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SP paga alto preco por invasao de varzeas

FSP, Cotidiano, p.C6
08 de Fev de 2004

SP paga alto preço por invasão de várzeas
DE QUEM É A CULPA?Processo de ocupação urbana com intensa impermeabilização torna enchentes quase insuperáveis
SIMONE IWASSODA REPORTAGEM LOCAL O paulistano acusa a prefeitura e o governo do Estado, que reclamam da falta de verbas, que foram a desculpa de outras gestões, que se revezavam na promessa de grandes obras de engenharia, que seriam as soluções definitivas. A cada nova enchente, uma rede de acusações é formada, envolvendo moradores, poder público e até mesmo são Pedro.A discussão, porém, se perde em vultosas somas, propostas imediatistas e soluções mágicas, sem abranger as origens dos pontos de alagamento e as alternativas que podem, ao menos, melhorar a vida das pessoas afetadas.Em um salto histórico, caberia às decisões que foram tomadas no decorrer do século passado o ônus do caos que assolou nas últimas semanas a zona leste de São Paulo. As vítimas, as casas inundadas e os carros perdidos são conseqüências de uma urbanização desenfreada, sem planejamento, que ocupou fundos de vale -Aricanduva, por exemplo- e impermeabilizou as áreas de várzea -como as vias marginais dos rios Tietê e Pinheiros."Nos anos 60, nós ainda tínhamos a possibilidade de ter o maior parque linear urbano do mundo nos 50 km que formavam as várzeas dos rios Tietê e Pinheiros. Mas a opção do poder público foi outra", afirma a arquiteta e paisagista Rosa Grena Kliass. O resultado é visto hoje: vias marginais, prédios, casas e galpões em cima das várzeas dos rios, totalmente tomadas por concreto e asfalto.A realização do prefeito Faria Lima (1965/69) foi ao encontro dos interesses do mercado imobiliário, que provocou uma valorização de terrenos antes desocupados. "As pistas deveriam estar no final das áreas inundadas. O que era um reservatório natural foi tomado pelo asfalto e agora só restam medidas paliativas, não dá para voltar mais", diz Kliass.E essa é a história do Tamanduateí, do Ipiranga, do Aricanduva, do Tietê, do Pirajussara, do Pinheiros e outros grandes rios e córregos de São Paulo, onde duas versões se repetiram: foram retificados e tiveram suas planícies ocupadas e impermeabilizadas ou foram canalizados para que uma avenida passasse por cima."O Tamanduateí foi o primeiro a ser retificado. Eles retificavam ou canalizavam para aumentar a velocidade do rio, mas impermeabilizavam as várzeas, o que piorou a situação. E aí não tem mais jeito", explica o engenheiro José Eduardo Cavalcanti, do Instituto de Engenharia de São Paulo.A região do Aricanduva, que abriga uma série de pontos de alagamento, formava um fundo de vale, uma planície onde havia vegetação e solo permeável, que abrigavam as águas das chuvas. No entanto, foi ocupada por avenidas, residências, favelas, apartamentos e galpões industriais."Se você estudar o caso da bacia do Aricanduva, verá a enormidade de besteiras que foram feitas. Vozes do meio técnico se levantaram, mas foram caladas por convênios internacionais cujo recurso vinha atrelado à construção de avenidas em fundos de vale", afirma a geógrafa Vanderli Custódio, da área temática de geografia humana do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.A construção das avenidas Jacu-Pêssego e Água Espraiada, atual Roberto Marinho, pela gestão do ex-prefeito Paulo Maluf (1993/ 96), são exemplos mais recentes desse tipo de política. Ambas foram construídas em áreas de várzea e tiveram os córregos canalizados, sem deixar espaço para áreas permeáveis. "A Jacu-Pêssego não poderia estar na área de várzea. Ela deveria estar em solo firme, e a várzea seria um parque linear", diz Kliass.Desse modo, locais com ampla vegetação e áreas permeáveis se transformaram em bairros áridos, rios foram confinados em calhas estreitas, várzeas inundadas ficaram cobertas de asfalto e a população ocupou locais que deveriam ter ficado livres: estava pronto o cenário das enchentes."A cidade possuía áreas que estavam naturalmente sujeitas às inundações e que foram ocupadas pela população. O que se pode fazer hoje é reduzir a magnitude desse problema, controlando o uso do solo e investindo em obras de drenagem", explica Augustinho Ogura, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP.Ogura afirma que o controle da ocupação do solo e a manutenção das áreas permeáveis restantes são o principal desafio para evitar um agravamento das enchentes. "Agora, as obras têm que ser feitas continuamente", completa.
