiomas. A celebração da sua identidade comum se dá com redes de trocas especializadas e casamentos. No Médio Xingu, entretanto, assim como no Baixo Xingu, as etnias desenvolveram modos de vida diferentes e existem relatos de conflitos com os povos do Alto Xingu. Hoje, as etnias convivem pacificamente, mas as diferenças entre os povos dessas regiões ainda são marcantes, como a pintura de Takapi evidencia.

Migração forçada
Em 1971, toda porção norte do parque, território tradicional dos cayapós, deixou de ser território indígena para a passagem da rodovia BR-80. Os cayapós foram removidos das suas terras, repetindo a sina de outras etnias. As perdas culturais sofridas com o deslocamento são incalculáveis. "Cada etnia se desenvolve de acordo com o ambiente em que está. A culinária, o artesanato e até os mitos estão relacionados com o ambiente", explica Ianukulá Kaiabi Suia, exemplificando que os caiabis não produzem mais a peneira pela qual eram famosos porque na região em que vivem agora não encontram a matéria- prima, uma taquara chamada arumã.

Ao longo dos últimos 50 anos, alguns povos conseguiram retomar seus territórios de origem, que nunca haviam sido totalmente abandonados, já que lugares como os cemitérios eram constantemente visitados. Os cayapós reconquistaram a área que ocupavam ao norte do parque em 1984, que passou a ser chamada de Terra Indígena Capoto- Jarina. Depois dessa e outras mudanças nos limites do território, planejado em 1952 para ter uma área cerca de quatro vezes maior do que a que foi aprovada em 1961, o Parque Indígena do Xingu chega aos 50 anos com 27 mil quilômetros quadrados, incluindo algumas terras indígenas contíguas.

Conquistas reconhecidas
Apesar das críticas, inevitáveis, a demarcação do território é, de forma geral, tida como algo a ser comemorado. "Se não fosse isso, não sei onde estaríamos morando", diz o cacique Tafukuman Kalapalo. Mais do que salvaguardar uma grande área contígua, o Parque Indígena do Xingu facilitou certos intercâmbios positivos com o mundo dos brancos, como o convênio com a Escola Paulista de Medicina (hoje Unifesp). Há 46 anos, médicos da instituição cuidam da saúde no território indígena. Campanhas de vacinação e tratamentos médicos possibilitaram a recuperação populacional das etnias. Se no momento da fundação do parque menos de mil índios habitavam o local, esse número chega hoje a cerca de 5 mil. Os bons resultados do trabalho na área da saúde são medidos em números - a mortalidade infantil decresce a cada ano, caindo de 45 casos, em 2001, para 25, em 2010, segundo a Unifesp.

Mas não só em números é medido o sucesso da iniciativa. O respeito que os moradores do parque têm pelo programa de saúde é notório. Mesmo o mais radical deles, Raoni Kaiapó, para quem os brancos são inimigos, vê com bons olhos o trabalho. "Na minha aldeia os únicos brancos que entram são os enfermeiros", diz. Se os médicos ganharam a consideração dos índios, devem isso em parte ao respeito que aprenderam a ter com as tradições locais. No Parque do Xingu, médicos e pajés convivem de forma pacífica. "Doença de branco, médico resolve. Doença de índio, pajé resolve", simplifica o pajé Takape Waurá, enquanto fuma uma erva que o acompanha durante todo o dia - é ela que o ajuda a se manter conectado com o mundo dos espíritos. "Às vezes o médico passa a pessoa na máquina e diz que ela não tem nada. Só que ela está passando mal. Então eu faço pajelança. É que os brancos só avaliam o corpo e se esquecem do espírito", explica, depois de dar mais um trago no fumo.

