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Sustentabilidade será a próxima vanguarda da cozinha, defende chef

FSP, Comida, p. 4
25 de Jul de 2018

Sustentabilidade será a próxima vanguarda da cozinha, defende chef
Cesar Costa comanda o Corrutela, casa em SP certificada pela gestão pessoal e ambiental

Luiza Fecarotta
SÃO PAULO

Sustentabilidade, para o cozinheiro Cesar Costa, 27, é a próxima vanguarda da gastronomia. "Passamos pela cozinha espanhola, pela nova cozinha nórdica, e o que vem agora?"

Ele parece, pois, estar à frente de seu tempo quando se observa com minúcia a operação do Corrutela, aberto recentemente na Vila Madalena. É o primeiro restaurante da América Latina a receber cotação máxima da Sustainable Restaurants Association, uma ONG inglesa que aborda os problemas complexos do sistema alimentar, orienta e certifica casas pelo mundo.

Parte-se de diretrizes que visam o abastecimento (como a ênfase no sazonal e no local), a sociedade (como estabelecer relações justas e respeitosas de trabalho) e o meio ambiente (ações como gerar menos lixo).

É um trabalho discreto, de bastidores -que pode ou não refletir no prato servido à mesa. "Termos as três estrelas da SRA não significa que nossa comida é um nível três estrelas 'Michelin'. Significa que, em relação à gestão de resíduo, de eficiência energética [na casa, a energia solar reduz em torno de 20% o consumo de energia elétrica], de tratamento de funcionário, a gente está num patamar superalto."

No Corrutela, nota-se que a rede de fornecedores que o chef garimpou rodando com o próprio carro, como que em busca de um Brasil pré-industrial, traz frescor e intensidade de sabor às suas receitas, nas quais vegetais orgânicos surgem em evidência.

Também há reflexo no preço. Um menu de altíssimo nível, com entrada, prato e sobremesa, sai por R$ 95. São iniciativas como a logística de compra de ingredientes, que lhe exige certa compreensão dos ciclos da natureza, que colaboram.

"Eu sei que o trigo e o milho têm uma safra ao ano, então posso comprar em grandes quantidades e armazenar", diz Cesar Costa.

Pois bem, o chef compra lotes de 300 quilos de cada grão e a maneira pela qual são manipulados internamente também segue uma lógica que poupa investimento e reduz o impacto do lixo no restaurante.

Pois bem, o chef compra lotes de 300 quilos de cada grão e a maneira pela qual são manipulados internamente também segue uma lógica que poupa investimento e diminui o impacto do lixo no restaurante. São processados em um moinho de pedra na casa. Do trigo faz-se, por exemplo, um pão de fermentação lenta, que gerou frisson desde a abertura da casa -e paga-se menos no grão do que em uma farinha.

O milho transforma-se em uma polenta que realça o sabor do grão, ao qual é acrescido somente água --fica cremosa e amanteigada ainda que não leve um pingo de manteiga.

O cacau, que Costa recebe seco e fermentado, é torrado no Corrutela e transformado em chocolate.

De industrializado, o que compra? "Honestamente?", e faz uma pausa. "Anchova."

De industrializado, o que você compra? "Honestamente?", e faz uma pausa. "Anchova." Com o leite recebido da fazenda Atalaia, em Amparo, em leiteiras de 30 quilos --de novo há uma contenção no uso de embalagem - , produz-se a coalhada, o iogurte, o sorvete.

Cesar Costa é um cozinheiro com certas excentricidades. Volta-se para a qualidade da sua comida com a mesma dedicação que empenha-se em tratar do lixo gerado em seu Corrutela. Experienciou, aliás, a rotina do Chez Panisse, em Berkley, na Califórnia, no qual Alice Waters, a musa do movimento Slow Food, aboliu a palavra lixo.

Costa não tem televisão e coleciona livros antigos de décadas remotas. Trabalhou ao lado de um dos grandes pesquisadores de plantas não cultivadas pelo homem, o inglês Miles Irving.Foi sob sua tutela em uma cidade medieval na Inglaterra que o jovem chef passava o dia a coletar itens que distribuía a mais de 70 restaurantes. Entrava na água do rio para pegar folhas de agrião selvagem; esperava a maré baixar para coletar algas marinhas; na floresta, colhia cogumelos.

O ato de catar coisas lhe mostrou, mais profundamente, o valor da comida, assim como plantar, colher e manejar o lixo. Foi tonificando, portanto, seu respeito pelos produtos --a coluna vertebral de sua cozinha, que parte de elementos reconhecíveis, do repertório comum do brasileiro, para alcançar resultados surpreendentes."Todo profissional de cozinha tem que usar o máximo de um ingrediente. Não só para não gerar lixo, mas por respeito ao produto e ao produtor", diz Eduardo Amorim, 27.

Ele é o braço direito de Cesar na cozinha e mantém um controle planilhado de todos os resíduos gerados no restaurante --quanto vai para a composteira, instalada logo na entrada do Corrutela a comportar até 30 quilos de lixo orgânico por dia, e quanto é rejeito destinado ao aterro sanitário (lixo de banheiro, perfex etc.). Há registro que num mesmo dia em que foram gerados 28 quilos de lixo orgânico, foram para o aterro 5 quilos de rejeito.

Ao pinçar algum elemento do cardápio, o cliente não sabe que os vegetais (dos quais se aproveita a maior parte ou a totalidade) foram entregues em caixas que vão e vêm do produtor. E o mesmo sistema é adotado para receber os peixes e frutos do mar, mergulhados em gelo, em caixas retornáveis.

Também não se sabe, explicitamente, que a carne é usada em pouquíssima quantidade porque chega embalada a vácuo, em plástico. De dez itens do cardápio, renovados com frequência com base nos ingredientes sazonais, apenas um leva carne. Trata-se de um tartare de cor avermelhada vibrante, a manter a estrutura da carne, com maionese com ovo pochê, de sabor delicado, e mostarda de Dijon.

Para aprofundar sua gestão de resíduo, Cesar Costa passará uns dias no restaurante Amass, em Copenhague, na Dinamarca, a acompanhar um departamento que só cuida da sustentabilidade antes da composteira.

"É um setor de pesquisa para salvar as coisas de ir para o lixo. Como aproveitar a casca de tomate? O que se pode fazer com o café depois de passado? E com o osso dos peixes?" Ele há de aprender --e aplicar. "Se você pedir uma receita para um chef estrelado, talvez ele desligue na sua cara, mas quando se fala em sustentabilidade, todo mundo é solícito."

FSP, 25/07/2018, Comida, p. 4

https://www1.folha.uol.com.br/comida/2018/07/sustentabilidade-sera-a-pr…

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