Lixo também prejudica escoamento
DA REPORTAGEM LOCAL A cada final de semana, os funcionários da prefeitura retiram 60 toneladas de lixo das marginais Tietê e Pinheiros e de grandes avenidas, como Rebouças e 23 de Maio. Do leito do rio Tietê, em quase dois anos, foram retirados 11 mil toneladas de lixo, além de pneus, camas, armários, cadeiras, brinquedos e todo tipo de objeto que se possa imaginar.Todo esse material, depositado pela população nas ruas e calçadas, acaba prejudicando o escoamento das águas em dias de chuva. "O cigarro que alguém joga no chão da avenida Paulista vai, uma hora, chegar ao rio, seja por meio das galerias subterrâneas ou com as enxurradas. É importante a colaboração da população", explica o engenheiro Ricardo Borsari, superintendente do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), do governo do Estado.Borsari afirma que a melhor contribuição da sociedade na prevenção de inundações ainda é a limpeza das ruas, evitando jogar lixo e entulho nos córregos e rios.Dentre as medidas não-estruturais para combater as enchentes, a educação merece destaque, explica a geógrafa Vanderli Custódio. "Não é apenas informar ou adestrar a população, mas educar. É importante saber por que as campanhas que têm sido feitas para as pessoas não jogarem lixo nas ruas e nos córregos não têm surtido efeito. É necessária uma ação conjunta para compreender como a população mais carente entende o espaço urbano", diz.
Parceria entre gestões do PT e do PSDB funciona
DA REPORTAGEM LOCAL Pelo menos na prevenção às enchentes a prefeita Marta Suplicy (PT) e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) firmaram uma parceria e estão se entendendo. O trabalho conjunto, para a construção de piscinões, é apontado por especialistas do setor como um fator positivo na gestão dos recursos hídricos.De acordo com a Secretaria Municipal de Infra-Estrutura Urbana, seriam necessários 43 piscinões para minimizar os efeitos das chuvas de verão.Atualmente, a cidade possui 14 -sete deles construídos na atual administração. Outros três foram finalizados graças à parceria com o governo do Estado."Estamos firmando parcerias com as cidades da região metropolitana para construir piscinões. Tentando implantar uma visão metropolitana na questão das águas, segundo o diagnóstico do Plano de Macrodrenagem da bacia do Alto Tietê", afirmou o secretário Estadual de Energia, Recursos Hídricos e Saneamento, Mauro Arce.Desde 1999, nos municípios da Grande São Paulo, foram investidos pelo governo do Estado R$ 115 milhões na construção de 15 piscinões. Outros R$ 37 milhões estão sendo investidos na construção de mais cinco.Os valores são referentes aos custos das obras, uma vez que, pela parceria, o terreno e a manutenção do piscinão ficam sob responsabilidade das prefeituras.O secretário ressalta também o andamento das obras de rebaixamento e alargamento da calha do rio Tietê, estimadas em R$ 688 milhões -75% provenientes do JBIC (Japan Bank International Cooperation) e o restante pago pelo governo do Estado."Estão sendo feitos investimentos importantes, tanto da parte da prefeitura quanto da do Estado. As obras de drenagem são muito caras e o poder público está fazendo. A parceria entre as prefeituras e o Estado é positiva", afirma o engenheiro Mario Thadeu Leme de Barros, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Poli/USP.O engenheiro ressalta, porém, que as obras de drenagem não vão acabar com o problema, apenas minimizar os efeitos das inundações. "Isso é preciso deixar claro, elas são necessárias e deverão ser feitas pelas futuras administrações continuamente, mas não vão evitar que aconteçam novas inundações", afirma Leme de Barros.
FSP, 08/02/2004, p.C6

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