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Terenas voltam a bloquear BR-163 e fazem jornalistas como reféns

Diário de Cuiabá- MT
04 de Out de 2001

Os índios terenas voltaram a bloquear a BR-163 em Rondonópolis no final de manhã desta quarta-feira. O bloqueio, mais uma vez com pneus incendiados e correntes, aconteceu nas imediações da chácara Lago Azul, onde estão acampados. Eles ainda fizeram como reféns nove funcionários de veículos de comunicação da cidade. Até o fechamento dessa edição, eles ainda não haviam sido liberados.
Cerca de trezentos indígenas, incluindo da etnia xavante, participaram do bloqueio. Depois de uma manhã sem maiores movimentações, por volta das 11 horas os índios deixaram o acampamento provisório e interditaram a BR-163. Segundo o cacique Milton Rondon, a decisão foi para mostrar à Funai e ao Incra que os terenas desta vez não estão brincando. Ou eles resolvem o problema ou a estrada não abre mais.
O cacique Sirênio, visivelmente transtornado, afirmou que se precisar morrer aqui na pista, a gente morre, se precisar tomar tiro da polícia, a gente toma. Mas agente só sai daqui direto para a nossa terra.
Tão logo a interdição foi iniciada, equipes de reportagem de jornais e emissoras de televisão da cidade chegaram ao local. Porém, foram todos
surpreendidos e capturados pelos índios, que agiram agressivamente e chegaram a desferir tapas e pescoções nos profissionais.
Ficaram como reféns Lygya Lima (repórter do Jornal de Hoje), Franco Leno (motorista do Jornal de Hoje), Ricardo Costa (repórter da TV Cidade), Odemício Pereira (motorista da TV Centro América), Émerson
Dourado (cinegrafista da TV Centro América), Osvaldo Matsuno (repórter da TV Gazeta), Daniel Escobar (repórter do A Tribuna), Luiz Fonseca (cinegrafista da TV Cidade) e Valdvan Domingos (auxiliar da TV Cidade).
Eles tiveram seus celulares desligados e ficaram incomunicáveis. Os repórteres mantiveram seus aparelhos em toque silencioso e ainda conseguiram manter contato com as redaçôes.
Foram liberados pelos terenas: Elane Martins (repórter da TV Centro América), Jupirany Devillart (fotógrafo do Jornal de Hoje), Dnei Matos (fotógrafo do A Tribuna) e Demar Neto (cinegrafista da TV Cidade).
Porém, tiveram confiscados seus equipamentos.
No começo da noite, o cinegrafista Demar Neto, que havia escapado, se ofereceu para ficar no lugar da repórter Lygia Lima. Demar afirmou que sua iniciativa deveu-se ao fato de Lygia ser a única mulher no grupo
feita refém. A troca ocorreu por volta das 18h45, e Lygia seguiu direto para a redação do Jornal de Hoje, onde chegou ilesa.
Segundo Lygia, o clima era de apreensão entre os reféns, que não chegaram a ser maltratados, mas a falta de informações deixava a todos angustiados. Ela afirmou que um grupo de bororos – bastante
alcoolizados – tumultuou o ambiente. Os Terena precisaram intervir e afastar os bororos dos reféns.
Lideranças exigiram que polícia deixasse local
Durante toda a tarde, o clima foi tenso nas redações de Rondonópolis por conta dos companheiros presos. O diretor do Jornal de Hoje, Emanoel Gomes Bezerra Júnior, ainda tentou conversar com o cacique Milton Rondon com a finalidade de tentar negociar a liberação dos reféns. O cacique recusou qualquer acordo e desligou o telefone. Mais uma vez, Milton Rondon afirmou que a estrada só seria desocupada com os Terena indo direto para seu novo local.
No local da interdição, a tensão aumentou quando um grupo comandado pelos caciques Sirênio e Milton Rondon se aproximou dos policiais militares que vigiavam a cerca de 400 metros do local. Armados com tacapes e arcos e flechas, eles exigiram que os policiais se retirassem do local.
Por volta das 17h, os caminhoneiros que estavam concentrados na BR-163, a cerca de oito quilômetros do local da interdição, também resolveram radicalizar. Eles passaram a dificultar a passagem de carros e pessoas vindas de ambos os sentidos da estrada. (AD)
Inspetor da PRF quer evitar confronto com grupo
O inspetor Gilberto Lopes, da Polícia Rodoviária Federal, afirmou que a instrução dada à corporação foi no sentido de acalmar os ânimos e evitar radicalizações que levassem a confronto direto com os índios.
Desde o meio da tarde, também encontrava-se no local o delegado Marcos Veloso, chefe da equipe de negociação da Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil. Ele afirmou ter se deslocado a Rondonópolis a pedido direto do secretário de Segurança Pública, Benedito Corbelino.
Um dos editores do Jornal de Hoje, Agnello José de Mello e Silva, a representante do Sindicato dos Jornalistas, Justina Fiori, o editor da TV Cidade, Eduardo Ramos, também tentaram negociar, sem sucesso, com o cacique Milton Rondon, que se mostrou irredutível.
Representantes da Funai e do Incra se reuniram em Cuiabá e definiram cinco áreas a serem examinadas pelos terenas para futura desapropriação. Um fax chegou a ser remetido aos índios, porém o cacique Milton Rondon recusou-se a aceitar o papel.
Diante disso, uma comitiva da Funai e do Incra deixou Cuiabá por volta das 17h30. Eles eram aguardados no acampamento para tentar negociar a liberação dos reféns e a reabertura da BR-163. Até o fechamento desta edição, a situação permanecia inalterada. (AD)
Etnia está desde a década de 90 no Estado
Os índios terenas viveram até o início dos anos 90 na reserva Buriti, em Dois Irmãos (MS), município localizado na região de Dourados. Com uma população de 4 mil índios, a reserva, de 10 mil hectares, passou a ser pequena para a etnia.
No início dos anos 90, os índios migraram para Rondonópolis, onde passaram a dividir a reserva Tadarimana com os bororos. Em razão da proximidade com a cidade, os terenas viram crescer os casos de alcoolismo, algo que também atinge os bororos.
A partir do final dos anos 90, eles começaram a se interessar em obter sua própria reserva. Primeiro, ocuparam a fazenda Campo Novo, do empresário Raul de Oliveira Pinto.
A área chegou a ser analisada para fins de desapropriação, mas o processo não foi adiante. Sem conseguir negociar a área com o Incra, o empresário conseguiu uma liminar de reintegração de posse, expulsando os índios.
Os terenas, então, foram levados para a fazenda Lago Azul, do deputado federal Wellington Fagundes (PL), onde eles estão desde o ano passado. Atualmente, as 92 famílias vivem no lugar, recebendo cestas básicas da Funai, que também paga o aluguel da fazenda ao deputado federal.

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