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Soja chega à última fronteira agrícola do País

Estado de S. Paulo-São Paulo-SP
Autor: JOÃO BAUMER
31 de Ago de 2003

Produtividade acima da média e boas condições de cultivo atraem produtores para Roraima

Última fronteira agrícola do Brasil, o Estado de Roraima começa a figurar no mapa do agribusiness nacional e mundial sob o impulso da soja, cultura nova e muito promissora para a região do extremo norte brasileiro. Os campos de soja começaram a ser semeados na área do lavrado em 1999, e desde 2001 a área de plantio dobra ano a ano. O lavrado é também conhecido como savana ou cerrado, embora tenha características distintas da grande região de cerrado abaixo da Amazônia.

São cerca de 2 milhões de hectares de campos de vegetação rasteira, com aparência similar ao do cerrado tradicional, com grandes extensões de terra plana e de fácil implantação de lavouras. Pelo menos metade do lavrado é considerado propício para a soja, e mais 600 mil hectares podem ser cultivados com outras espécies de grãos. No lavrado não há chapadas, mas uma ampla superfície ondulada, pontuada por montanhas e abundantemente irrigada por rios.

Até a chegada da soja, o lavrado era utilizado como pasto nativo para pecuária extensiva. Nas regiões de várzea são mantidas as mais produtivas lavouras de arroz do País. A produtividade no lavrado é das melhores, acima da média nacional, segundo o Centro de Pesquisas Agroflorestais da Embrapa em Boa Vista.

Cada hectare de várzea em Roraima produz em média 7 mil quilos de arroz, contra média nacional de 5 mil quilos por hectare. No caso do milho, a relação é de 6 mil quilos em Roraima contra 4,2 mil quilos na média do País.

Na soja, a relação é de 3 mil contra 2,4 mil quilos por hectare. Em 2002, a produtividade média de soja ficou entre 35 e 40 sacas por hectare, e a média esperada para este ano é de 50 sacas.

Terra cara - A produtividade também decorre da experiência de produtores que trazem a Roraima a tradição da cultura em Estados como Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul.

O potencial produtivo inflaciona o valor da terra. Os primeiros sojicultores pagaram cerca de R$ 10 por hectare em 1999 e 2000. Hoje,o hectare está cotado entre R$ 150 e R$ 400, conforme a localização e as condições da terra.

O mineiro Paulo Tanaka chegou a Roraima em julho de 2002 e comprou duas fazendas que somam 4 mil hectares de área. Gostou tanto do lugar que vendeu sua propriedade de 400 hectares em São Gotardo (MG) logo a seguir, fincando raízes no lavrado. Com o dinheiro da venda, poderia ter comprado 40 mil hectares em Roraima. Tanaka ainda engorda 400 bois, arrendou outros 300 hectares para soja e é pioneiro na produção de sementes de soja e arroz em Roraima, em parceria com a Embrapa.

"Eu não tinha mais como crescer em Minas, e me encantei com o lavrado", diz o nissei, cujo pai migrou do Japão jovem e sem posses e cultiva batatas em Minas.

Tanaka pretende ampliar a lavoura de soja para 600 hectares em 2004 e está introduzindo em Roraima o cultivo de arroz de sequeiro, alternativa para a rotação de culturas com a soja. "Ainda não existe mercado para milho em Roraima", explica, referindo-se à cultura tradicional para rotação com soja.

O lavrado, contudo, tem potencial para produzir três safras anuais de milho, segundo a Embrapa.

O preço obtido pela soja em Roraima é outro fator importante. "Em Minas nunca vendi a saca acima de US$ 9,50, e aqui, o preço livre para o produtor nunca ficou abaixo de US$ 11", comemora. O custo de produção ainda é elevado no lavrado, entre US$ 8 e US$ 9 por saca, considerando a produtividade de 40 sacas por hectare, abaixo da expectativa de média para este ano. O custo é alto em decorrência das dificuldades logísticas. Mas a aposta dos produtores é de que a produção em maior volume deve reduzir os custos, e há ainda a perspectiva de obter preços melhores para fertilizantes e combustíveis junto a fornecedores da Venezuela.

