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Tempos ruins e saídas difíceis para o setor elétrico

Valor Econômico, Opinião, p. A10
Autor: PIRES, Adriano
24 de Jul de 2014

Tempos ruins e saídas difíceis para o setor elétrico
O governo decidiu manter o sistema operando sem restrições de consumo e sem reajustar a tarifa

Por Adriano Pires

A situação atual do setor elétrico é preocupante. Por um lado, há a crise energética por conta do baixo nível dos reservatórios, com o acionamento de usinas térmicas, por outro, os impactos econômicos e financeiros resultantes dessa situação, que se somam aos prejuízos derivados da "renovação das concessões". Estima-se que em 2014 a conta do setor alcançará a casa dos R$ 60 bilhões, sem considerar a conta de 2013. E quem pagará?
Desde 2012, o setor elétrico vem experimentando elevadas quedas nos níveis dos reservatórios das hidrelétricas por conta da escassez de chuvas. Com isso, tem sido recorrente atribuir a São Pedro a responsabilidade por esta situação, mas, a rigor, o caminho crítico foi traçado pelo governo federal a partir de 11 de setembro de 2012, ao colocar em vigor a Medida Provisória (MP) 579, convertida posteriormente na Lei 12.783/2013.
Esta famosa MP, na sua elaboração, não contou com a participação dos agentes setoriais, surpreendendo praticamente a todos no momento de sua divulgação. Portanto, a MP caracterizou-se por uma medida política, eleitoreira (antecedeu às eleições municipais de 2012), onde o mote seria a redução das tarifas em 20%. O principal alvo para que o consumidor percebesse a redução tarifária foi a renovação antecipada das concessões de geração e transmissão, a partir de janeiro de 2013.
Para agravar a situação, como os reservatórios haviam atingido níveis críticos ao final de 2012, o preço "spot" permaneceu elevado ao longo de 2013, obrigando as distribuidoras a pagar pelos déficits contratuais, sem os preços refletidos nas tarifas, além dos custos relacionados ao inevitável despacho das termelétricas. Esses custos adicionais totalizaram, em 2013, cerca de R$ 10 bilhões. O governo decidiu, na ocasião, que tal ônus seria assumido pelo Tesouro Nacional - o contribuinte, que em última instância é também consumidor - para que não contaminassem a trajetória de redução tarifária anunciada.
O pressuposto era de que em 2014 a situação de escassez de chuvas estivesse superada e, com isto, os reservatórios retornariam aos níveis satisfatórios. Dessa forma, esperava-se um ano de normalidade, frente à agenda de grandes eventos, a começar pela Copa do Mundo, seguida pelas eleições presidenciais.
Pois bem, nada do previsto aconteceu. O ano de 2014 iniciou com vazões extremamente baixas, situação que permaneceu até o final de março. Com isso, o preço "spot" atingiu seu valor máximo histórico de R$ 822,83/MWh e, mesmo com o acionamento contínuo das termelétricas, os reservatórios chegaram a níveis similares aos observados em 2001, ano do racionamento.
Encerramos o período úmido em situação bastante preocupante em termos energéticos: 1- nível médio de 40% nos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste, superior apenas ao verificado em 2001; 2- as termelétricas operando em tempo integral, com programas de manutenção revisados, podendo parar somente em situações críticas; 3- o Operador Nacional do Sistema (ONS), atuando diariamente na operação das hidrelétricas; 4- reservatórios nas cabeceiras dos rios com a missão de acumular o máximo de água.
Especialistas têm manifestado preocupações pela forma com que o governo vem monitorando a situação e muitos afirmam que já deveríamos estar num ambiente de restrições de consumo. O governo, por sua vez, decidiu manter o sistema operando sem restrições de consumo e sem que a tarifa reflita os custos adicionais (sinal econômico na contramão para o estímulo de redução de consumo).
Em um primeiro momento, o Tesouro Nacional, de forma similar ao ocorrido em 2013, aportou cerca de R$ 1,2 bilhão. Em seguida, buscou-se a alternativa, não ortodoxa, de convocar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), entidade sem fins lucrativos, sem ativos, apenas uma câmara para a liquidação das operações financeiras de compra e venda de energia do setor, a fazer uma operação inédita de mercado, envolvendo um consórcio de 10 bancos, no valor de R$ 11,2 bilhões.
O total disponibilizado às distribuidoras permitiu a quitação parcial desses custos até o mês de abril, ficando ainda um saldo remanescente a liquidar da ordem de R$ 450 milhões. Esse montante, somado à previsão de custos de maio a dezembro, alcançará R$ 13,5 bilhões, que ainda não possui sequer um indicativo de equacionamento.
O fato é que, não surgindo alternativa de lastros às distribuidoras, vislumbra-se um quadro dramático até o final do ano, por conta do desequilíbrio econômico e financeiro dessas empresas, com risco de se estabelecer um quadro de inadimplência generalizada. Desestabilizar econômica e financeiramente as distribuidoras significa quebrar o elo setorial, pois a geração de caixa do setor inicia-se nas distribuidoras, onde suas tarifas contemplam as parcelas referentes à transmissão e geração de energia elétrica.
Na verdade, a conta de 2014 é bem maior, estimada em R$ 60 bilhões! Além dos R$ 30 bilhões da distribuição, estima-se um déficit de R$ 20 bilhões para os geradores hidrelétricos, associado ao risco hidrológico, e de R$ 10 bilhões para os transmissores, associados às indenizações pendentes de pagamento.
Recentemente, o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) saiu de R$ 822/MWh para níveis em torno de R$ 400/MWh. Caso seja mantida esta tendência de queda no preço do mercado de curto prazo, as estimativas para o período de maio a dezembro de 2014 deverão ser revisitadas.
De todo o modo, fica aqui a provocação para algumas reflexões: 1- para onde estamos endereçando o setor elétrico, segmento de infraestrutura da maior importância para o desenvolvimento do país? 2- Como repassar esta conta ao consumidor, via tarifa? 3 - Devemos insistir com a MP 579, convertida na Lei 12.783/2013, apesar de comprovadamente ser a maior responsável por toda esta crise? 4- Acreditamos, mesmo, que o novo caminho traçado por esses instrumentos legais assegurará a modicidade tarifária, ao mesmo tempo em que viabilizará os recursos necessários para a expansão do setor?

Adriano Pires é economista e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura

Valor Econômico, 24/07/2014, Opinião, p. A10

http://www.valor.com.br/opiniao/3624434/tempos-ruins-e-saidas-dificeis-…

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