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Tradicional morosidade na implantação de UCs pode custar diminuição do Parque Nacional da Serra da Canastra (MG)

AmbienteBrasil
Autor: Mônica Pinto
09 de Ago de 2007

Justiça seja feita à administração Lula, não é de agora que o Governo Federal cria Unidades de Conservação sem se preocupar com os trâmites necessários a sua efetiva implantação.

O Parque Nacional da Serra da Canastra - PNSC -, em Minas Gerais, pode ser a próxima vítima dessa morosidade burocrática. O Projeto de Lei no. 1448, apresentado pelos deputados federais Carlos Melles, Odair Cunha, Maria do Carmo Lara, GeraldoThadeu e Rafael Guerra, todos da bancada mineira, propõe a alteração dos limites da UC, retirando de seus 197.797,05 hectares um significativo quinhão - exatos 47.516,15 ha.

A motivação dos parlamentares é assumidamente econômica. Na justificativa do PL, eles registram que o Parna foi criado pelo Decreto no 70.355, publicado em 3 abril de 1972. Dois anos depois, o Governo Federal publicou os Decretos no 74.446 e 74.447 , de 21 de agosto de 1974, delimitando uma área de aproximadamente 106.185,50 ha, como de interesse social para fins de desapropriação, com vistas a constituir, efetivamente, o Parque Nacional da Serra da Canastra. Passados outros cinco anos, em 1977, foram realizados o levantamento topográfico e a demarcação de uma área de 71.525 ha, objeto de um conflituoso processo de desapropriação. E apenas em 1981, quase dez anos após a criação da UC, é que foi elaborado e publicado o Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra, abrangendo uma área de 71.525 ha.

"Em março de 2005, trinta e três anos após a criação do Parque, o IBAMA publicou o Novo Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra, para a área estimada de aproximadamente 200.000 ha, ou seja, considerando a área prevista no decreto de criação do Parque e nunca efetivada", diz a justificativa do Projeto de Lei, colocando que, neste ínterim, foram expedidas licenças ambientais e de títulos minerários (extração de quartzito e pesquisa mineral para diamante), que permitiram a instalação de novas atividades na área remanescente de aproximadamente 130 mil hectares, ao passo que atividades nela exercidas tradicionalmente (agricultura e pecuária) se consolidavam.

Em resumo, por obra e graça desta demora toda, o que devia legalmente constituir-se em área de proteção ambiental tornou-se cenário para atividades econômicas, algumas das quais de reconhecido impacto sobre a natureza.

Os parlamentares alegam que, desde 2005, promoveram a realização de diversas reuniões, contando com a participação do Governo Federal, Governo Estadual, Prefeituras, Advocacia Geral da União, Ministério Público e membros do Conselho Consultivo do Parque Nacional da Serra da Canastra. Como resultado dessa série de discussões e esclarecimentos, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial - GTI -, em cujas conclusões inclui-se a revisão dos limites da UC.

O GTI apontou, entre outras questões, "que as áreas a serem incorporadas ao PNSC apresentem atributos ecológicos significativos e estejam em consonância com os objetivos do Parque quanto à proteção de nascentes e áreas de infiltração de bacias da região" e "a necessidade de se considerar, na avaliação de áreas passíveis de retirada do Parque: a degradação ou impacto por atividades antrópicas; não possuírem atributos ecológicos de alta relevância; possuírem indicadores de relevante potencial econômico e social; implantação de obras de infra-estrutura (especialmente linha de transmissão de energia elétrica de FURNAS)".

Ambientalistas reagem
O discurso aparentemente bem intencionado dos parlamentares autores do Projeto de Lei não encontrou ressonância na comunidade ambientalista. "Devido a interesses particulares, especialmente de grandes empresas internacionais e proprietários de latifúndio, um pequeno grupo vem usando a situação fundiária cronicamente irregular da unidade para tentar redesenhá-lo de acordo com os seus propósitos. Embasado num discurso de ganhos econômicos extraordinários para a região, esse grupo vem, não só fomentando uma manifestação regional contra o Parque, mas também agindo nas esferas políticas para tentar alterar os limites da unidade e reduzir drasticamente sua área", diz a introdução de um manifesto contra o que se classificou como "grave ameaça".

