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Soja transgênica

O Globo, Tema em Discussão, p. 6
Autor: STÉDILE, João Pedro; GORCHEM, Frei Sérgio
20 de Set de 2004

Soja transgênica

Nossa opinião
Assunto técnico

Por louvável que seja a relutância do governo em baixar nova medida provisória para regulamentar o plantio de soja transgênica, será muito difícil evitar o uso desse instrumento, concebido para ser empregado em situações excepcionais. Pois é realmente excepcional o quadro criado pela virtual impossibilidade de se aprovar a Lei de Biossegurança no Senado - e a seguir na Câmara dos Deputados, que está com a pauta trancada por 16 MPs - até o início do mês que vem, quando termina a fase de plantio.
Formalmente, pode-se evitar a edição de nova MP incluindo a liberação dos transgênicos em outra - a medida que trata de crédito agrícola, por exemplo (solução que já está sendo estudada). Na prática, o resultado será o mesmo; o importante é compreender que o adiamento da votação do projeto exige que o Executivo crie condições legais para o plantio da soja geneticamente modificada. Porque se o agronegócio é hoje carro-chefe da economia brasileira, a soja é carro-chefe do agronegócio.
É preciso evitar os problemas jurídicos que podem surgir a partir da intenção manifestada pelos agricultores do Rio Grande do Sul, de plantar a soja transgênica com ou sem a liberação oficial. Disposição que se explica pelo fator decisivo do custo mais baixo em relação ao produto convencional - como sabem até os assentados do MST que andaram cultivando o produto transgênico em terras ocupadas.
Quanto ao projeto de lei, a tramitação no Congresso continuará enfrentando toda sorte de dificuldade enquanto a questão, que é técnica, continuar recebendo tratamento ideológico.

Outra opinião
Primeira batalha

João Pedro Stedile e Frei Sérgio Gorchen
Os transgênicos voltam à pauta nacional. É importante recuperar o centro do debate. O projeto de lei que tramita no Congresso não é contrário à liberação dos transgênicos, muito menos limitador da continuidade das pesquisas. Mas o lobby das grandes indústrias multinacionais, com o apoio de alguns ingênuos de plantão (acompanhados de plantonistas nada ingênuos), é para liberar sem nenhum tipo de controle.
Elas defendem todos os poderes à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio); nenhum teste de campo em solo nacional e anulação das funções legais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama); nenhuma rotulagem nas embalagens; livre cobrança de royalties, porteiras abertas para as multinacionais monopolizarem as sementes e insumos.
A CTNBio não tem estrutura orgânica e administrativa e não trabalha em tempo integral. Transferir-lhe poderes absolutos para decisões definitivas sem condições mínimas de fiscalização de campo é uma aventura e uma temeridade.
Além disso, os transgênicos que hoje se quer liberar no Brasil foram produzidos em laboratórios do Norte do planeta, regiões de climas frios e pouca variabilidade biológica. Nosso clima é diferente, nossa biodiversidade é enorme e a interação é diversa.
As informações dos cientistas pagos pelas empresas donas da tecnologia são insuficientes. Por que tanto medo dos testes? Será porque cientistas independentes já comprovaram seus perigos?
Por fim, o pavor do rótulo. Por que parte da indústria é favorável, mas foge da rotulação como o diabo da cruz? Se os transgênicos são tão seguros, deveriam fazer disto um slogan: "Coma transgênico, é seguro, saboroso e barato!"
A luta é dura e será longa. A Lei de Biossegurança é só mais uma batalha. Em disputa estão dois modelos de desenvolvimento rural: um centrado no latifúndio, controlado por poucas multinacionais e baseado nas monoculturas dependentes dos insumos químicos.
O outro centrado nas pequenas e médias agropecuárias, organizado em redes de cooperativas em empresas nacionais e públicas.
Este é o pano de fundo. Os transgênicos são apenas mais uma importante frente de batalha para as multinacionais e para os que querem um Brasil com uma agricultura camponesa forte produzindo alimentos saudáveis e variados para nossa população e para o mundo.

João Pedro Stedile é integrante da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Frei Sérgio Gorchen é frei franciscano e deputado estadual (PT-RS).

O Globo, 20/09/2004, Tema em Discussão, p. 6

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