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Sucesso climático, fracasso social?

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
Autor: BUCHBINDER, Felipe
25 de Nov de 2024

Sucesso climático, fracasso social?
Do ponto de vista climático, o grande desafio não é erradicar a pobreza: é tornar sustentáveis as classes média e alta

Felipe Buchbinder

25/11/2024

Como atingir nossas metas climáticas sem comprometer as de erradicação da pobreza? Dos sistemas de irrigação da Suméria aos data centers do Vale do Silício, a história do desenvolvimento econômico é a história do impacto humano no meio ambiente.

As evidências de países que reduziram pressões ambientais enquanto cresciam economicamente (o chamado desacoplamento econômico-ambiental) devem ser interpretadas com cautela. Em alguns casos, o que ocorre é o deslocamento da atividade emissora para outro país. É o caso da Noruega, que se destaca por suas iniciativas de descarbonização, mas permanece um dos maiores exportadores de petróleo do mundo. Em outros casos, a contabilidade das emissões não é feita por quem de fato emite. Os pellets de madeira queimados pela Inglaterra, por exemplo, por serem importados dos EUA, contam como emissões americanas, não britânicas.

Há quem diga que crescimento econômico necessariamente implica impacto ambiental, e que isso resulta das leis da termodinâmica. Talvez. Fato é que, em 2020, uma meta-análise de 180 estudos apontou que a maioria das evidências de desacoplamento ignorava o comércio internacional, que (graças a importações e exportações) pode afetar o balanço de emissões de um país sem reduzir globalmente as emissões. Não havia evidências, portanto, de que os desacoplamentos observados eram mais do que fenômenos localizados, restritos a fronteiras nacionais.

No dilema entre salvar a humanidade do clima ou da fome, a tecnologia oferece pouco consolo. Isso porque uma tecnologia mais eficiente leva, paradoxalmente, a um aumento, não a uma redução no uso de recursos. O aumento da eficiência gerado pela máquina a vapor na Revolução Industrial, a melhoria da eficiência dos eletrodomésticos na década de 80 e dos motores dos carros após as crises do petróleo de 1973 e 1979 levaram o mundo a consumir mais carvão, mais energia e mais petróleo - mais, não menos. Isso ocorre porque, no longo prazo, sempre se arranja uso para mais energia. No século XIX, foi impulsionar a Revolução Industrial; no século XX, a sociedade de consumo; no século XXI, será impulsionar as Inteligências Artificiais, com suas demandas insaciáveis de energia.

Quando a realidade é complexa, perguntas simples trazem respostas surpreendentes: se atendêssemos às demandas sociais de erradicação da pobreza, isso comprometeria mesmo nossas metas climáticas? Qual seria o impacto da erradicação da pobreza nas emissões globais de gases de efeito estufa?

Seria desprezível, para usar o termo que um estudo do Banco Mundial ostenta no título. Segundo ele, a erradicação da pobreza extrema, definida como uma renda inferior a US$ 2,15 por dia, levaria até 2050 a um aumento anual de menos de 5% do que foi emitido em 2019. Outros estudos chegam a conclusões semelhantes, como um aumento de 2% nas emissões globais para retirar 1 bilhão de pessoas da pobreza.

O impacto é pequeno porque a emissão de gases de efeito estufa está concentrada nas camadas mais ricas da população. Além disso, se por um lado a erradicação da pobreza leva a um aumento do consumo e, consequentemente, das emissões, esse aumento é em parte compensado pela melhoria das condições sanitárias. A falta de acesso a sistemas de saneamento adequados são responsáveis por entre 2 e 6% das emissões de metano e 1 a 3% das emissões de óxido nitroso do planeta, ambos gases de efeito estufa cujos poderes de aquecimento global são respectivamente 30 e 273 vezes maiores que o do CO2.

Sejamos claros: erradicar a pobreza extrema não é o mesmo que eliminar a pobreza, muito menos universalizar o American Way of Life. Se a meta fosse fixada não em US$ 2,15 por dia (a linha de pobreza extrema, segundo o Banco Mundial), mas em US$ 6,85 (a linha de pobreza para países de renda média-alta, como o Brasil), as emissões aumentariam em 45,7%, o que seria inviável. Mas 5% é um preço que cabe no bolso. Do ponto de vista climático, o grande desafio não é erradicar a pobreza: é tornar sustentáveis as classes média e alta.

Globalmente, os 1% mais ricos causam o dobro de emissões de CO2 relacionadas ao consumo do que os 50% mais pobres (15% contra 7%, respectivamente) e metade das emissões globais vem dos 10% mais ricos. Diante desses números, é difícil argumentar que, para salvar o planeta, não há outro caminho senão condenar até 700 milhões de pessoas a viverem com menos de US$ 2,15 por dia.

Se erradicar a pobreza extrema não comprometerá nossas metas climáticas, o contrário não é verdadeiro: políticas climáticas mal formuladas podem, sim, comprometer o desenvolvimento socioeconômico. Um estudo do impacto de políticas climáticas nos objetivos de desenvolvimento sustentável em países da União Europeia concluiu que políticas climáticas ambiciosas trazem impactos positivos para a agricultura e a saúde pública, mas negativos para a pobreza, a fome e o crescimento econômico. Tão negativos que os autores veem a necessidade de se formularem políticas públicas especificamente para amenizar esses impactos. As políticas de erradicação da pobreza não vão molestar as políticas climáticas, mas as políticas climáticas, se ruins, podem ferir de morte as políticas de erradicação da pobreza.

Ainda assim, é preciso que ambas convivam em harmonia. Se uma política climática levar a um desempenho desastroso da economia, por exemplo, sua continuidade estará ameaçada, por mais meritória que seja. A tendência natural, porém, é de separá-las e, até mesmo, colocá-las em oposição: ou se atinge as metas climáticas, ou se erradica a pobreza extrema, como se a escolha de uma implicasse a renúncia da outra. Os fatos, porém, mostram o contrário.

Para países em desenvolvimento, como o Brasil, a mensagem é clara: as políticas climáticas devem focar nas classes alta e média buscando torná-las sustentáveis, sem interferir com as políticas de erradicação da pobreza extrema ou de melhoria das condições socioeconômicas de quem se encontra nesta situação.

Salvar o planeta não deve (e nem precisa) condenar ninguém à fome.

Felipe Buchbinder é doutor em Administração e professor da FGV.

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/sucesso-climatico-fracasso-socia…

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