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Sydney Possuelo-Entrevista

O Paraense-Belém-PA
Autor: Ronaldo Brasiliense
18 de Fev de 2002

Sydney Possuelo é o mais conhecido sertanista brasileiro em atividade. Suas expedições pela Amazônia - e o contato com grupos indígenas arredios - o transformaram numa personalidade internacional, citado em publicações da Europa e Estados Unidos como um dos homens de maior destaque do planeta no trato das questões indígenas. Aos 61 anos - completa 62 dia 19 de abril, por coincidência o Dia do Índio - Possuelo carrega na bagagem mais de 40 anos dedicados à causa indígena, 37 malárias, três casamentos, seis filhos, incontáveis ameaças de morte e a coragem de ter se posicionado contra a filosofia do maior herói do indigenismo nacional, o general Cândido Mariano Rondon, que considerava ser a miscigenação com o branco a única forma de se preservar as etnias indígenas. "O índio não precisa ser contatado, precisa é ser protegido", afirma Sydney Possuelo. "O índio tem o direito de ser diferente", completa. Chefe da Coordenadoria de Índios Isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai), o mineiro Possuelo defende, nessa entrevista exclusiva a O Paraense, a demarcação de todas as terras indígenas e conta os detalhes de suas mais polêmicas expedições.

Ronaldo Brasiliense

O PARAENSE - Como é ser sertanista num país como o Brasil, onde há um grande preconceito contra índio?

SYDNEY POSSUELO - Eu tenho dito que o sertanista hoje desaparece junto com os índios e a floresta. Os três estão quase no seu final. Esperamos que não. Esperamos que essas sejam apenas palavras. Mas na verdade é muito triste, porque você pega a figura do sertanista, que foi muito importante no passado, no sentido histórico, nosso, no alargamento e consolidação das nossas fronteiras, e isso foi fantástico, muito importante. O Brasil tem esse tamanho em grande parte - e isso eu não tenho medo de dizer - por causa do trabalho dos sertanistas, que conquistaram o interior do Brasil. Mas hoje a figura do sertanista está ligada fundamentalmente ao índio. E, nisso, nossos antepassados foram péssimos. Eles foram verdadeiros destruidores de povos indígenas junto com a Igreja Católica. De forma que no sentido histórico do nosso país o sertanista foi muito importante, mas no sentido indígena, no início, foi de péssima memória, um verdadeiro flagelo sobre os índios.

O PARAENSE - Mas a figura do sertanista não mudou com o passar dos tempos?

POSSUELO - Muda a partir do final do século XIX, com Rondon (General Cândido Rondon), transforma o sertanista de predador de índios em, vamos dizer assim, amigo dos povos indígenas, defensor da causa indígena, que é o que nós acreditamos que somos, eu acredito que sou, e me dedico a fazer exatamente isso hoje. Mas a gente compara essas coisas todas com o passado, o sertanismo e hoje com o do passado - e evidentemente o país já não é o mesmo no sentido da própria floresta, do próprio sertão, de onde a palavra sertanista nasce... Hoje eu diria que há um certo desencanto, mas ainda há esperanças...

fotos: Ronaldo Brasiliense

" Rondon achava que o índio, como etnia, não sobreviveria ao avanço da civilização "
O PARAENSE - Como começou seu envolvimento com os índios?

POSSUELO - Comecei muito jovem com os irmãos Villas-Boas - Orlando e Cláudio. Eu ia fazer 18 anos e eles eram os meus heróis. Eles me levaram numa expedição ao Xingu. Naquela época havia o Correio Aéreo Nacional e se demorava dois dias para chegar ao Xingu, isso por volta de 1960 e ainda não havia sido criado o Parque Indígena do Xingu, que foi criado em 1961 por Jânio Quadros.

O PARAENSE - Vocês estavam procurando algum grupo indígena isolado, à época?

POSSUELO - Não, não. Na verdade o que me levou a acompanhar os Villas-Boas, que eram os grande nomes do sertanismo brasileiro, foi a aventura. Eu fui em busca de aventuras, como todo rapaz. Eu não fui em função do indigenismo.

O PARAENSE - E desde quando você é funcionário público em defesa dos índios?

