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Teoria e pratica do balanco social

OESP, Negocios, p.B18
01 de Dez de 2004

Teoria e prática do balanço social
Pesquisa do Ibase mostra que empresas nem sempre adotam internamente os programas que divulgam
Andrea Vialli
Eles são um instrumento de informação cada vez mais utilizado pelas empresas. De design gráfico irretocável, costumam vir impressos em papéis especiais e são recheados de belas fotos, de flores ou crianças sorridentes. Não há dúvidas de que os balanços sociais, uma tendência recentemente incorporada pelo meio empresarial, estão em alta. Mas, como em tudo que se torna recorrente, impõe-se a questão: eles estão cumprindo o que se propõem?
Nem sempre a prática corresponde ao que está descrito no balanço social. Recente pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase ) apontou diferenças em relação ao que é publicado e o que acontece na vida real de um universo de 231 empresas, com base em quase 600 balanços publicados entre 2000 e 2002, que seguem a metodologia do Instituto.
As principais dissonâncias dizem respeito ao volume de acidentes no trabalho, presença de mulheres e negros em cargos de chefia e participação dos empregados na definição de projetos nas áreas social e ambiental, que nem sempre são discutidos com os trabalhadores.
Os números apontam ainda que os investimentos em educação voltados aos funcionários são pequenos e vêm caindo ao longo dos anos. O investimento médio em educação por empregado era, em 2000, de R$ 514,05 por ano. Passou a R$ 421,23 no ano seguinte e caiu a R$ 402,27 em 2002. Os dados mostram ainda que o porcentual de investimentos em educação em relação ao total dos investimentos sociais internos passou de 6.o lugar em 2000 (5,4% dos investimentos) para 8.o lugar em 2002, ou seja, 3,4% do total dos investimentos internos.
Por outro lado, há uma tendência muito forte das empresas de investirem em projetos educacionais fora de casa. O último censo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife) realizado entre seus associandos aponta que 87% dos investimentos sociais privados financiam ações com perfil educacional. "O discurso da responsabilidade social avançou, mas é preciso que as empresas melhorem suas práticas internas", diz Ciro Torres, cientista político e pesquisador do Ibase. "A prática está se restringindo à ação social privada. A maioria dos investimentos ainda estão em ações pontuais que se encerram em si", completa.
Para Carmen Weingrill, gerente de Informação e Pesquisa do UniEthos, braço para capacitação e educação do Instituto Ethos, os balanços pressupõem um exercício da transparência. "É um instrumento de diálogo. O fato de tornar públicas as informações expõe a empresa a análise, por isso ela não pode mentir", explica Carmen. Nessa perspectiva, o balanço social não é um fim em si mesmo, mas faz parte do processo de incorporação do conceito de sustentabilidade.
Há nos balanços brasileiros ainda uma forte marca da filantropia, que se traduz na descrição detalhada de ações sociais, que nem sempre vem acompanhada de números referentes a esse tipo de ação. Essa tradição é herdada do marketing institucional e mais se aproxima de uma peça publicitária. Mas a prática do relatório está trazendo avanços. "Não é o melhor dos mundos, mas é um mundo em movimento", afirma Carmen.
Para Torres, do Ibase, o balanço social dever ser sobretudo uma ferramenta de gestão, para que a empresa avalie seu desempenho ao longo do ano e trabalhe os pontos que precisam ser melhorados. Sua opinião é compartilhada por Roberto Gonzalez, assessor da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec). "Não basta seguir a cartilha. Tem de ter indicadores fortes e também ser claro em relação ao que precisa mudar", diz .
Bem feitos, os balanços sociais são um grande instrumento para obtenção de crédito, na avaliação de González. "Os fundos de investimentos responsáveis estão crescendo no Brasil. A prática socioambiental assegura menor risco, o que pode se traduzir em maior capital, a juros menores", explica.

Educação
514 reais por ano era o investimento médio anual em educação por empregado no ano 2000, segundo dados de pesquisa feita pelo Ibase com 231 empresas
402 reais por ano era a média desse investimento em 2002, o que mostra a queda que já vinha se configurando em 2001, quando o investimento médio foi de R$ 421

