VOLTAR

Terra de crise e oportunidade

CB, Pensar, p. 3-5
Autor: ARTEAGA, Rosália
13 de Mai de 2006

Terra de crise e oportunidade
Narcotráfico, Expansão da Produção Agrícola, Focos de Tensão Fronteiriços e Biopirataria são alguns dos problemas que a Amazônia terá de enfrentar neste século

Especial

A situação na Amazônia voltou a atrair a preocupação de governantes e especialistas. Na semana que vem, a situação estratégica da região será discutida no XIII Seminário Internacional Destino Amazônico. A secretária- geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (Otca), Rosália Arteaga, também irá proferir a aula magna do Instituto de Relações Internacionais no dia 18 de maio de 2006. Na semana passada, no Hotel Partenon, um encontro discutiu a questão da expansão agrícola. Segundo os dados apresentados no relatório final, a Amazônia está entrando em uma nova era à medida que a crescente lucratividade da pecuária e da agricultura de soja estimula o aumento das taxas de desmatamento e leva a expansão da malha rodoviária. As estratégias de conservação têm se centrado nas áreas protegidas (AP), tanto habitadas (reservas extrativistas, florestas públicas e terras indígenas) quanto inabitadas (parques e reservas biológicas). As AP inibem tanto o desmatamento quanto o fogo mas são menos eficazes na conservação de bacias hidrográficas, cujas cabeceiras geralmente se estendem para além das fronteiras das reservas. Para manter o clima amazônico; mais de 70% da cobertura florestal podem ser necessários para assegurar o regime de chuvas.
As preocupações não se limitam às questões ambientais. Há focos de tensão na fronteira entre Venezuela e Colômbia e entre Peru e Equador. Para o coronel da reserva Geraldo Cavagnari, especialista em Estratégia e pesquisador da Unicamp, desfaz o mito de que a segurança da Amazônia brasileira esteja em risco. "A Amazônia está assegurada. A questão do tráfico de drogas, por exemplo, foi em grande parte solucionada com a conclusão do projeto Sivam/Sipam e a sanção das Lei do Abate, que deu poder para a FAB abater qualquer aeronave que sobrevoe o espaço aéreo nacional sem autorização. Embora as rotas terrestres estejam ativas e sejam de difícil controle". Cavagnari avalia como "bastante provável" que as rotas aéreas que eram usadas pelo narcotráfico para escoamento da produção de drogas tenham se transferido da Amazônia brasileira para o território venezuelano. Em relação às recentes incursões das Farc no território brasileiro, o especialista rejeita a tese de que os guerrilheiros estejam operando por aqui. "O Brasil é usado pela guerrilha apenas como santuário, refúgio, quando a pressão das autoridades colombianas aumentam. Eles nunca se consolidarão operacionalmente aqui por que não contam com apoio da população", afirma.
Cavagnari acha que as Forças Armadas brasileiras devem ficar atentas à Bolívia, único foco significativo de tensão fronteiriça. "Nossos interesses soberanos foram ameaçados com a nacionalização das refinarias da Petrobras. Agora são os agricultores brasileiros que estão ameaçados. É obrigação do governo brasileiro advogar em prol desses cidadãos e impedir que o Estado boliviano use da força contra eles. Como o chanceler Celso Amorim disse, é preciso considerar os 80 mil bolivianos que estão no Brasil e que ambos os países assinaram no ano passado um acordo de regularização migratória que garante a residência para pessoas de ambos os países. Temos que usar isso como instrumento de barganha". O especialista não acha que Paraguai seguirá o exemplo boliviano por dois principais motivos: "Primeiro porque os paraguaios dependem em muito do Brasil, que pode asfixiar o comércio deles na Ponte da Amizade. E depois porque Hugo Chávez não terá no Paraguai a mesma influência que teve na Bolívia. Os americanos estão lá e não permitirão isso".
"É preciso evitar que Chávez transforme a Bolívia em satélite da Venezuela. O que interessa a ele é ter o controle do gás e do petróleo. Todo esse projeto de Lula de buscar a liderança sul-americana é um delírio. Temos que ser pragmáticos com nossos vizinhos."
Nas páginas 4 e 5, a secretária-geral da Otca descreve os pontos críticos e soluções viáveis para a região.

Desafios enormes, otimismo permanente
Para Secretaria-Geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Integração Sul-Americana passa pela região

Entrevista // ROSALIA ARTEAGA

A Amazônia tem uma série enorme de problemas:narcotráfico,a questão do desmatamento,potenciais conflitos de fronteira.Fronteiras muito grandes e pouco delimitadas.Como a Otca tenta se inserir na solução desses problemas?