A campanha está sendo conduzida pela Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, que lembra em seu site a importância do Parque Nacional da Serra da Canastra: "localizado no sudoeste mineiro, é a sexta maior e uma das mais importantes unidades de conservação do Cerrado e, com seus 198.380,00 ha, responde por 3,9% da área protegida do bioma".

Destaca ainda a "riqueza biológica incalculável" do Parque, que abriga 50 espécies de flora endêmicas e numerosas espécies da fauna raras e mundialmente ameaçadas, a exemplo do pato-mergulhão. "É ainda refúgio de boa parte da fauna de mamíferos de grande porte, ameaçada em praticamente todos os biomas devido à fragmentação ambiental", informa a ONG, registrando ainda que dentro da UC estão algumas das nascentes de duas das principais bacias brasileiras: a Bacia do Rio Paraná e a Bacia do Rio São Francisco.

Segundo a Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, os técnicos do Ibama avaliaram detalhadamente os problemas apontados pelo Grupo de Trabalho Interministerial e apresentaram soluções específicas e factíveis para cada um deles, desde a questão fundiária até a mineração de diamante, demonstrando ser desnecessária a alteração dos limites da unidade.

A ONG atribui a proposta de redução da UC à "pressão de uma mineradora, antiga subsidiária da multinacional De Beers e hoje pertencente majoritariamente à empresa canadense Brazilian Diamonds, que tem pressionado o Governo Federal e políticos em todos os níveis para que seja feita a alteração dos limites do Parque Nacional, de forma a retirar amplas e importantes áreas onde é suposto que possam existir diamantes na rocha kimberlítica presente no subsolo".

O Instituto Pró-Carnívoros agregou-se à campanha contra o Projeto de Lei informando que desenvolve estudos na região desde 1997. Avalia os impactos humanos na fauna e orienta os moradores locais a conviver harmoniosamente com os animais e o ambiente natural do entorno. Hoje faz pesquisas sobre os lobos-guarás.

"Por isso, sabemos que, sem essas áreas, sua sobrevivência em um dos poucos santuários da espécie em toda América do Sul pode ser comprometida, bem como de muitas outras espécies", alerta em seu portal, num texto sob o título Serra da Canastra - Sua integridade agora depende de Nós.

"O Projeto de Lei que prevê redução da área do Parque Natural da Serra da Canastra é equivocado, porque desconsidera estudos ambientais já realizados, que demonstram a importância ambiental única de ambientes existentes na área a ser excluída. Que se saiba, nenhum dos deputados autores do mesmo, e seus apoiadores, mobilizaram-se alguma vez para protestar ou buscar melhorias na estrutura humana e técnica do Ibama, que é uma porcaria", disse a AmbienteBrasil a superintendente executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente - Amda -, Maria Dalce Ricas, para quem o Parque não tem sequer condições de detectar os incêndios criminosos, ateados por fazendeiros da região, que anualmente o assolam.

"Os motivos alegados para sua diminuição, mesmo sendo parcialmente verdadeiros, apontam para no máximo, redefinir seus limites, mas jamais reduzi-lo. Mas, água, plantas e animais não são eleitores e por isto, não entram na agenda da esmagadora maioria dos parlamentares brasileiros, políticos por profissão", completa a ambientalista.

Segundo ela, resta agora saber se o governo federal vai impedir aprovação do Projeto, utilizando os mecanismos de praxe quando se trata de temas de seu interesse. "O fato de dois deputados serem do PT já é mau sinal. E se alguma coisa está sendo feita pelo Governo Aécio Neves, a tática é bem mineira, porque ninguém está sabendo".

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