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Trabalho escravo

CB, Opinião, p. 25
Autor: AUDI, Patrícia
18 de Mai de 2006

Trabalho escravo

Patrícia Audi, Coordenadora do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho no Brasil

Em seu relatório Uma aliança global contra o trabalho forçado, divulgado em maio do ano passado, em Brasília, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconheceu os grandes avanços obtidos pelo país no combate ao trabalho escravo.
De fato, o Brasil é citado oito vezes no relatório como um dos poucos países do mundo onde a combinação de mobilização de atores sociais engajados no combate a esse crime e políticas públicas adequadas conseguiu resultados positivos. Em mais de 10 anos de atuação do Grupo Móvel de Fiscalização, aproximadamente 20 mil trabalhadores foram libertados.

Apesar dos avanços na repressão a essa grave violação dos direitos humanos, ainda há muito por fazer para que o trabalho escravo seja erradicado do território brasileiro. Como a própria OIT destaca em seu relatório, a impunidade dos que ainda insistem em praticar o crime e submeter trabalhadores à falta de liberdade é que contribui fortemente para que o objetivo de extinguir essa chaga não seja alcançado. Em outras palavras: até agora ninguém foi suficientemente punido pela prática de trabalho escravo.

Embora o clima de impunidade tenha diminuído com a aplicação aos falsos empresários de severas penas pecuniárias, ainda muito precisa ser feito para que todas as metas do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 11 de março de 2003, sejam cumpridas na sua integralidade.

Uma delas, a de número 52, poderia se tornar um marco na luta contra esse crime, inadmissível em pleno século 21. Diz o texto: "Concretizar a solução amistosa proposta pelo governo brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA para o pagamento de indenização da vítima de trabalho escravo José Pereira, da fazenda Espírito Santo S/A".

Para recordar o caso, em setembro de 1989, com 17 anos, Zé Pereira fugiu dos maus-tratos e foi emboscado por funcionários da propriedade, que atingiram seu rosto com tiros. A bala deixou marcas e Zé Pereira teve de fazer um longo tratamento para não perder a visão. O caso, esquecido pelas autoridades, foi levado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil. Vale ressaltar que a fiscalização móvel do Ministério do Trabalho e Emprego constatou diversas vezes, ao longo dos anos, trabalho escravo nas fazendas dos proprietários da Espírito Santo.

O governo acabou reconhecendo seu erro. Em novembro de 2003, foi aprovada pelo Congresso Nacional uma indenização no valor de R$ 52 mil a Zé Pereira para que o Brasil não fosse condenado pela OEA por conivência com uma grave violação dos direitos humanos. Desde então, houve avanços no cumprimento das penalidades impostas pela OEA.

O acordo se dividiu em quatro ações: a) reconhecimento da responsabilidade por parte do Estado, que foi cumprida; b) pagamento de indenização, cumprida; c) julgamento e punição dos responsáveis, não cumprida porque parte dos acusados continua foragida. No quarto ponto do acordo, entretanto, uma solução prevista ainda não foi cumprida, e está retardando a punição dos responsáveis pelo crime de trabalho no Brasil.

Pelo acordo firmado, o Estado brasileiro deveria estimular a adoção de medidas legislativas. Apesar da idéia fazer parte do Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, não existe a menor indicação de aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438, a qual prevê a expropriação das terras onde for constatada a ocorrência de trabalho escravo.

Além disso, não existe definição da competência criminal para julgar esses crimes. Há duas semanas, em Washington, na apresentação do Relatório Anual da Comissão de Direitos Humanos da OEA, o governo brasileiro foi criticado por não demonstrar empenho em defender a competência da Justiça Federal.

O caso se arrasta no Supremo Tribunal Federal, que há mais de um ano está para tomar uma decisão a esse respeito. A própria OIT, em seu relatório global, chamou a atenção que a federalização desse tipo de crime é apontada por especialistas como um grande passo para a erradicação do problema.

CB, 18/05/2006, Opinião, p. 25

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