Em primeiro lugar, temos de falar nas dimensões enormes da região, que ocupa quase 40%do território da América do Sul. A Amazônia é um bioma compartilhado por oito países. Em minha opinião, a integração da América do Sul não teve resultados melhores porque nunca levou a Amazônia em conta. Se tomarmos a região como um ponto de partida, talvez os resultados sejam mais positivos. A Otca é um organismo muito novo, mas que tem um antecedente antigo, um tratado com 25 anos de vigência (o Tratado de Cooperação Amazônico). Nesse tempo, a liderança foi exercida por secretarias pró-tempore, com mandatos dos oito países. A sede permanente foi instalada no final de 2002, em Brasília. Ou seja, temos pouco mais de três anos de existência como organização.

E qual a experiência desses primeiros três anos?

Foi uma fase de planificação. Recolher e manter os estudos que estão servindo de base para nosso trabalho. Um trabalho de planejamento que não pode seguir apenas a vontade da Otca, mas que precisa ser harmonizado com interesses de oito países assimétricos. Países tão grandes como o Brasil, que reúnem realidades extremamente diversas, ou tão pequenos como o Suriname ou Guiana e até mesmo conflitivos,como é o caso de meu próprio país, o Equador, e a Bolívia. Os países da Bacia Amazônica aprovaram um plano estratégico em setembro de 2004, na reunião de chanceleres em Manaus, a primeira com a Otca já constituída. E nós damos andamento a esse projeto. Como organismo internacional,não podemos interferir diretamente, porque seríamos acusados de violentar a soberania nacional. Nenhum organismo internacional pode intervir se não for chamado pelo país. O trabalho da Otca é harmonizar a ação entre os governos e começamos por alguns temas fundamentais...

Entre eles a preservação da floresta...

Sim. Para isso retomamos os mecanismos previstos em um antigo item do tratado, os indicadores de sustentabilidade da Floresta Amazônica de Tarapoto. Com o apoio da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) iniciamos o processo de balizamento em cada um dos oito países do Tratado de Cooperação Amazônica. Nesse trabalho, cabe a cada país, depois de ouvir seus técnicos, definir os meios adequados para manter a floresta. Além disso, os países amazônicos se apresentaram como um bloco no Fórum Mundial de Florestas, em Nova York, por dois anos consecutivos, 2005 e 2006, atuando como um bloco. Colocamos nossa posição de preservar a floresta sem aceitar qualquer imposição dos outros países. Também estamos elaborando uma proposta para criar áreas naturais conjuntas protegidas, parques binacionais ou trinacionais, que ajudem na paz e na preservação da floresta. É bom lembrar que houve uma redução de 37% na área desmatada no Brasil. O esforço, nos outros países, também foi importante, apesar de não termos como mensurá-lo. O Brasil, nessa área, é privilegiado, porque tem como monitorar o meio ambiente por meio do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo sistema Sivam/Sipam. Com o apoio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) estamos assinando um acordo para estender, até 2008, aos outros países o benefício do sistema de monitoramento da Amazônia.

E o gerenciamento da água?

Nós sabemos que a Bacia Amazônica é a maior do mundo. Dizem os cientistas que reúne 20% da água doce do planeta, mas existem indícios de que há um enorme aqüífero no subsolo da região. Ainda não temos comprovações científicas, mas se isso for verdade, a importância das reservas seria ainda maior. A Amazônia pode ser uma grande vítima das mudanças climáticas. A inter-relação entre os Andes e a floresta é mais íntima do que se supunha. Uma das explicações possíveis para a grande seca que assolou a Amazônia brasileira pode estar nos Andes. A geleiras já não são tão grandes e os regimes de chuvas estão mudando. Estamos trabalhando num projeto de gestão integrada dos recursos hídricos, para fortalecer as agências nacionais de águas de cada país e desenvolver uma estratégia geral. Estamos analisando diversos aspectos que vão da contaminação das águas à pesca predatória. Toda a bacia apresenta problemas de mercúrio devido aos garimpos ilegais. Por outro lado, a pesca predatória leva à diminuição do tamanho dos peixes afeta a oferta de alimentos, com séria conseqüências sobre a qualidade de vida e saúde das populações ribeirinhas. Afinal de contas, a pesca supre a maior parte das necessidades de proteína da região. Também estamos levantando os problemas de contaminação pelo lançamento de esgotos das grandes cidades amazônicas. Estabelecemos projetos pilotos junto às comunidades para conscientizar sobre a necessidade de tratamento de dejetos e ensinar como melhorar a qualidade da água que eles bebem.Contamos, para isso, com o suporte das Nações Unidas através do Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF) eda Organização dos Estados Americanos (OEA).

