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Supersafra ameaçada

CB, Economia, p. 10-11
16 de Nov de 2003

Supersafra ameaçada
Por causa da infra-estrutura deficiente e falta de silos para estocagem, país corre o risco de perder parte das 127 milhões de toneladas de grãos que serão produzidas em 2004

Vicente Nunes

As chances de o Brasil produzir uma safra recorde de 127,7 milhões de toneladas de grãos em 2004 levarão o país a enfrentar o que o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, chama de.crise da abundância... Em vez de comemorar resultado tão expressivo, o Brasil vai se deparar com gravíssimos problemas de logística para escoar a colheita. O plantio já foi feito, mas pouco se avançou em termos de infra-estrutura para atender às necessidades dos agricultores. Praticamente, nada se investiu na melhoria de estradas e rodovias.
O acesso aos portos, por onde são exportados mais de 20% de toda a produção agrícola, está cada vez mais limitado. Não há armazéns suficientes para absorver as mercadorias. Neste ano, já houve problema para o armazenamento de milho. E o estoque de algodão teve de ficar a céu aberto no Mato Grosso.
Mesmo em setores onde os investimentos não param de crescer, como o de ferrovias, a limitação é grande. Os fabricantes de vagões de trens no país não estão preparadas para atender à demanda. Somente a Vale do Rio Doce, dona de três ferrovias, foi obrigada a importar mais de 900 vagões da China nos últimos meses para transportar os grãos que transitam sobre seus trilhos.
..A infra-estrutura no Brasil está no limite. Não nos preparamos para acompanhar o aumento da produção agrícola.., diz o chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Getúlio Pernambuco. Segundo ele, o país assistiu, ao longo deste ano, a um bonito discurso sobre a importância da agricultura para a economia. Tudo, porém, ficou na promessa. Hora de agir O cenário vislumbrado para o ano que vem é tão dramático que até o próprio governo reconhece: ..Chegou a hora de sair do palanque e agir.., afirma Alex Oliva, secretário de Ações de Fomento do Ministério dos Transportes. ..Pouco se avançou na infra-estrutura. Os parcos recursos disponíveis foram usados para recuperar as estradas vitais para o escoamento da safra.., ressalta.
Esse conformismo chega a ser espantoso, diante da importância do campo para o ajuste macroeconômico do país, destaca o professor José Vicente Caixeta Filho, do Departamento de Economia da Escola de Agricultura da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). Neste ano, as exportações agrícolas totalizarão US$ 29,5 bilhões, pelas contas do ministro Roberto Rodrigues. Descontadas as importações do setor, haverá um saldo positivo de US$ 24 bilhões. Como a previsão é de um superávit comercial de US$ 22 bilhões para todo o país, a agricultura, sozinha, garantirá esse resultado.
..Não fosse o espetacular desempenho do campo, dificilmente estaríamos, agora, comemorando o forte ajuste nas contas externas brasileiras e a redução na vulnerabilidade do Brasil a choques internacionais.., enfatiza Getúlio Pernambuco.
Pedro Beskow, secretário de Programas do Agronegócio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), diz que o governo está correndo contra o tempo. Na questão dos armazéns, foi criada uma linha de crédito de R$ 500 milhões junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O objetivo é que esse dinheiro seja usado para a construção de silos dentro das fazendas.
A Conab liberou R$ 4,5 milhões para recuperar 82 armazéns de sua propriedade que estavam praticamente desativados. Foram escolhidos os galpões localizados nas regiões mais problemáticas do Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul e Tocantins. Esses armazéns têm capacidade para guardar 1,8 milhão de toneladas de grãos. Não é nada diante do tamanho da produção do país. Pelos dados do governo, o Brasil tem capacidade para armazenar 90 milhões de toneladas. Mas o economista da CNA rebate a informação. Segundo ele, levando em conta apenas os galpões em condições reais de armazenamento, somente 30% da safra ficarão guardadas sem risco de apodrecimento. Filas nos portos No Brasil, assinala Edson Tavares, superintendente do Porto Seco do Centro-Oeste, em Anápolis, a maior parte da safra fica guardada em caminhões. Não é à toa que as perdas da produção chegam a 10%. Os caminhões entopem as estradas esburacada e formam filas gigantescas nos portos. ..No período de comercialização da safra, as filas nos portos são quilométricas. Um caminhão demora, em média, três semanas para descarregar as mercadorias.., diz.
A falta de estrutura para armazenamento está, entretanto, no meio da cadeia de problemas, alerta Denise Deckers do Amaral, superintendente de Armazenamento e Movimentação de Estoques da Conab. No início deste ano, ela conferiu as condições de algumas das principais rodovias por onde escoa a produção agrícola. Ficou estarrecida, diante de tantos buracos, trechos intransitáveis, pontes caídas, péssima sinalização e tráfego intenso.
Com isso, uma viagem de 140 quilômetros, entre Rondonópolis e Cuiabá, no Mato Grosso, por exemplo, demora até quatro horas.
Como dificilmente o governo terá dinheiro suficiente para recuperar todas as estradas usadas no escoamento da safra, o Ministério dos Transportes está mapeando alternativas viáveis. De acordo com Alex Oliva, há a possibilidade de se ampliar, ainda no ano que vem, de 1,2 milhão para 2 milhões, o total de grãos transportados pela hidrovia do rio Madeira, em Rondônia, e duplicar as 300 mil toneladas que transitam pelo hidrovia Paraná-Paraguai. ..Se isso acontecer, aliviaremos o Porto de Paranaguá, que recebe quase toda a safra exportada da região Centro-Oeste.., afirma.
Para reforçar que o governo não está de braços cruzados, Pedro Beskow, da Conab, diz que o Ministério da Agricultura e a Receita Federal estão negociando a possibilidade de fazer o desembaraço alfandegário da safra em dois pontos estratégicos, chamados de zonas de entroncamento : Ponta Grossa, no Paraná, e Rondonópolis, em Mato Grosso...Se as cargas forem liberadas nesses pontos, diminuirá significativamente a fila de caminhões no Porto de Paranaguá.., justifica.
Expert no assunto, o professor José Vicente Caixeta vai além: ..O governo precisa se atentar que logística envolve armazéns, estradas, ferrovias, hidrovias e portos. E hoje, é necessário pensar e repensar o assunto...
O país também terá de lidar de forma muito transparente com os transgênicos, afirma Getúlio Pernambuco, da CNA. Esse tema só não resultou em transtornos maiores em 2003, com a decisão do governador do Paraná, Roberto Requião, de proibir o embarque de grãos geneticamente modificados no Porto de Paranaguá, porque a maior parte da soja produzida no país já tinha sido exportada.