POSSUELO - Em 1976, quando se extingiu o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e se criou a Funai, eu continuava trabalhando com o Orlando Villas-Boas. Ele de vez em quando dava um dinheirinho para mim, quando sobrava. O Orlando não era do SPI, o parque (do Xingu) não era do SPI, a Funai não tinha sido criada. Ele era da Fundação Brasil Central, o parque também era. Em 1971 o próprio Orlando me obriga a fazer um curso de capa-citação.

O PARAENSE - Quando você viu índio pela primeira vez?

POSSUELO - Foi no posto Capitão Vasconcelos, no Xingu, onde estavam os Villas-Boas. E foi algo tragicômico, uma coisa assim, porque o avião ao pousar saiu do eixo da pista e levantou a cauda e enfiou o nariz num monte de lama, a carga caiu e veio para cima de mim e tiveram que puxar o avião e um cabo de aço prendeu no dedo de um sargento que perdeu o dedo na minha frente e o dedo pulou no meu peito e me encheu de sangue, chovia toda vida. E eu sai correndo para chamar enfermeiro e havia uma ala de índios - de um lado e de outro - e eu tropecei e enfiei a cara no barro e foi uma risada só. Uma centena de índios me olhando e todos eles dando risada e eu muito brabo: toda essa tragédia e esses caras rindo, pensei.

O PARAENSE - E quando foi que você viu índio isolado
pela primeira vez?

POSSUELO - Foi no final de 1971, início de 1972. Eu estava no Vale do Guaporé fazendo uma expedição acima do forte Príncipe da Beira e entrei num rio chamado Branco para retirar alguns índios que estariam escravizados em seringais e nessa oportunidade -, além de retirar esses índios, eu trouxe no barco uns 40 índios, tive problemas para passar na sede do seringal, nos ameaçaram de morte - eu vi vestígios de índios isolados. Vimos a presença deles em volta através de sons, armadilhas. Depois disso eu fui auxiliar o Francisco Meireles, fui passar um tempo lá dentro de Aripuanã onde ele estava fazendo os primeiros contatos com os surui cinta-larga. E ai então eu vejo aquelas levas de surui cinta-larga, lindíssimos, emplumados.

O PARAENSE - Você chefia o Departamento de Índios Isolados da Funai há muitos anos... Ainda existe grupo indígena isolado na Amazônia?

POSSUELO - Existe, sim. Eu trabalhei anos para a criação desse departamento. Nós sempre pensamos em mudar a mentalidade. Rondon, de grande memória para nós - nosso grande guru - temos grande respeito por Rondon, cultuamos a sua memória, mas Rondon, quando mais velho, mais experiente, se arrepende de muitas coisas que tinha feito. O que é bom pois mostra que é um homem que se renovava. Rondon era positivista e achava que o índio, como etnia própria, não iria sobreviver ao avanço da civilização. Achava que no encontro do índio com o branco nasceria uma terceira coisa, que são os caboclos, que seriam bem mais adaptáveis às lides do sertão. Anos mais tarde ele (Rondon) mesmo se recicla e vê que isso não estava bem colocado. Mas, no início, ele achava que o que se podia fazer era aquilo. Enfim, nós recebemos no SPI, após a morte de Rondon, essa postura de fazer contato com o índio. Essa postura eu começo a combater na medida em que, nas décadas de 70 e 80 eu sou muito utilizado pelo próprio governo para fazer contato em vários pontos onde passava a Transamazônica, essas grandes rodovias federais.

O PARAENSE - Houve uma série de contatos com grupos arredios nessa época?

POSSUELO - Na Transamazônica fizemos contato com três grupos Araras - são três momentos diferentes de trabalho. Depois vieram os Parakanãs. No Maranhão veio o contato com os Guajás; no Vale do Javari, com outro grupo, que nós chamamos Mayá. Enfim, tem uns sete grupos, uns oito, não sei ao certo. Essa concepção de ver o índio isolado como aquele que tem que ser contatado era a concepção do SPI. Essa concepção é que eu trabalho para mudar: índio isolado é aquele que tem de ser protegido no seu direito principal: ser quem ele é.

O PARAENSE - Como se proteger um índio isolado se na Amazônia os garimpeiros e madeireiros sempre chegam na frente do poder público?