É assim, entre pajelanças e radiografias, que os índios do Xingu lutam por sua sobrevivência. Há 50 anos. E se os discursos inflamados da Aldeia Ipavu forem cumpridos, mais meio século pode se passar e ainda será possível assistir a um belíssimo Kuarup, ritual de homenagem aos mortos que foi transformado em símbolo do parque. Foi com uma apresentação dessa cerimônia que nos despedimos da aldeia. Era hora de serpentear de novo pelos rios locais por horas a fio até chegarmos ao fim do território indígena. É fácil reconhecê-lo - fica logo onde o verde desaparece. É quando sabemos que estamos de volta ao mundo dos brancos.

Infanticídio é abandonado
Do casamento de uma mulher com o homem-onça nasceram os gêmeos Sol e a Lua, que criaram mais homens e mulheres. Foi assim que surgiu a humanidade, segundo a tradição dos índios uaurás. "Os homens brancos são filhos do Sol, os índios, da Lua", explica o cacique Atapucha Waujá. Cada grupo ganhou armas e comidas diferentes e espalhou-se pelo mundo. Só que os filhos do Sol eram donos de uma maldade que os fazia guerrear o tempo todo. Então, a Lua ordenou que os índios não tivessem filhos gêmeos, pois um deles seria sempre mau. E foi assim que os gêmeos passaram a ser enterrados quando nasciam. O choque dos brancos ao se defrontar com esse costume foi tão grande que os índios reavaliaram sua posição. "Colocamos na parede o mito e a regra do branco e concluímos que infanticídio era ruim, então não o fazemos mais", explica, com palavras do mundo jurídico do branco, Tukupé Wauja. Segundo ele, os índios perceberam que, apesar de "maus", os filhos do Sol eram inteligentes. Valorizam, hoje, essa característica para tratar os gêmeos da melhor forma possível na crença de que sua inteligência traz benefícios para a aldeia. "Tudo no mundo se transforma. Nós também mudamos. Só queremos que as pessoas entendam isso e não nos chamem de assassinos", desabafa Tukupé.

A marcha para o oeste
Um grande vazio no mapa. Era assim a região do Mato Grosso antes da década de 1940. Pouco ou nada se sabia sobre essa parte do país. Foi para mudar os rumos dessa história que o governo de Getúlio Vargas criou, em 1943, a Expedição Roncador-Xingu. Chefiada pelo coronel Flaviano Vanique, a empreitada contou com o trabalho de mais de 40 sertanejos. Os irmãos Villas-Bôas, Cláudio, Leonardo e Orlando, até hoje apontados como heróis da empreitada, só foram recrutados depois de se "disfarçarem" de homens do sertão, com barbas por fazer, roupas velhas e alegando-se analfabetos. Os responsáveis pela expedição acreditavam que só homens assim seriam suficientemente resistentes para suportar os rigores da expedição.

Além de personalidades como o antropólogo Darcy Ribeiro e o médico Noel Nutels, que também ajudaram na construção do parque, outros líderes tiveram papel fundamental na demarcação desse território. "Os Villas- Bôas foram os articuladores, mas muitos índios participaram ativamente, apesar de não dominarem a política lá de fora, e não são lembrados", diz Ianukulá Kaiabi Suia. É o caso, por exemplo, de Nahu Kuikuro, que era o único índio que falava português quando os Villas-Bôas chegaram. Atuou como mensageiro entre os dois mundos.

Além do Parque Indígena do Xingu, a expedição deixou para trás 19 campos de pouso e 43 vilas e cidades criadas a partir da passagem da expedição. Em quatro anos, navegaram mais de 1.000 quilômetros nos rios dessa região desconhecida e abriram mais de 1.500 quilômetros de picadas. Nessa aventura, mais de 5 mil índios foram contatados, em um trabalho exemplar que deu aos irmãos Villas-Bôas 15 comendas nacionais e internacionais, seis títulos e diplomas de honra ao mérito, uma indicação ao prêmio Nobel da Paz e mais de 200 malárias para cada um. A saga dos irmãos estará em breve nos cinemas, no filme Xingu, dirigido por Cao Hamburguer.

Horizonte Geográfico n. 136, ago., 2011, p. 28-40

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