Mais investimento em logística
Companhia Vale do Rio Doce comprará 5 mil vagões de trens para aumentar em 65% a sua capacidade de transporte de grãos e farelo de soja para exportação. Desde 1996, o setor já investiu US$ 3 bilhões em ferrovias

Vicente Nunes

Se depender da Companhia Vale do Rio Doce, os riscos de uma crise no escoamento da supersafra agrícola prevista para 2004 podem ser amenizados. A empresa está investindo US$ 400 milhões em logística, para aprimorar seu sistema de transportes. Dona de três ferrovias no país, a meta da companhia é ampliar em 65% o volume de grãos e farelo de soja que transportará no ano que vem até os portos brasileiros para exportação. ..Serão 7,5 milhões de toneladas.., conta Mauro Dias, diretor Comercial e de Logística da Vale.
Segundo ele, a empresa comprou 1.200 vagões de trens do grupo Maxion-Iochpe, no país, e ainda importou 900 vagões da China, já que a capacidade de produção brasileira estava no limite e a urgência dos trens era grande. ..Até o final do ano que vem, serão 5 mil vagões adicionais, totalizando 30 mil.., diz Mauro Dias. Ele afirma ainda que, desde 1996, quando o governo privatizou as concessões de ferrovias, o setor já investiu US$ 3 bilhões.
Com isso, a participação das ferrovias na matriz de transportes do país passou de 19% para 23%. O diretor Corporativo e Financeiro do Grupo Maxion-Iochpe, Oscar Becker, ressalta que o desempenho excepcional do setor agrícola tem sido responsável pelo renascimento do transporte ferroviário no Brasil. Com 96% do mercado de fabricação de vagões de trens, o grupo produziu apenas 300 no ano passado. Neste ano, devido às encomendas da Vale, serão 2 mil. Para 2004, as encomendas somam 1.700 vagões. Mas a capacidade de produção do grupo foi ampliada para 5 mil.
Na avaliação de Becker, não há melhor saída para o escoamento da safra agrícola do Centro-Oeste, a um custo mais competitivo, do que a malha ferroviária integrada às hidrovias. ..Falta um sistema de escoamento mais barato da safra.., assinala.

