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Terras indígenas podem passar a ser ''propriedade coletiva'' dos índios no Brasil

Radiobrás-Brasília-DF
Autor: Alessandra Bastos
11 de Fev de 2005

O Brasil pode vir a mudar a forma como trata a questão da propriedade das terras indígenas. Hoje, os índios têm a posse das terras, que pertencem à União. Se a mudança for consolidada, as terras passariam a ser de "propriedade coletiva" dos índios, como já acontece hoje com os povos quilombos, segundo o primeiro secretário da missão brasileira na OEA, Silvio Albuquerque Silva.

Silvio explica que a Constituição brasileira diz "posse permanente das terras" e não existe a previsão de "propriedade coletiva das terras", porém, "é possível que o Brasil reconheça o termo, pois não é necessário uma alteração constitucional".

O objetivo da mudança é estar em consenso com a Declaração Americana dos Direitos Indígenas, que vem sendo discutida há dois anos e deve ser aprovada em 2006, pelos 34 países participantes da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O maior avanço das negociações é que os povos indígenas atuam com participação igualitária em relação aos representantes governamentais para propor alterações no texto da Declaração. "Isso é absolutamente inovador. A ONU ainda não faz isso", afirma Silvio Albuquerque Silva.

Durante toda a semana, governos e representações indígenas estiveram reunidos em Washington para mais uma rodada de negociações, que terminou hoje, e na qual a questão de propriedade se tornou o tema mais polêmico e divergente entre as nações. Os países já trabalham com a hipótese de não conseguirem chegar a um consenso quanto à propriedade das terras. Nesse caso, "o consenso será entendido como a aprovação da maioria", adianta Silvio Albuquerque.

Além da propriedade, os índios exigem também o usufruto do solo e do subsolo, porém o último não é permitido pela legislação brasileira. Mesmo que passem a ser proprietários das terras onde vivem, a situação não muda. "Mudar a questão do subsolo é mais difícil porque a Constituição é explícita quanto a isso, mas reconhecemos que há um problema sério de garimpeiros de diamantes em terras indígenas", afirma o secretário.

Cada país possui questionamentos diferentes quanto ao tema. O Suriname está na mesma situação do Brasil, onde as terras indígenas também pertencem ao Estado. Na Venezuela, os índios já têm o direito à propriedade coletiva das terras. Nos Estados Unidos, as terras indígenas foram ganhas em guerras, não são territórios historicamente ocupados e, por isso, o país não concorda com o "direito originário" - na qual os índios devem ter direito às terras onde viviam antes da ocupação branca - e pediram o acréscimo do termo "terras adquiridas". Já a Argentina não concorda com o termo "território" porque teme "possíveis reivindicações autonomistas" por parte dos índios, explica Silvio Albuquerque.

Retranca

A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, aprovada 1989 - é um dos documentos usados como base nas discussões da Declaração Americana dos Direitos Indígenas. Quando aprovada, a Declaração não terá caráter obrigatório como acontece com as convenções, mas sim tem o objetivo de orientar os países a elaborar políticas públicas e ajudar os povos indígenas a conquistarem seus direitos na prática.

De acordo com a Convenção 169, "Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos existentes nas terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração".

Porém, o uso de recursos naturais, como a garimpagem de diamantes, sem um entendimento com os povos indígenas é um dos problemas vividos hoje no Brasil. "Infelizmente, a consulta prévia aos povos não vem acontecendo neste governo", afirma Azelene Kaigang, vice-presidente da Cactus dos Povos Indígenas, conselho que reúne representantes indígenas dos 34 países participantes da OEA.

Dos 35 artigos da Declaração, 23 já foram discutidos, mas apenas três foram objeto de consenso, o que não representa ainda uma aprovação. A próxima etapa de negociações está marcada para junho, na Flórida, mas poderá ser antecipada.

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