Inovações rendem prêmios à Natura
Empresa reuniu numa só publicação os balanços financeiro e social, ficando em 16.o lugar em um ranking mundial do setor
Andrea Vialli
Uma das poucas empresas brasileiras que adotaram integralmente o modelo do Global Reporting Initiative (GRI) na formulação de seu relatório de sustentabilidade, a Natura deu um passo além e incorporou seu resultado financeiro à publicação. A iniciativa de lançar um só balanço rendeu à empresa o 16.o lugar no ranking da SustainAbility, organização inglesa que presta consultoria a empresas do mundo todo que querem adotar posturas socialmente responsáveis.
A avaliação, denominada de Risk & Opportunity - Best Practice in Non-financial Reporting - é realizada a cada dois anos desde 1994, e tem o objetivo de analisar a qualidade dos relatórios, sociais e financeiros, que estão sendo feitos por empresas de todo o mundo. Neste ano, foram observadas 500 publicações. Destas, são eleitos 50 balanços, que entram no ranking final. A análise e classificação é feita em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a agência de classificação de risco Standard & Poor's.
"A Natura é a única empresa brasileira a figurar entre as 50 empresas do ranking, e é também a única do setor de cosméticos no mundo todo a figurar nessa lista, que abrange empresas de segmentos e portes variados", diz Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da Natura. O ranking contemplou multinacionais como a Novo Nordisk (2.o lugar), a HP (10.o lugar), General Motors (29.o lugar) e Philips (39.o lugar). Das 50 empresas que constam na lista, 47 utilizam o modelo proposto pelo GRI.
No ano que vem, a Natura passa a incorporar em seu relatório uma ferramenta, a matriz matemática, para medir o quanto de investimentos está sendo destinado, além das obrigações legais, para cada um de seus públicos de interesse - comunidades, fornecedores, consultoras de vendas, entre outros. "A ferramenta vai aumentar a transparência com esses públicos", afirma Guttilla.
Seguir à risca os ditames do GRI rendeu para a CPFL Energia a premiação de melhor balanço social referente ao ano de 2003 publicado no País. A empresa foi a vencedora do Prêmio Balanço Social deste ano e credita o título ao fato de não esconder do mercado os riscos e impactos sociais e ambientais de sua operação.
Em fins de setembro, a empresa ingressou no Novo Mercado da Bovespa e no ADR Nível 3 da Bolsa de Nova York, os mais rigorosos em relação à governança corporativa. "Nossa postura de transparência rendeu R$ 800 milhões no dia do lançamento das ações", diz Augusto Rodriguez, diretor de relações institucionais da CPFL Energia.

Primeiros relatórios surgiram em 1997
Betinho criou diretrizes para analisar ações de responsabilidade corporativa
Os balanços sociais - ou relatórios de sustentabilidade, denominação mais comum fora do Brasil - são um fenômeno recente. A primeira iniciativa no sentido de formular diretrizes para as empresas brasileiras descreverem e quantificarem suas ações de responsabilidade corporativa veio em 1997, proposta pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), organização à época presidida pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.
Ao mesmo tempo nascia a Global Reporting Initiative (GRI), rede internacional encabeçada pelas Nações Unidas e por um grupo de ONGs com o objetivo de propor um padrão mundial para publicação desses balanços. Tendo como fonte de inspiração as diretrizes do GRI, o Instituto Ethos lançou suas diretrizes, que propõem uma abordagem mais descritiva dos indicadores, além da planilha numérica sugerida pelo Ibase.
A publicação de balanços sociais tem crescido entre as empresas brasileiras. Uma boa medida desse movimento é o Prêmio Balanço Social, que na última edição registrou a participação de 167 empresas. No ano passado, foram 152 e, em 2002, quando o evento foi lançado, 170 inscritos, incluindo ONGs. Outro indicador é o Selo Ibase, concedido às empresas que seguiram criteriosamente o modelo do instituto. Este ano já são 46 empresas contempladas. Foram 42 em 2003 e 24 no ano anterior, sem contar as empresas que utilizam o modelo Ibase mas não têm o selo, em torno de 250.
Já o Instituto Ethos não faz levantamentos sobre quantas empresas utilizam suas diretrizes. O modelo GRI é adotado na íntegra por cinco empresas - CPFL Energia, Natura, Petrobrás, Souza Cruz e Unilever -, mas há outras que usam o modelo parcialmente. Há ainda as empresas que combinam mais de um modelo para fazer seus balanços. E há também as que não utilizam modelo algum - situação em que o "relatório" se aproxima mais de um produto de marketing corporativo.
O caminho está na padronização da informação. O próprio GRI está fazendo uma revisão dos indicadores, que deverá ser apresentada em 2006. No Brasil, o Instituto Ethos integra um estudo que tem como objetivo fazer um cruzamento entre seus indicadores e os do GRI, de modo que sejam complementares.

Disparidades
4 % é o percentual de pessoas negras em cargos de chefia, segundo pesquisa do Ibase
16,4 % é o percentual de mulheres na mesma posição
13 % é a taxa de participação dos empregados na definição dos projetos sociais adotados pelas empresas. Das decisões, 76,6% são tomadas por gerentes e diretores
30 trabalhadores em cada mil sofreram acidentes de trabalho em 2002. Em 2000, o índice foi de 21 por mil

OESP, 01/12/2004, p. B18

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