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A tendência é piorar

O Globo, Desafios Brasileiros, p. 7
Autor: VIEIRA, Agostinho
05 de Nov de 2012

A tendência é piorar

AGOSTINHO VIEIRA
agostinho@oglobo.com.br
COLUNISTA DO GLOBO

Mais de 80% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no mundo são provenientes do setor de energia. Portanto, não dá para falar sobre economia de baixo carbono, economia verde, sustentabilidade ou que nome se queira dar a isso, sem discutir a matriz energética mundial. E o cenário não é nada animador. Apenas 13% da energia são gerados a partir de fontes renováveis, como a hidráulica, a eólica e a de biomassa. A polêmica energia nuclear tem 6%, e todo o resto fica com os sujos, porém eficientes, combustíveis fósseis: carvão, petróleo e gás natural.
O problema é que a divisão dessa pizza não deve mudar muito nos próximos 30 ou 40 anos. Durante algum tempo se discutiu o risco de que as reservas de petróleo e gás pudessem acabar num futuro próximo. Aos poucos, o tema desapareceu. Na verdade, nos últimos 30 anos, as reservas provadas dos dois produtos cresceram, em média, 2,5% a cada ano. Hoje, estima-se que teremos petróleo por, no mínimo, mais 50 anos. Gás natural para 60 anos e carvão para 120 anos.
Isso sem falar nas fontes não convencionais, como as areias betuminosas do Canadá, o gás de xisto dos Estados Unidos e o pré-sal do Brasil. Todos com impactos ambientais ainda não claramente detalhados. Ou seja, não será por falta de oferta ou por problemas graves de preço que os combustíveis fósseis deixarão de dominar o mercado. Além disso, os eventuais problemas geopolíticos com países do Oriente Médio ou com a própria Venezuela passam a ter uma importância relativa.
Já o Brasil ocupa uma posição privilegiada nesse contexto. Aqui, 45% da nossa matriz energética são limpos. Se falarmos apenas em geração de energia elétrica, esse índice chega perto dos 90%, com mais de 80% de hidroeletricidade. Mas isso não nos garante um futuro azul, ou verde. Muito pelo contrário. Dependemos das hidrelétricas e do álcool, e ambos enfrentam problemas tanto a curto como a médio prazo.
Mais da metade do potencial hidrelétrico que nos resta encontra-se na Amazônia, onde fica cada vez mais difícil construir qualquer coisa. As restrições ambientais, que ganharam força nos últimos 20 anos, são fundamentais para preservar a nossa biodiversidade. No entanto, por ironia, o radicalismo nessa batalha deve fazer com que a nossa matriz fique cada vez mais suja. Dados do governo indicam que, hoje, as emissões do setor de energia já são maiores que as do desmatamento. São 400 milhões de toneladas de CO2 do primeiro, contra 298 milhões de toneladas do segundo.
Sem as hidrelétricas, a tendência é que cresça o número de usinas térmicas movidas a gás natural. O potencial de crescimento das eólicas também é enorme. Em quatro ou cinco anos sairemos dos mil megawatts (MW) de potência para 7 mil MW. Mas elas não garantem a mesma segurança energética das hidrelétricas e das térmicas. Há quem aposte também no bagaço de cana, que é uma ótima alternativa, mas isso depende de mais incentivos do governo e de condições melhores de mercado.
É o que já acontece com o álcool combustível. Há algum tempo os preços deixaram de ser competitivos nos postos de gasolina. Os produtores preferem produzir açúcar, que oferece condições bem mais interessantes. O governo não quer mexer nos preços da gasolina, para não elevar a inflação. O consumidor compra carros Flex, mas abastece com a gasolina mais barata. Enquanto isso, o país emite mais CO2.
Do ponto de vista econômico, não há razão para acreditar que as emissões de gases de efeito estufa do setor de energia devam diminuir. Para que o cenário mude, é preciso que haja muita vontade política e que as apostas tecnológicas virem realidade. Ganhos de eficiência energética de 40%, desperdício 30% menor, técnicas baratas de captura e armazenamento de carbono, taxação sobre emissões de CO2 em todos os países, investimento maciço em renováveis. Tudo é possível, mas não é provável. A tendência, infelizmente, é piorar.

O Globo, 05/11/2012, Desafios Brasileiros, p. 7

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