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Soja transgênica: os riscos da indefinição

OESP, Economia, p. B2
Autor: CARVALHO, Vinicius F.
08 de Out de 2004

Soja transgênica: os riscos da indefinição
Fica aberta a lacuna para que clientes possam forçar a desvalorização de nosso produto

Vinicius F. Carvalho

A falta de definição, não de uma legislação, mas de uma política clara especialmente sobre a biotecnologia aplicada à agricultura levou o governo a aprovar no Senado, em regime de urgência, uma nova Lei de Biossegurança. Nova porque, ao contrário do que muitos pensam, especialmente o público em geral que só toma conhecimento do assunto pelas divulgações da imprensa, o País possui uma legislação em vigor desde 1995, considerada como uma das mais modernas no mundo. Apesar disso, ações na Justiça vêm impedindo a aplicação da Lei 8.974/95 desde 1998, embora recentemente a decisão do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, ao julgar o caso da soja RR, atestou a constitucionalidade da referida lei.
A primeira pergunta a ser feita é se o País precisava, de fato, de uma nova legislação, aprovada às pressas e por motivos políticos, ou se o correto seria a tomada de ações para encarar constitucionalidade da Lei 8.974 e do Decreto 1.752. Optou-se por voltar no tempo, assumindo-se que o Brasil necessitava de um marco regulatório para os transgênicos, simplesmente pela falta de coragem de encarar um fato simples: o parecer, emitido em 1998 pela CTNBio, favorável à comercialização da soja RR. Cabe aqui, em respeito ao leitor, deixar claro que toda a polêmica gerada em torno da questão dos transgênicos deriva dessa aprovação. Criou-se o espaço para que segmentos avessos à biotecnologia, não por questões relacionadas com defesa da saúde do consumidor e do meio ambiente, mas sim por interesses econômicos ameaçados pela nova ferramenta da agricultura, apenas mais uma, pudessem defender suas posições no mercado, atacando essa nova alternativa do agronegócio mundial.
Mas contra fatos não há argumentos. O projeto de lei foi aprovado e faz-se necessário o cumprimento de todos os trâmites para que a nova legislação entre em vigor. E esses trâmites não serão cumpridos do dia para a noite.
Surge então a segunda, e mais importante, pergunta. O que fazer com a safra de soja 2004/05, especialmente com o plantio da soja RR que se aproxima?
Essa questão deve ser avaliada num contexto amplo, que considere as implicações que podem surgir no mercado internacional, decorrentes da "legalização do ilegal". Parece que não há alternativa para o governo diferente da edição de uma nova medida provisória, autorizando o plantio da soja GM na safra que se aproxima. Mas essa MP pode ser, se editada de forma coerente, formulada no escopo da decisão do TRF. Em outras palavras, não há nenhum motivo para justificar uma MP que autorize apenas o plantio de sementes colhidas na safra anterior, de origem desconhecida. Passou da hora de permitir que variedades de soja que são comercializadas no Brasil, convertidas para RR, possam ser comercializadas no País, de acordo com a liberdade de escolha dos agricultores. É muito mais sensato dispor de uma tecnologia nas variedades adaptadas às condições brasileiras, permitindo que medidas fitossanitárias, uma das novas ameaças no mercado internacional, sejam implementadas garantindo a qualidade do produto brasileiro.
O risco de "legalizar apenas o ilegal" é muito grande, pois fica aberta a lacuna para que nossos clientes possam, com manobras de mercado, forçar a desvalorização de nosso produto, nesse caso, a soja. Além disso, poderíamos discutir a percepção do Brasil no cenário internacional, considerando a questão da pirataria. Não podemos pôr o agronegócio em risco, criando condições para essa pirataria, como infelizmente acontece em outros setores do mercado.
Devemos garantir o privilégio da propriedade intelectual para quem de direito a tem, investiu e criou a tecnologia. Mas toda essa situação poderia ser ainda bem mais simples se o governo encarasse de vez a realidade e agisse com coragem e transparência, dando ao produtor brasileiro a opção de escolha pela tecnologia que lhe trará maiores benefícios. E, para finalizar, de forma a esclarecer eventuais novas polêmicas, não há restrições internacionais para o comércio da soja RR. Riscos existem, mas apenas decorrentes de indefinições e de soluções paliativas, que não resolvem problemas, mas apenas os postergam. Com isso criam-se ameaças desnecessárias que poderão, num prazo bem mais curto do que o necessário para o estabelecimento da nova legislação, comprometer fortemente e de maneira negativa o agronegócio do Brasil.

Vinicius F. Carvalho, agrônomo, especialista em Marketing e gerente- técnico do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB)

OESP, 08/10/2004, Economia, p. B2

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