POSSUELO - Chegavam. Não é verdade que sempre chegam na frente. Quantas frentes da Funai não chegaram muito antes deles... Vamos pegar o caso de Roraima: quando foi estabelecida a terra indígena, ainda que não do jeito que nós queríamos - eram pequenas ilhas - e depois disso é que chegam os garimpeiros, depois é que se descobre o ouro. Garimpeiro nunca chegou na frente...

O PARAENSE - Um dos grandes feitos de sua gestão na presidência da Funai foi justamente a demarcação da reserva indígena yanomami, com 9,4 milhões de hectares. Como se deu a demarcação?

POSSUELO - Rapaz, a coisa foi bastante difícil. Houve momentos muito tensos, muita pressão, porque se tentava demarcar pela primeira vez uma grande de terra em região de fronteira, onde o pensamento militar se opunha por acreditar que haveria implicações outras, poderia se transformar em territórios de outros...

O PARAENSE - Nação independente....

POSSUELO - Isso! Então, tentar esclarecer essas coisas todas foi muito difícil. E quem auxilia muito e dá muita força é o próprio presidente Collor. Depois, o próprio ministro Jarbas Passarinho... No início nós tivemos desentendimentos... Mas depois que ele pode me conhecer e eu conhecê-lo vi que se tratava de um homem muito correto, muito decente e ai trabalhamos juntos. O interessante deste primeiro ano e eu tenho os dados: nós duplicamos as terras indígenas demarcadas no Brasil em um ano de Collor. Estava tudo muito parado. Quando entramos aqui (na Funai) nós chamamos as academias, antropólogos ligados não somente à Funai, mas a outras entidades acadêmicas, que vieram nos auxiliar. Fizemos grandes contratações. De forma que quando saiam aqueles atos assinados pelo presidente Collor... Eram 30, 40, 70 assinaturas de novas terras demarcadas e reconhecidas. Pouca gente sabe disso: de 1910 até 1991 nós duplicamos as terras indígenas demarcadas, em superfície...

fotos: Ronaldo Brasiliense

"Índio isolado é aquele que tem de ser protegido no seu direito principal: ser o que ele é "
O PARAENSE - Os conservadores no Brasil dizem que o índio tem muita terra. Você concorda?

POSSUELO - Esse raciocínio é que deve ter exterminado os índios.. Você já imaginou? O cara descobre a América e só o Brasil teria cinco milhões de índios. Na América do Sul, pelo menos 10 milhões. Foi com esse raciocínio que os que aqui chegaram começaram a matança, matança mesmo. Esse raciocínio, em alguns casos, persiste até os dias de hoje. É muita terra para pouco índio... E esse pouco incomoda muito. É um raciocínio retrógrado, absolutamente incompatível com uma mentalidade humanista... Falta fraternidade...

O PARAENSE - Índio preserva a floresta?

POSSUELO - Quando se descobriu as Américas o que se encontrou aqui? Só floresta! O índio só passou a ter um comportamento predador em função do homem branco. O índio passou a ter dificuldade de sobreviver com a chegada do branco, com uma sociedade lhe que é hostil e dentro de uma economia completamente diferenciada. Se já é difícil segmentos da sociedade sobreviver dentro da nossa sociedade, você imagina a situação dos povos indígenas... São culturas diferenciadas, línguas diferenciadas, outra visão de valores. Então, como sobreviver nesse caos, nosso? Nós não sabemos nem aonde vamos amanhã.

O PARAENSE - Esse tipo de relação é que leva os índios caiapós, por exemplo, a negociarem mogno, hoje, com madeireiras?

