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Soja com certificação

FSP, Opinião, p. A2
27 de Jul de 2006

Soja com certificação
Cadeia da commodity deve preparar-se para responder a pressões de consumidores no mercado globalizado

Não foi ainda a salvação da Amazônia, longe disso, o anúncio de que atacadistas e exportadores de soja deixarão de adquirir, por dois anos, o produto plantado em áreas novas de desmatamento. De todo modo, o recente comunicado conjunto da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) representa o marco inicial de uma tendência de mercado que veio para ficar: a exigência, por consumidores de países desenvolvidos, de padrões ambientais e humanitários mínimos na produção de commodities.

O efeito prático da medida é duvidoso. Em primeiro lugar, a área plantada com soja na Amazônia é pequena. O grosso da produção nacional sai do Sul do país e do Centro-Oeste, onde a cultura contribuiu para devastar o cerrado e já ameaça pelas bordas a floresta de transição que delimita o bioma amazônico.

Em segundo lugar, o compromisso voluntário vale só por dois anos. Nesse prazo, uma área desmatada hoje dificilmente entraria na produção da leguminosa. É de supor que se trata apenas de um período-tampão, e que ao final dele será renovado o compromisso com a rejeição de grãos cultivados à custa da floresta amazônica ou de trabalho análogo à escravidão.

O aspecto mais importante do anúncio está no reconhecimento, pela cadeia produtiva da soja, de que o setor se encontra, sim, envolvido na dinâmica do desmatamento na Amazônia. Embora a expansão do cultivo, nos últimos anos, tenha ocorrido pela ocupação de terras já convertidas para a pecuária, a capitalização trazida pela commodity acionava a correia de transmissão composta por madeireiros, grileiros e pecuaristas, principais agentes do avanço da fronteira.

Um nexo mais direto da soja com o desmatamento foi documentado pela organização Greenpeace. No relatório "Comendo a Amazônia", a ONG mostrou como determinados lotes de grãos de áreas desflorestadas alimentavam frangos que, por sua vez, terminavam nas mesas de cadeias de fast food na Europa. Iniciou então campanha dirigida a consumidores dessas redes, o que bastou para levá-las à mesa de negociação na companhia de seus fornecedores, "traders" como a Cargill. O comunicado da Abiove e da Anec é o eco brasileiro dessa movimentação.

Tal gênero de pressão dos consumidores em mercados globalizados tem pouca semelhança com barreiras artificiais erguidas no passado. Lutar contra ela implicaria defender o indefensável. O agronegócio brasileiro, em que pese o momento difícil que atravessa, exibe produtividade e potencial suficientes para concorrer internacionalmente sem dilapidar seu capital natural e sem empregar mão-de-obra escravizada para desmatar.

A meta deve ser um sistema de certificação socioambiental da soja, um selo com a credibilidade já usufruída pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal), no caso da madeira tropical. Os consumidores globais não se contentarão com menos do que isso.

FSP, 27/07/2006, Opinião, p. A2

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