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Suicídios, abuso de drogas e agressões

Gazeta Mercantil-São Paulo-SP
05 de Jun de 2003

A Funasa também começa a tirar do papel um projeto pioneiro e ousado para cuidar da saúde mental dos índios. O antropólogo Miguel Foti, consultor da Unesco contratado pela fundação para tocar esta iniciativa, informa que a proposta é que se vá além da simples constatação da presença de psicopatias. "Queremos fazer uma avaliação do bem estar moral e psíquico das populações, principalmente com ações de prevenção". Entre os graves problemas que preocupam o governo estão o suicídio, violência familiar, agressões sexuais e abuso de drogas.
O trabalho está começando com as etnias guarani-kaiowá e guarani-nhandewa, do Mato Grosso do Sul (MS), onde o índice de suicídios é alarmante, especialmente na primeira. Em 2002, foram registrados 92 casos em aldeias indígenas em todo o Brasil, sendo 57 apenas no MS, onde vivem cerca de 42 mil índios. "Em algumas áreas, o índice chega a ser de 1000 para cada 100.000", informa Foti. O índice brasileiro é de 4,9 óbitos para cada 100.000 e nos países que registram o maior número de suicídios, como a Hungria, a relação é de 32,9 para cada 100 mil.

O fato não é novo. Os primeiros casos surgiram em 1978 e desde então os suicídios intrigam antropólogos, psicólogos e médicos. O número de mortes, de 1986 para cá, chega a 452 - com picos em 1995 e no ano passado. Mas ainda não há conclusões definitivas sobre as causas desse problema. Uma das hipóteses é o confinamento de muitos índios em pequenos territórios, insuficientes à sua sobrevivência física e cultural, e que teria levado à desarticulação da sociedade, da religião e da economia indígena. "A população de 90 aldeias se viu abrigada a viver em oito reservas criadas pela Funai ainda entre 1915 e 1928 e, agora, mais recentemente, em 15 novas aldeias demarcadas", diz Foti.

Outra hipótese, defendida especialmente por antropólogos, é que haja uma relação dos suicídios com o entendimento da morte por parte dos guarani. A literatura aponta que na visão religiosa dos kaiowá o suicídio é uma doença que afeta a palavra, uma das três almas que o índio possui. Quando o mal ataca, a pessoa não consegue mais falar, fica fechada, deprimida. Prova disso, no dizer dos índios, é que a maioria dos suicidas prefere a morte por enforcamento, que aniquila a voz, antes de tudo.

O que mais intriga é o fato de que, além dos suicídios concentrarem-se entre os guaranis, o problema também está delimitado geograficamente. Os guaranis, que costumam ser subdivididos em três grupos - kaiowá, nhandewa e mbiá -, vivem em quatro países sul-americanos e sete estados do Brasil. No entanto, a incidência incomum de suicídios se restringe a uma região cortada ao meio pela fronteira entre o estado de Mato Grosso do Sul e o Paraguai, onde estão quase todos os kaiowá e parte dos nhandewa.

Foti destaca que o projeto está em fase inicial de investigação, com mapeamento das circunstâncias, para construção de um protocolo mínimo de trabalho. "O objetivo não é acabar com os suicídios, já que se sabe que esta é uma questão também cultural, mas sim controlar os picos de ocorrência", diz. O eixo principal da proposta é trabalhar dando apoio aos processos terapêuticos internos que os pajés são capazes de desencadear.

Mas há um consenso de que nenhum trabalho terapêutico pode funcionar isolado da questão da demarcação de terras. Há 200 anos, kaiowás e nhandewas ocupavam boa parte do sul do estado, com uma área de quase 9 milhões de hectares. Hoje, somadas as 24 áreas guaranis da região, eles têm menos de 5% de seu território original.

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