POSSUELO - Não tenho a menor dúvida de que, ainda que vendendo mogno, ainda que chamando garimpeiros, os caiapós são vítimas de um processo maldoso de nossa sociedade. Porque? Porque antes eles não eram nada disso. O que eles faziam com ouro? Alguns usavam pedrinhas amarelinhas porque achavam bonitinhas, enfiavam no rosto, faziam adorno. Mas não tinha para eles valor econômico nenhum. Começa logo com o pau brasil. Com a chegada do europeu começaram a cortar o pau brasil, arrasam. Uma árvore em processo de extinção por causa disso. Os índios estão aqui há milhares de anos e nunca fizeram isso. Eles foram incentivados pelos brancos, assim como os caiapós foram incentivados pelas próprias circunstâncias que este mundo dos brancos os submeteu, levando eles a isso. O índio está ali, com sua área preservada, cheinha de florestas, os rios limpos. Ele olha em torno dele, nos limites dele e é só campo com boi - para um lado e para o outro. E o pessoal se dá bem. Os grandes fazendeiros se dão bem: vivem bem, viajam, compram avião, fazem isso e fazem aquilo. O índio mal recebe a vacinação. Das duas, uma: ou você faz contato com os povos indígenas e lhes oferece o que há de bom na nossa sociedade e o Estado lhes auxilia ou você faz o que a gente está tentando fazer: deixa o índio quieto, assim eles são felizes lá.

O PARAENSE - Você já correu risco de vida em suas expedições na Amazônia?

POSSUELO - Existem várias situações que você passa por isso. Algumas você passa de plena consciência, outras você nem sabe que está correndo risco. Certa vez, no parque indígena do Xingu, duas vezes eu estive em situação de luta com um pequeno povoado que se estabeleceu - chamava-se Piaruçu - na confluência da BR-080 com o rio Xingu. E por vários motivos havia desentendimento entre o núcleo de brancos e nós que estávamos ali com a aldeia do Raoni. Raoni com seu grupo todo ficou para fora do parque. O go-verno cortou aquele pedaço do parque. Nesse momento eu estava junto com ele, vivendo o problema de estabelecerem uma nova aldeia, de fazer novas roças... Havia muitos problemas: prostituição, álcool. Isso criou desentendimentos. De forma que uma vez nós chegamos lá e eu fui preso no núcleo dos brancos. Um cara chegou com um revólver, me bateu na cara, quebrando vários dentes e eu me recordo bem da situação, tenho isso vivo na memória... Parece tudo em câmara lenta, hoje. Eu pensei comigo: vou morrer! Vão me matar! Eu passei preso a noite inteira com eles. No dia seguinte os índios cercaram e deram um ultimato: ou solta eles ou a gente arrasa isso ai. Eles eram uns quarenta... Os índios eram uns 200. Outro caso eu vim saber muito depois. Quando os Araras estavam em ataque sobre nós na Transamazônica - e eu vim saber disso anos depois por uma índia arara, a Coré-Coré. Ela me disse: - você quase morreu naquele dia do ataque. Contou que quando eu fui abrir uma porteira os índios estavam a dois metros atrás de mim, com arco e flecha bem nas minhas costas. Eram dois índios. Um deles segurou a flecha que ia ser atirada nas minhas costas. É um outro momento. Nesse dia, dois companheiros foram flechados.

O PARAENSE - Você também chegou a ser seqüestrado...

POSSUELO - Eu fiquei sequestrado vinte e poucos dias no Xingu. Virou um movimento político para derrubar o presidente (da Funai), muita gente pensa até hoje que eu participei disso, querendo derrubar o presidente, o que não é verdade. Eu fui realmente uma vítima porque havia brancos por detrás manipulando os índios. Mas recentemente faleceu o Sobral, velho companheiro meu, morto no Vale do Javari pelos corubos. Sem dúvida nenhuma o perigo é inerente a esse tipo de situação. Nós levamos um médico lá nos corubos para tirar chumbo do corpo deles, que estava lá há anos, doia. Confrontos acontecem até hoje com equipes de madeireiros, de garimpeiros.

O PARAENSE - Malárias você já perdeu a conta?

POSSUELO - Não, eu conto todas elas. São 37 malárias até hoje. Mas faz pelo menos 10 anos que eu não tenho nenhuma malária. Já tive de todos os tipos. Meu filho, agora, está no meio da selva e falando comigo por rádio comunicou que pegou a primeira malária dele...

O PARAENSE - O Mapa da Fome entre os povos indígenas, feito por ONGs indigenistas, mostrou que há mais fome entre os índios do Nordeste, Sul e Centro-Oeste... Não havia tanta fome entre os índios da Amazônia...