E a questão da biodiversidade,como compatibilizá-la com as necessidades da população ribeirinha?

Os desmatamentos e as queimadas realmente afetam a biodiversidade, mas a Amazônia não pode ser transformada em um grande zoológico. Temos de achar alternativas válidas para quem mora lá. Cerca de 20 milhões de pessoas vivem na parte brasileira da região. Nós não temos dados demográficos concretos, sobre a população amazônica, como não temos dados concretos sobre muitas coisas na Amazônia. Então estamos trabalhando propostas de biocomércio e de desenvolvimento sustentável da biodiversidade com o apoio da UCTA e da cooperação holandesa. Também estamos trabalhando com a cooperação espanhola, mas a grande potencialidade da Otca é como mecanismo político capaz de coordenar discussões dos ministros das diversas áreas dos países associados. Já tivemos uma em Curitiba para discutir a questão do meio ambiente. Em Florianópolis falamos sobre a criação de um plano de saúde para a Amazônia. Vamos convocar, para meados de julho, uma reunião de ministros de defesa, adiada duas vezes por situações extra-organizacionais. Para o dia 12 de junho, no Equador, está proposta uma reunião de presidentes. Sei que está muito perto. Os presidentes Lula e Evo Moralez (Bolívia) já confirmaram sua participação.

A senhora ressaltou o fato de que na Amazônia não é um enorme viveiro.Tem gente morando, que precisa plantar,que precisa colher,que precisa pescar...

Gente que precisa ter uma vida digna. Nós não vamos proteger a floresta impedindo as pessoas de levar sua vida, determinando o que pode e o que não pode ser feito. Temos de respeitar os povos isolados, e temos vários no Brasil, no Peru e no Equador. Respeitando seu território e lembrando que são altamente susceptíveis a enfermidade e doenças, mas devemos atender as necessidades dos que já estão contatados e, ou, integrados. Devemos incentivar alternativas por meio do biocomércio por meio da exploração sustentável da biodiversidade e do ecoturismo. Além disso, podemosaventar a possibilidade de pagamento de serviços ambientais, como as previstas no Protocolo de Kioto. Falava-se muito de que Amazônia era o pulmão da humanidade. Agora os cientistas dizem que não que isso não é verdade, mas afirmam algo que eu gosto muito de repetir: que a Amazônia é uma espécie de ar-condicionado para o planeta, porque providencia a evaporação da água que faz chover nos países da América do Norte e da Europa. Sem a Amazônia, os Estados Unidos seriam um enorme deserto.

E a violência?

Sou uma otimista. Planta-se coca em algumas região da Amazônia. Existe violência na região, mas também existe, e até em maior grau, em outras regiões do mundo. Por outro lado, a cura de diversas doenças pode estar guardada na biodiversidade da floresta...

Como o funcionamento do Sivam/Sipam afetou o contrabando de drogas na região? . Já existe algum estudo sobre o da aplicação de desfolhantes nas plantações de cocas colombianas?E a aplicação de desfolhantes ?

Permitindo um monitoramento mais efetivo do problema, como ocorreu na questão de desmatamento. É como uma pessoa muito gorda que não tinha uma balança e agora pode controlar seu peso com mais facilidade. Saber se emagreceu, ou ganhou alguns quilos. Mas a questão do monitoramento não pode ser dissociada do controle, e esse é um problema específico da Justiça de cada país. Quanto aos desfolhantes, são freqüentes as queixas dos países vizinhos. Inclusive no meu país, o Equador. Mas ainda não temos parâmetros exatos para medir o impacto ambiental ou na saúde das pessoas. Os estudos existentes apresentam resultados contraditórios. Isso, provavelmente, será tratado na reunião de ministros da defesa, mas ainda não temos a agenda do encontro.

Isso não foi tratado na reunião de ministros da saúde?