Tributos são entrave no DF

Mariana Flores

Enquanto o Brasil procura uma saída para escoar a sua supersafra de grãos, o Distrito Federal analisa formas de avançar e ganhar representatividade no setor primário. O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio não chega a 0,5% do PIB brasiliense.
Em todo o país, essa relação é de 27%. Qualificar a mão-de-obra e diminuir a tributação sobre os produtos primários, são as melhores soluções para alavancar o setor. Essas são algumas das sugestões que serão apresentadas pela Universidade de Brasília (UnB) a representantes da cadeia produtiva e do Governo do Distrito Federal nesta quarta-feira.
As idéias surgiram como resultado do estudo Proposta para Modernização do setor Primário do Distrito Federal. De acordo com o texto, o GDF deixaria de arrecadar pouco mais de R$ 5 milhões se isentasse os produtores da tributação do ICMS sobre os insumos e adubos. O volume arrecadado com o ICMS do setor corresponde a 0,2% de toda a receita tributária do DF, que foi de R$ 2,625 bilhões em 2002. ..Deveria haver uma eliminação de toda a cadeia da agropecuária, desde os insumos até a comercialização . Não vai fazer diferença para o GDF mas vai para o DF.., afirma o autor da proposta, Luiz Vicente Gentil, professor responsável pela cadeia de Administração Rural da Faculdade de Agronomia da UnB.
Do total de 198 produtores pesquisados, 24,6% apontaram os gastos com a produção como os principais problemas do setor. Para 23,5%, os maiores problemas estão com a comercialização. A mão-de-obra cara e mal qualificada é o terceiro maior problema apontado pelo setor. Dos produtores entrevistados pelo professor Gentil, a questão foi apontada por 18,18% como a mais grave.
Uma sugestão apontada pelo estudo é triplicar os recursos aplicados no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), entidade mantida por sindicatos para treinar e qualificar os funcionários. Em 2002, foram aplicados no Senar-DF R$ 478 mil. Produtores do ramo de avicultura,responsável por 70% do ICMS arrecadado pelo GDF, defendem a queda da tributação sobre o milho trazido de outros estados para alimentar as aves.
Cada tonelada do produto que entra no DF é tributada em 12%. No ano passado, foram consumidos 290 milhões de toneladas e, segundo a presidente da Associação dos Avicultores do Planalto Central, Marília de Barros Santos, apenas 20% são produzidos em Brasília.
O setor de hortaliças também enfrenta dificuldades para competir com produtos de outros estados. A produção local, que já abasteceu toda a demanda, hoje corresponde a apenas 40% do que é consumido no DF. ..O custo aqui é 20% maior que o de produtos vindos de fora. A tributação incide sobre equipamentos e insumos.., lamenta o presidente da Associação dos Produtores de Hortaliças do DF, Lourenço Pícoli.

Difícil Acesso
O maior porto do país,o de Santos, corre o risco de parar em pouquíssimos anos. O motivo não é o saturamento na capacidade de movimentação de cargas,que pode ser ampliada em pelo menos 25%, mas a dificuldade de acesso. Está quase inviável atravessar a cidade de São Paulo para descarregar as mercadorias nos terminais.
Integrante do Conselho de Logística da Federação do Comércio de São Paulo,Virgílio Pina diz que o atraso nas obras do Rodoanel, sistema de rodovias em torno da capital paulista, está inviabilizando o Porto...Não dá para entender porque um projeto tão fundamental para o aumento das exportações do país emperrou.., lamenta. (VN)

CB, 16/11/2003, Economia, p. 10-11

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