VOLTAR

Terror psicológico é a nova arma

CB, Brasil, p. 10
15 de Mai de 2005

Terror psicológico é a nova arma
Em vez de assassinatos, latifundiários estão optando por ameaças e intimidação contra invasores de terra. Segundo Comissão Pastoral da Terra, ocorrências deste tipo crescem, enquanto caem os homicídios

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

Revólveres e espingardas estão sendo substituídos por outra arma na violência praticada contra pequenos trabalhadores rurais: o terror psicológico. Embora os homicídios ainda sejam comuns nos conflitos agrários, eles diminuem à medida em que aumenta o número de outros tipos de agressões, como ameaças de despejo e destruição de casas e roças.
Uma tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (USP) mostra que latifundiários preferem a intimidação ao assassinato de ocupantes de terra. Reservam a morte para líderes de movimentos sociais. A violência contra trabalhadores rurais foi tema de debates e de um seminário durante a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que termina nesta terça-feira, em Brasília.
O estudo da USP foi realizado pelo geólogo Francisco Avelino Júnior, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). "Embora analise particularmente o caso do estado, a conclusão do capítulo reservado aos conflitos agrários pode ser aplicada às demais regiões brasileiras", destaca o pesquisador. Para defender a tese, Avelino utilizou dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), movimento da igreja católica que monitora a situação fundiária no país. Segundo a pastoral, essa é uma tendência nacional. Em 1996, a CPT registrou 653 ocorrências violentas, como ameaças de despejo, destruição de casas e de bens. Em 2004, o número passou para 1.398, sendo que os assassinatos caíram de 54 para 39, comparando os dois períodos. Avelino explica que a tática mudou porque os homicídios no campo começaram a ganhar visibilidade na imprensa. "Os fazendeiros resolveram trocar de estratégia, praticando o que é chamado de guerra de baixa intensidade: torturas, queima de roças, expulsões. Os assassinatos agora são seletivos, claramente políticos, com objetivo de eliminar as lideranças", diz.
O pesquisador lembra que, no Mato Grosso do Sul, a concentração fundiária intensificou-se a partir de 1979, ano de emancipação do estado. Projetos governamentais, como o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Polocentro) e o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Procentro) incentivaram o investimento de grandes produtores rurais na área. As fazendas de gado e soja expulsaram os camponeses, que passaram a lutar pela reconquista da terra. Em 1995, 13,2% da zona rural do estado encontravam-se nas mãos dos latifundiários.
Despejos
Outra forma de violência relatada pelo pesquisador Franciso Avelino Júnior são as prisões arbitrárias de trabalhadores rurais - no ano passado, 421 foram presos - e as constantes ordens de despejo. "Mais grave que as detenções são os despejos", acredita o advogado Bruno Paiva, especialista em conflitos agrários. De 2003 para 2004, aumentou 4,4% o número de despejos. Em cada 5,8 famílias envolvidas em conflitos, uma foi expulsa da terra. "Nesses casos, violam-se os direitos constitucionais dos trabalhadores", afirma.
No Pará, a violência contra trabalhadores rurais ganhou destaque com a morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, assassinada no dia 12 de fevereiro em Anapu. A morte da freira comprova a tese de Avelino, de que agora os homicídios destinam-se a lideranças.
"A primeira coisa que eles (os mandantes do crime) fizeram foi queimar tudo que tinha nas duas glebas onde a irmã Dororthy tinha implantado o Plano de Desenvolvimento Sustentável", conta o coordenador da CPT no Pará, Jax Pinto. A intimidação, porém, não deu certo, e os trabalhadores continuaram
a ocupar os 128 mil hectares de terra em Anapu, cobiçados por causa da madeira. Tempos depois do incêndio, a missionária, líder na região, foi assassinada. Jax responsabiliza o agronegócio pela luta acirrada pela terra. "Plantação de soja e criação de gado exigem muita terra. Não há mais espaço para os pequenos agricultores", diz, acusando o governo federal de só incentivar os produtos voltados à exportação. "Uma pesquisa da CPT constatou que seis comunidades no Baixo Amazonas simplesmente sumiram. Foram expulsas pelos grandes produtores", relata Jax Pinto.

Até crianças são vítimas
Em Pernambuco, segunda unidade da federação onde há mais conflitos agrários, atrás apenas do Pará, a concentração fundiária tem origem no século 16, quando os engenhos de açúcar predominavam na geografia do Nordeste. "Os senhores de engenho ainda dominam o estado", acusa Marluce Melo, coordenadora regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na Zona da Mata do estado, predomina o modelo de latifúndio e da monocultura, o que gerou uma crise há duas décadas, quando os fazendeiros perderam subsídios e as usinas faliram. Mais de 150 mil trabalhadores rurais ficaram desempregados, segundo o advogado Bruno Paiva, especialista em conflitos agrários que defende centenas de camponeses da região.
"Pessoas encapuzadas entram nos acampamentos dos sem-terra, matam animais, ateam fogo nas plantações e fazem ameaças", conta Marluce Melo. Paiva relata que, nas escolas de Tracunhaém, filhos de sem-terra têm seu material escolar revistado pela polícia, uma forma de intimidar os pais. As crianças são separadas nas salas de aula dos demais colegas.
"A polícia é a milícia privada. Com ou sem farda, agentes ameaçam e realizam invasões para forçar as pessoas a abandonarem os acampamentos", diz a coordenadora da regional da CPT. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga os grupos de extermínio no Nordeste constatou a participação de policiais em crimes contra sem-terra.
Nos últimos anos, o número de homicídios diminuiu em Pernambuco: quatro em 1998, um em 2000, nenhum em 2004. No entanto, no mesmo período, a quantidade de conflitos cresceu. Em 1998, houve 135; em 2000, foram 174; e, em 2004, 156. "A violência nem sempre se configura pela morte a tiros, mas pelo assassinato aos direitos humanos", diz Bruno Paiva.
Luiza Cavalcante, 44 anos, está acampada com 280 famílias às margens da rodovia estadual PE-41, na região da usina de Santa Tereza, em Aracoaba (PE). Desde 2004, os trabalhadores rurais moram em barracas de lona e estão à mercê de agressões cometidas por policiais e seguranças dos fazendeiros. "É um sofrimento muito grande. Agora vai começar o período de chuva, a gente vê a terra molhada e não pode plantar", lamenta. Nascida na roça, Luiza viveu parte da juventude na periferia de Recife, até voltar a trabalhar no campo. Em 1997, juntamente com outros sem-terra, ocupou a usina Aliança. A fazenda estava desativada e deve R$ 252 milhões em impostos e encargos trabalhistas ao governo. "A gente plantava de tudo e, nos finais de semana, montava uma feirinha de produtos orgânicos. Construímos escola, igreja, havia saneamento e posto médico no acampamento. Também havia um criadouro de peixes", lembra.
O inferno dos pequenos agricultores começou em 2003, quando as casas de taipa foram destruídas, as plantações incendiadas, os animais envenenados, a escola e a igreja destruídas. Os sem-terra saíram da usina e montaram o acampamento à beira da estrada. "Vivemos com muita insegurança. Toda hora passa carro e os motoristas ficam nos encarando. Minha filha de 16 anos nem mora mais aqui, preferi que ela fosse para Abreu e Lima (cidade na Zona da Mata), morar com a minha mãe", conta Luiza, que há oito anos espera pelo assentamento do governo.
Embora a meta para 2004 tenha sido a de assentar 115 mil famílias, somente 81 mil foram beneficiadas. (PO)

CB, 15/05/2005, Brasil, p. 10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.