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Tem jeito

O ECO
Autor: Andreia Fanzeres
31 de Jul de 2005

Os freqüentadores da praia de Itacoatiara sabem que num belo dia de sol o programa só é completo depois de uma passadinha no costão. Com 217 metros de altura, a pedra batizada com o nome desse bairro da região oceânica de Niterói (RJ) oferece um dos mais bonitos visuais da cidade. Basta percorrer dez minutos de trilha na mata, encontrar a pedra e começar a escalaminhar até lá em cima. A subida dá uma leve sensação de exposição, mas a rocha é aderente e bastante segura. Ao superar o início, mais íngreme, o percurso até o cume é tranqüilo e inesquecível. E é assim, de forma despretensiosa e gratuita, que a maioria das pessoas passa a conhecer o Parque Estadual da Serra da Tiririca.

Aqueles que preferem um pouco mais de aventura entram no parque pela mesma trilha que leva ao costão, mas num entroncamento têm a opção de ir ao Bananal uma enseada cheia de blocos de pedra salpicados com grampos de escalada que, de vez em quando, recebe a visita de tartarugas marinhas ou então ao Alto Mourão. Chegar ao topo da montanha, com seus 412 metros, maior portanto que o Pão de Açúcar, compensa: de lá avistam-se as lagoas de Itaipu e Piratininga, todas as praias da região oceânica de Niterói, a baía de Guanabara, a estátua do Cristo Redentor, a Pedra da Gávea, as montanhas do Parque Nacional da Tijuca, no Rio, e as do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, na região serrana. E isto só de um lado da pedra. O outro permite ver as lagoas de Maricá e o início da longa faixa de restinga que sobe pela região litorânea até Arraial do Cabo.

A esplendorosa vista é o menor dos atributos que motivaram a criação do parque, em 1991. Essa parte mais acessível ao público, colada à praia, não é nada se comparada ao resto da Serra da Tiririca. O parque tem cerca de 2.400 hectares e praticamente nenhuma área plana. Cobre por completo os oito morros da serra e um importante fragmento de mata atlântica encravado nos limites das cidades de Niterói e Maricá. Na área já foram registradas preguiças, tamanduás, micos, cutias, caxinguelês, pacas e outros mamíferos de pequeno porte, além de centenas de bromélias, orquídeas raras e as tiriricas, plantas daninhas que deram nome ao parque. Seus morros abrigam mais de dez nascentes de rios, incluindo alguns que deságuam na baía de Guanabara. Não foi à toa que um ano depois de sua criação a Unesco reconheceu a serra como Reserva da Biosfera da Floresta Atlântica.

Mesmo com tantas razões para cuidar bem desse patrimônio, por muitos anos uma placa velha e retorcida era tudo que informava ao caminhante de Itacoatiara que ele estava entrando numa unidade de conservação de proteção integral.

No resto do parque, cercado por novos bairros de Niterói e Maricá, o abandono é ainda mais flagrante. A poucos metros mata adentro, é fácil encontrar objetos de rituais religiosos, lixo e vestígios de fogueiras. Talvez pela exaustão dos recursos, não há muitos relatos da ação de caçadores e palmiteiros na região. Na verdade, o que mais incomoda hoje no parque, aos 14 anos de vida, é a força da especulação imobiliária. A mesma que já loteou o espelho dágua da lagoa de Piratininga, esperando que ela seque logo para continuar avançando, a poucos quilômetros dali.

Centenas de ruas e vários condomínios estão localizados dentro do parque, um problema que nasceu junto com a criação da unidade, quando as demarcações levaram em conta a altitude do terreno, não seu estado de ocupação. Isto fez com que algumas áreas já urbanizadas e sem qualquer relevância ecológica fossem integradas ao parque, e automaticamente tornadas irregulares.

Mas há também construções recentes no parque e em seu entorno, considerado zona de amortecimento, sujeita a restrições de ocupação. Normalmente ignoradas, essas irregularidades só vêm à tona quando os órgãos públicos decidem surpreender em operações de fiscalização, como a realizada no dia 28 de julho pelo Instituto Estadual de Florestas.

Para redimensionar a área da serra com limites definitivos, uma comissão formada por ongs, associações de moradores e representantes do poder público elaborou, votou e aprovado um estudo em 2001. Mas para sair do papel ele depende de uma mísera assinatura da governadora do estado. E tem prazo de validade: termina em agosto.

