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Terra de conflitos

CB, Brasil, p.12
05 de Jan de 2005

Terra de conflitos
Decisão do Supremo suspende processo de homologação contínua da área de Raposa Serra do Sol, em Roraima. Em todo o país, existem 11 regiões que aguardam assinatura do presidente Lula para se tornarem reservas

Ullisses Campbell
Da equipe do Correio

Os 12 mil índios que sonham com a posse definitiva e integral das terras da Raposa Serra do Sol, na Região Amazônica, vão ter de esperar mais um pouco. A vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, suspendeu a portaria do Ministério da Justiça que estabeleceu a demarcação contínua da área de 1,7 milhão de hectares, no estado de Roraima. A decisão, divulgada ontem, atende a um pedido do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Com isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está impedido de assinar o decreto que homologa a demarcação contínua das terras indígenas. A Advocacia Geral da União (AGU) vai recorrer da decisão, mas o recurso será julgado no plenário do Supremo, pelos 11 ministros, só após o recesso.

O maior argumento do senador para que não seja feita uma demarcação integral é que há três municípios dentro da área. Juntas, as cidades têm mais de dez mil habitantes. ''A homologação implicaria na retirada de milhares de pessoas das suas casas'', diz o senador. Mozarildo afirma ainda que, com a demarcação contínua, Roraima se tornaria inviável economicamente porque teria mais da metade de área total do estado destinada a reservas indígenas. ''Roraima já possui 32 reservas indígenas e a população de índios não passa de 8%'', argumenta o senador.

O governador de Roraima, Otomar Pinto (PTB), também luta contra a demarcação integral das terras da Raposa Serra do Sol. Ontem, ele apresentou pessoalmente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma contraproposta à homologação contínua da área. Ele sugere que o governo federal exclua 300 mil hectares do total de 1,7 milhão de hectares definidos pelo Ministério da Justiça. O governador reclama que a demarcação contínua prejudicará a economia do estado, já que 25% do Produto Interno Bruto (PIB) de Roraima vêm da produção de arroz e boa parte das plantações está na área a ser decretada como reserva indígena.

Índios são contra
Segundo a proposta de Otomar, o ideal seria fazer desapropriações de áreas específicas, e não das terras integralmente, como consta na minuta do decreto de homologação que Lula prometeu assinar em breve. Na comitiva de Otomar Pinto, há até índios que são contra a homologação das terras em questão.
Em todo o país, existem 11 áreas indígenas que somam 3,9 milhões de hectares e estão na mesma situação da Raposa Serra do Sol. Foram demarcadas e desapropriadas pelo governo federal, mas esperam por homologação do presidente da República. A maioria dessas terras está na Amazônia Legal.

Pelo menos 10% das terras brasileiras pertencem a povos indígenas, que, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), somam 450 mil pessoas. O diretor de Assuntos Fundiários da Funai, Artur Nobre Mendes, diz que, em rápida análise, parece que há muita terra para poucos índios. No entanto, Nobre justifica que o Brasil tem uma dívida antiga com os povos indígenas, que foram perdendo suas terras com o avanço dos não-índios.

Confusão
A desapropriação das terras da Raposa Serra do Sol é uma dor de cabeça que se arrasta há sete anos e uma das mais complicadas da história da Funai. Da demarcação à homologação da área, o governo federal enfrentou seis ações na Justiça Federal, movidas pelo governo de Roraima e por produtores de arroz. Eles garantem possuir 20 mil hectares de plantações nas terras solicitadas por povos indígenas. O maior argumento de quem é contra a homologação é que quase a metade da área de Roraima pertence a nações indígenas, o que prejudica o desenvolvimento econômico do estado.
Segundo o secretário de Agricultura de Roraima, Carlos Magno Campos da Rocha, que assumiu cargo no dia 3, o estado conseguiu a proeza de deter o maior índice de produção de arroz do mundo. Lá, são produzidas entre 17 e 21 sacas do produto por hectare. Com esse êxito, os produtores de Roraima conseguiram passar a China, que produz 13 sacas por hectare plantado. ''A homologação contínua da Raposa Serra do Sol comprometerá essa produção'', assegura o secretário.

Antes de insistir na homologação das terras, a Funai encomendou ao Instituto Nacional Colonização e Reforma Agrária (Incra) um levantamento topográfico para atestar se os produtores rurais de Roraima plantavam tanto arroz quanto propagavam. Fotos tiradas por satélites mostraram que há 14 mil hectares com plantações, seis a menos do que eles dizem ter.

A minuta do decreto presidencial que transforma as terras da Raposa Serra do Sol em reserva indígena tem cinco tópicos e foi escrita pela assessoria jurídica da Funai e do Ministério da Justiça. O primeiro tópico ressalta a importância da homologação dessas terras. O segundo cita os povos que serão beneficiados. São eles: Macuxi, Wapixana, Ingaricó, Taurepane e Patamona. Juntas, essas nações unidas somam 17 mil índios.
O terceiro item da minuta conta como foram a delimitação e a demarcação da área em questão, concluídas em 1998, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. O quatro tópico identifica as 67 terras que estão ocupadas por produtores de arroz, e o último tópico refere-se às contestações que a homologação sofreu e atesta que todas foram julgadas improcedentes pelo Ministério da Justiça. A minuta da homologação não faz referência às contestações na esfera jurídica.

Roraima já possui 32 reservas indígenas e a população de índios não passa de 8%
Mozarildo Cavalcanti, senador (PTB-RR)

O números 10% das terras brasileiras pertencem a povos indígenas

Liminar será contestada por ONGs

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização não-governamental ligada à Igreja Católica, e outras duas entidades que defendem interesses de povos indígenas em Roraima vão tentar derrubar a liminar do Supremo, que impede a homologação de forma contínua das terras da Raposa Serra do Sol. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) fará um manifesto contra a decisão da ministra Ellen Gracie.
O problema que envolve a demarcação da Raposa Serra do Sol divide até integrantes do governo. O procurador-geral da República, Claudio Fontelles, é contra a homologação da reserva de forma contínua. Dentro da Funai, há técnicos que também se opõem à homologação do jeito que o governo quer. Segundo o Conselho Indígena de Roraima (CIR), 20% do total de índios que vivem na reserva defendem que a região desenvolverá economicamente caso a homologação não seja integral.

Estradas de fora
Se a demarcação ocorrer de forma descontínua em Roraima, não farão parte da reserva indígena algumas estradas estaduais e federais, a sede do município do Uiramutã, que tem cinco mil habitantes, vilas e o Parque Nacional de Monte Roraima, além de linhões de energia elétrica.
O senador Mozarildo Cavalcanti, um dos maiores defensores da homologação descontínua, ressalta a importância da Raposa Serra do Sol como área de proteção de fronteiras. Isso porque a região fica encravada entre a Venezuela e a Guiana. Além disso, trata-se de uma província de ouro e diamantes ainda não explorada. ''Há muita empresa de olho nessas terras'', avisa o senador.

CB, 05/01/2005, Brasil, p. 12

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