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A sustentabilidade como religião

O Globo, Rio, p. 17
Autor: KAHN, Suzana
04 de Out de 2015

A sustentabilidade como religião
Uma das maiores autoridades em mudanças climáticas do país, a engenheira, agnóstica, moradora do Leblon, quer triplicar a geração de energia solar na Ilha do Fundão e lamenta a falta de avanços na economia verde no estado

SUZANA KAHN

Emanuel Alencar
emanuel.alencar@oglobo.com.br

RIO - Bastava o carro branco parar num sinal para começar uma divertida batucada. Na direção, o motorista se desligava por alguns segundos do trânsito para observar as mãos titubeantes da amiga tocando o pandeiro novinho. O condutor, seu Ferreira, um exigente professor de samba e motorista da Secretaria estadual do Ambiente, sorria sem graça: sabia estar diante de um desafio quase intransponível. A aluna, no banco do carona, uma das mais respeitadas especialistas em mudanças climáticas do país, caía na gargalhada, sabedora de sua inaptidão para o ofício. Talvez tenha sido a única matéria em que a engenheira carioca Suzana Kahn Ribeiro, de 55 anos, não passou com louvor nos últimos anos.
Professora da UFRJ e coordenadora do Fundo Verde da universidade, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), ex-secretária nacional de Clima. Todas essas atividades estão na ficha de apresentação dessa carioca moradora do Leblon. Ela foi uma das articuladoras da primeira lei federal, de novembro de 2009, com metas para a redução das emissões de gases do efeito estufa.
A próxima tarefa na agenda certamente será (para Suzana) menos complicada que tocar pandeiro: quase triplicar a geração de energia solar no Fundão, por meio da instalação de painéis fotovoltaicos no Instituto de Pediatria Martagão Gesteira. O hospital fica no Centro de Tecnologia (CT), uma "cidade dentro da Cidade Universitária".
- Usamos o dinheiro da isenção de ICMS (que vai para o Fundo Verde), conseguida por um decreto de 2012, para investir em ações focadas na baixa emissão de carbono. Por ano, o fundo dá uns R$ 12 milhões para investirmos - explica Suzana. - Outro dia, o governador Luiz Fernando Pezão esteve aqui e até brincou: "Sua sorte é que o Fundo Verde saiu antes da crise". Os indicadores da universidade estão melhorando, estou gastando menos quilowatt-hora por metro quadrado. É gratificante. Nosso mote é reduzir o consumo e gerar energia renovável.
Mãe de Fábio, Felipe e Leonardo, com idades entre 17 e 35 anos, Suzana conhece o mapa-múndi como poucos habitantes do planeta. Já visitou mais de 50 países, dos Emirados Árabes ao Canadá, do Uruguai à África do Sul. Mas ultimamente tem preferido a guarida da aconchegante cobertura no Leblon. Lá, ela gosta de ficar na companhia de familiares. Seu maior xodó atende pelo nome de Daniel: é seu neto de 3 anos. Também se diverte com filmes na televisão, goles de vinho e festas com os amigos - incluindo cantoria.
- Sou metida a cantora - diz, rindo. - Como viajo muito, meu programa favorito é receber os amigos em casa. Sair no Rio está complicado, não tem onde parar o carro, os preços são absurdos.
Fora do Brasil, entre uma conferência de clima e outra, Suzana aproveita a tranquilidade de cidades europeias para desfrutar de uma paz que, lamenta, está cada vez mais rara no Rio:
- Uma das coisas de que eu mais gosto quando vou ao exterior é sair do hotel e ir a pé ao restaurante, caminhar de madrugada pelas ruas, sem medo. Aí você percebe a loucura que a gente vive no Rio. Como deve fazer mal a gente viver com esse medo todo - diz.
Doutora em engenharia de produção pela Coppe/UFRJ, Suzana não poupa críticas ao empresariado fluminense ao lembrar que o mercado de carbono, que tinha como objetivo implementar as bases para uma economia mais limpa no Rio, não avançou um milímetro desde que a proposta foi discutida, às vésperas da Rio+20, há três anos. A ideia era beneficiar as empresas que emitissem menos gases do efeito estufa: cada tonelada de carbono que deixasse de ser emitida seria transformada num crédito, a ser negociado livremente entre as companhias.
- Foi uma frustração grande a gente não ter conseguido fazer o mercado de carbono - lamenta. - O decreto estava rascunhado, mas não foi assinado por causa de uma pressão grande das empresas. Elas diziam que perderiam competitividade. Esta semana li que a China está fazendo algo semelhante. Deu uma dor no coração. A gente poderia estar muito à frente.
Agnóstica e apartidária convicta, filha única de um advogado com uma socióloga e professora de inglês, Suzana é descendente de alemães e paraguaios. Estudou no Colégio Bahiense, na Gávea, e começou a carreira em 1980, como estagiária da Promon Engenharia. Passou pela Shell e pela Aracruz Celulose, antes de imergir na carreira acadêmica.
- Suzana é dona do sorriso mais trepidante da história ambiental do Rio - brinca o deputado estadual Carlos Minc (PT), responsável por escalar a engenheira nos governos federal e estadual de 2007 a 2013. - A primeira vez em que a vi foi na década de 1990, quando lutávamos pela retirada do chumbo na refinaria de Manguinhos. Suzana é uma pessoa vital. Adora dançar, cantar, comer e beber. É formuladora e batalhadora.

O Globo, 04/10/2015, Rio, p. 17

http://oglobo.globo.com/rio/suzana-kahn-lamenta-falta-de-avancos-na-eco…

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