Nesse encontro foram tratados temos menos explosivos, mas igualmente importantes, como o controle da malária. A malária mata mais que outras doenças que recebem muito mais atenção e publicidade. Além disso, aumentou o número de casos de aids e a cólera ainda é muito presente na região. E não podemos esquecer que muita gente morre de fome na Amazônia. É triste pensar que há tanta riqueza por um lado, e de outro tanta pobreza. Devemos ver os potenciais da região mas ao mesmo tempo, ser responsáveis. Para sensibilizar a opinião pública e a mídia organizamos uma expedição de jovens que irá percorrer 4 mil quilômetros, realizando estudos, saindo do Equador e chegando a Belém. Serão cinco representantes de cada país, 40 no total. Nosso objetivo é incentivar a juventude a olhar a Amazônia com mais atenção.

Reflexão sobre os riscos

Silvio Queiroz

No momento em que a integração sul-americana vive mais uma crise de identidade, cujo desenlace poderá ser tanto o fracasso do projeto quanto seu avanço para um novo patamar, a preservação e a exploração sustentável da floresta amazônica se apresentam como desafio à capacidade de cooperação continental. Reserva natural de potencial ainda não totalmente determinado - embora já suficientemente conhecido para alimentar cobiças e justificar alarme -, a Amazônia tem representado, ao longo dos cinco séculos de história da América pós-Colombo, riscos e oportunidades. No contexto socioeconômico da globalização, com seus efeitos colaterais expressos principalmente na internacionalização do crime (seja o tráfico de drogas ou a biopirataria), qualquer tentativa séria de integrar a floresta e seu povo pressupõe a ação coordenada dos governos que compartilham a Amazônia.
Destino amazônico - devastação nos oito países da Hiléia, que a Hucitec acaba de lançar, traz farto aporte para os que participam desse debate ou por ele se interessam. O autor, Argemiro Procópio, cientista político da UnB, retoma e atualiza o conteúdo de trabalhos anteriores,como O Brasil no mundo das droga (publicado pela Vozes, 1999) e O multilateralismo amazônico e as fronteiras da segurança (in Os excluídos da arca de Noé, publicado em 2005 pela Hucitec). Empreitada mais ambiciosa,Destino amazônico se debruça sobre a história da floresta de maneira multidisciplinar, visitando desde a chegada dos primeiros europeus, a ação dos religiosos católicos e posteriormente também evangélicos, até iniciativas de ocupação como o projeto Calha Norte, concebido pelos militares brasileiros nos anos 80.
Para o leitor atraído sobretudo pela atualidade imediata, Procópio oferece vasta informação e reflexão sobre o desafio da internacionalização dos interesses na Amazônia. Particularmente preocupante é o contágio de toda a orla da floresta pelo tráfico de cocaína e armas, cujo epicentro está na Colômbia e se entrelaça com o conflito armado que dilacera o país há quatro décadas.O estabelecimento, nas desguarnecidas fronteiras colombianas, do negócio triangular entre mercadores de armas e drogas e os guerrilheiros das Farc, já se projeta sobre todo o entorno - sem poupar a Amazônia brasileira, onde se manifesta tanto no avanço do crime quanto no flagelo da dependência.
O livro, que recupera o registro jornalístico do processo de expansão e capilarização dos cartéis do narcotráfico, nas décadas de 70 e 80, avança até acontecimentos do ano passado, o que lhe confere não apenas atualidade, mas garante sua relevância por mais alguns anos.Os que acompanham o noticiário sobre as guerras do tráfico nas favelas do Rio de Janeiro ou na periferia de São Paulo, e se admiram com a ação desenvolta dos "pequenos chefões" dos morros, encontrarão informações complementares sobre como o Brasil se recolocou na geopolítica do tráfico, deixando de ser apenas uma rota alternativa para se tornar base de alguns dos operadores internacionais do negócio - como Fernandinho Beira-Mar, preso em 2001 pelo exército colombiano em meio a uma operação contra as Farc em região próxima ao Brasil e à Venezuela.
Utilizando como fontes tanto estudos e documentos históricos quanto registros recentes compilados da imprensa, Procópio convida o leitor a conhecer nas raízes os fatores que constituem hoje motivo de preocupação e ocupação para o leitor que não se satisfaz com a cobertura naturalmente circunstancial que o tema recebe nos meios de informação. Compartilhando ou não dos pontos de vista do autor, a leitura de Destino amazônico é escala recomendada a quem pretenda se aventurar na reflexão sobre o "inferno verde" que freqüenta o imaginário de americanos, europeus e quantos se deparem com a imensidão de oportunidades e desafios por ele representado.

CB, 13/05/2006, Pensar, p. 3-5

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.