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Terra sem lei

O Globo, Opinião, p. 6
15 de Fev de 2005

Terra sem lei

Dificilmente se chegará ao esclarecimento do assassinato da freira americana Dorothy Stang e à punição de todos os criminosos - os pistoleiros e os que os contrataram - sem se requerer à Justiça a federalização do crime, como prevê a reforma do Judiciário. No início da noite de ontem, anunciava-se que o pedido seria feito pelo Ministério Público. Nada mais indicado, pela impossibilidade de as autoridades locais terem condições de impor a lei naquela região.

A comparação do caso com o assassinato de Chico Mendes, há 17 anos, não pode ser considerada dedução apressada da imprensa internacional. As características são de fato muito semelhantes, e é inevitável que esteja havendo hoje a mesma repercussão mundial. Igualmente, o que não era mais do que um desagradável constrangimento para o governo - a recente concessão feita aos madeireiros - ganha agora uma dimensão sinistra ao ser associado, com ou sem razão, a uma postura leniente que seria um estímulo a crimes como este.

O governo não terá como livrar-se desta pecha se não atentar para um dado fundamental. Porque os dois casos tornam clara a lacuna gigantesca, o completo vácuo legal naquela área e, de modo geral, na interminável violência da disputa pela terra no país. Grilagem, invasões, assassinatos, com freqüência precedidos de ameaças, e toda sorte de crimes são cometidos no campo pelos dois lados - um dos quais conta com a simpatia explícita do governo. O que não deveria ocorrer, e sim o estabelecimento do império da lei para todos.

Esclarecer o assassinato da missionária é imprescindível; mas não o é menos, por exemplo, punir aqueles que, num acampamento do MST no interior de Pernambuco, mataram um PM e torturaram outro. Não se pode ceder a uma parte ou a outra, não se pode tolerar qualquer transgressão da lei. Não é por sua repercussão que o crime cometido no Pará exige empenho máximo do governo em investigação e punição, mas por ser um crime. Como tantos outros que ficaram impunes porque não tiveram grande ressonância, sendo a sua investigação circunscrita a uma região onde a lei está longe de ser a autoridade suprema.

O Globo, 15/02/2005, Opinião, p. 6

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