Enquanto a nova demarcação não vem, alguns voluntários tentam ajudar a mapear as atuais condições do parque. Um deles é o estudante de geologia Marcelo Ambrósio, que está elaborando um diagnóstico das principais trilhas da serra. De tanto andar por aquelas matas, ele sabe exatamente onde está cada árvore e cada pedra e lamenta constatar que uma das mais desafiadoras trilhas, a que sai de Itacoatiara e leva ao Alto Mourão, precisa ser interditada com urgência. O nível de degradação já é enorme. Ela está se alargando devido ao aumento de visitantes, comenta. São dois mil trilheiros todo mês. Marcelo explica que como a trilha segue pela área de drenagem da montanha, por onde escoa toda a água da chuva, o pisoteio causa a remoção da vegetação que dá sustentação ao solo. Sem ela, a erosão ocorre fácil. Se nada for feito para reverter a situação, a trilha não se recuperará e deixará de existir, restando apenas a rocha exposta, alerta.

Mas Marcelo também vê melhorias sutis em suas andanças. Desde que o novo administrador assumiu, no início de 2004, o parque dá sinais de que há, de fato, uma equipe tomando conta da Serra da Tiririca. O engenheiro florestal Nestor Prado Junior recorre à criatividade para fazer render o orçamento pífio destinado pelo estado às suas unidades de conservação. No começo, tive que inovar as coisas com custo quase zero. Cheguei aqui sem carro, sem sede, sem telefone e com funcionários desmotivados depois de ficarem oito meses sem administrador, relata. O parque estava à deriva desde que o geógrafo Alex Figueiredo pediu demissão, em agosto de 2003, depois de constantes embates com invasores e até ameaças de morte. Eram muitas questões e o estado não dava segurança suficiente para podermos fazer o nosso trabalho, explica-se Alex.

Nestor sabe que é preciso cautela para lidar com moradores e sitiantes quando o assunto é a demarcação da Tiririca, por isso procura adotar uma postura conciliadora. Tem o cuidado de não chamar ninguém de invasor e promove conversas recorrentes, em que ouve todos os lados interessados. O estilo diplomático conquistou também a simpatia da presidência do IEF, órgão responsável pelos parques estaduais, que ampliou o repasse de verbas e aumentou sua equipe de quatro para nove funcionários. A nova administração criou um Núcleo de Prevenção de Incêndios Florestais (Nupif), com sede própria e novos equipamentos de combate ao fogo e placas informativas. Um guardião florestal faz o cadastro diário de visitantes no início das trilhas de Itacoatiara. Dois automóveis e um computador foram comprados e atividades de educação ambiental com crianças de escolas públicas, fiscalização e emissão de laudos técnicos sobre construções no entorno do parque acontecem toda semana.

Nestor demonstra orgulho pelos resultados obtidos e fala entusiasmado sobre o que ainda está por vir. Conseguimos resgatar a identidade social da serra. O que falta agora é a identidade enquanto parque estadual. E isso só teremos depois de implantado o plano de manejo e estabelecidos os limites definitivos, diz. Hoje as pessoas sabem que estamos aqui fazendo alguma coisa pelo parque. A Companhia de Limpeza Urbana de Niterói (Clin) nos ajuda com a manutenção do mirante de Itaipuaçu, mesmo ali sendo município de Maricá. E graças ao trabalho de conscientização, com apenas duas lixeiras já não temos muitos problemas com o lixo na área mais visitada.

O administrador já começou a contagem regressiva para que o parque ganhe finalmente uma sede, no bairro de Itaipuaçu, em Maricá, deixando para trás a salinha alugada na Associação Fluminense de Engenheiros e Arquitetos, em Niterói. Já está quase tudo pronto. Quando nos mudarmos para lá, vamos erguer uma sub-sede em Itacoatiara, avisa. Ele pretende também intensificar o reflorestamento de espécies nativas no parque, interditar e recuperar a trilha para o Alto Mourão e retirar o capim colonião que nasce na enseada do Bananal.

Apesar do muito serviço por fazer, já dá para entender o recado de Antônio Luís Lopes Vieira, do setor administrativo. Do alto das cinco gestões que já presenciou, ele sentencia: Hoje nós temos parque.

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