POSSUELO - Claro. Na medida em que você continue vivendo no seu território tradicional, não poluído, não degradado, você tem uma situação melhor. Você quer ver um exemplo? O Vale do Javari! Em 1996 fizemos o primeiro contato e fechamos o Vale do Javari para pesca, caça e madeira. Houve lutas, tentativas de invasão homéricas lá dentro, com 300 homens financiados pelos prefeitos da região, pelos madeireiros, pelo políticos, deputados, senadores, que dão apoio político aos invasores. Tentaram jogar coquetel Molotov em nosso acampamento. Se não tivéssemos contado com a sorte de estar lá Mauro Spósito, da Polícia Federal, sozinho. Ele e eu enfrentamos 300 homens armados. Particularmente eu tenho o dever de reconhecer o trabalho da Polícia Federal e principalmente na figura do Mauro Spósito, que em várias ocasiões veio em nosso auxílio. Senão, não estaríamos aqui agora para contar a história.

O PARAENSE - A presença de missões religiosas, católicas e protestantes, nas áreas indígenas não acaba sendo danosa para os índios?

POSSUELO - Olha, eu particularmente tenho a filosofia que não deve haver missionário no meio dos povos indígenas, não importa qual é a igreja. Sobre esse aspecto teve um caso clássico, vivido comigo, em que a Missão Novas Tribos entra e faz contato com os índios Zoé, um grupo que conhecíamos, sabíamos que estava lá, não tínhamos tido contato porque não havia necessidade. Os missionários norte-americanos entraram lá sem autorização de quem quer que seja. Fizerem uma expedição saindo de Santarém. Eles deram sorte de os índios no Cuminapanema serem amáveis, um povo belíssimo, bonito, pacífico. Eu queria ver eles fazerem isso no waimiri-atroari, onde morreram dezenas de pessoas. Morreram muitos índios... Mas índio também matou. Já o povo Zoé é tranquilo. Os missionários começaram a estabelecer normas de comportamento: não é bom mulher ter dois homens... A tradição da tribo é violentada quando os missionários entram na região. Não é correto que se faça isso com povos isolados. A motivação básica do missionário é "levar a palavra do Senhor" a todos os povos do mundo. O proselitismo religioso é o que os leva lá.

O PARAENSE - Todos estão contra o índio?

fotos: Ronaldo Brasiliense

"Há uma indiferença nacional de todos os governos na questão dos povos indígenas "
POSSUELO - Tudo é contra o índio. O caboclo regional por causa da disputa pela terra; o que está numa escala melhor também é contra porque necessita das terras indígenas para a pesca, caça, madeira...Os políticos, porque precisam do voto desse pessoal, não querem nem saber se o processo é justo ou injusto. Soma-se a isso o estigma dos índios. Há uma indiferença nacional de todos os governos - dos municípios, dos Estados, da União - na questão dos povos indígenas.

O PARAENSE - O que fazer?

POSSUELO - Nosso Departamento de Índios Isolados tem uma preocupação maior que é a questão dos direitos humanos. Acho que o nosso trabalho está vinculado a isso e esses direitos humanos estão claramente estabelecidos na questão da terra, na preservação desses espaços para eles caçarem, pescarem, se reproduzirem e no direito deles serem eles mesmo, sem se submeter a toda a sociedade nacional, a um complexo de leis que eles nem auxiliaram a criar. Mas eles estão submissos a isso, a esses processos legais que não acabam nunca.

O PARAENSE - O caso do índio pataxó morto queimado em Brasília é uma exceção?

POSSUELO - É uma exceção. Você vê os pais e amigos daqueles meninos que tocaram fogo no índio pataxó dizendo barbaridades: - Coitadinhos, eles não sabiam que era índio, pensavam que era um mendigo. Quer dizer que se fosse mendigo podia queimar e fazer churrasquinho? É essa a mentalidade com a qual criamos nossos filhos? É essa a sociedade solidária? É isso que um pai permite que o filho diga dentro da casa dele? Brincar de queimar, de fazer o mal? Eu fico pensando que nunca tinha que ter contatado índio, que vive fora disso, fora dessa nossa sociedade, que tem as suas conquistas, mas nem sempre é a coisa certa. Acho que o grande respeito humano começa quando você admite que outro pode ser diferente de você. O índio tem o direito de ser diferente de você, direito de ser o que ele é.

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