Início - Houve pelo menos sete tentativas de plantio de soja em Roraima desde o início da década de 80, logo após a oleaginosa ter sido adaptada para regiões tropicais. A semeadura foi feita sem constância, por agricultores locais inexperientes no manejo da cultura. A soja se instalou definitivamente no lavrado a partir de 1999, com a chegada dos primeiros produtores do Sul e Sudeste, atraídos pelo potencial da região e pelo baixo preço da terra. A migração foi favorecida pelo asfaltamento da BR-174, que liga Manaus a Boa Vista, e também alcança a fronteira com a Venezuela.

O ponto de virada ocorreu em 2001, quando o Grupo Maggi inaugurou o porto de Itacoatiara e passou a comprar toda a produção roraimense. A soja do lavrado percorre mil quilômetros de caminhão até Itacoatiara, em rodovias de asfalto. A localização geográfica do lavrado é estratégica, próxima de importantes centros de consumo representados por Manaus e pela Venezuela, além do porto de Itacoatiara. A próxima rota de escoamento deverá ser o porto de Georgetown, capital da Guiana, a 500 quilômetros do lavrado, abrindo o caminho marítimo mais curto para os mercados do Caribe e da Europa.

"Não faltam mercados para a produção agropecuária e para a futura agroindústria de Roraima. Manaus representa um mercado de 2 milhões de habitantes, e podemos ainda abastecer Santarém e Belém, no Pará, e o Amapá.

Além disso, temos um mercado de 25 milhões de pessoas na Venezuela e as Guianas e o Suriname representam outros 5 milhões de consumidores", diz o secretário de Agricultura do Estado, Marcelo Levy de Andrade, paulista de São Carlos, que vive em Roraima há mais de 20 anos. O Estado não tem frigoríficos de aves e suínos, nem laticínios. A produção local de grãos facilitará o desenvolvimento deste tipo de agroindústria e Roraima poderá então exportar proteína animal. Para os técnicos da Embrapa, a soja vai desencadear a atividade frigorífica local, pois a necessidade de rotação vai gerar a produção de milho em escala, fundamental para a montagem de granjas.

O Estado acumula uma série de vantagens naturais para a soja, como regime de chuvas regular, maior luminosidade devido à proximidade da linha do Equador, temperatura estável em níveis elevados durante todo o ano, grande oferta de água para irrigação, além do relevo propício à produção mecanizada em larga escala. Os dias são mais longos. Com isso, o ciclo da cultura é mais curto e o teor de óleo e proteína maior do que em outras regiões do Brasil e do mundo.

A soja é cultivada durante a entressafra brasileira, porque Roraima está no Hemisfério Norte, o que garante suprimento doméstico e para exportação num período de escassez. Ou seja, a safra é vendida a preço de entressafra. Em 2001 e 2002 o Grupo Maggi pagou em média US$ 12 por saca de soja entregue em Itacoatiara. É um valor bem próximo ao do porto de Paranaguá, o principal embarcadouro de soja da América do Sul.

Outra vantagem para o produtor de Roraima está no frete. Custa menos de US$ 1 levar uma saca até o porto do Grupo Maggi, em razão do chamado "frete de retorno" (caminhões que trouxeram mercadorias a Boa Vista e que precisam retornar a Manaus de qualquer modo). O plantio de soja no Estado ocupou 9 mil hectares este ano, e a área deve mais do que dobrar em 2004.

A inserção de Roraima na cena internacional chama também a atenção do governo dos Estados Unidos. Técnicos do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) estiveram em Boa Vista nos dias 13 e 14 de agosto para ver de perto o potencial da região, chefiados pelo cônsul americano para Assuntos Agrícolas no Brasil, Ron Verdonk.

"Em 2006, teremos 100 mil hectares de soja", diz o produtor Adelino Mário Farina, paranaense de Pato Branco que se transferiu para Roraima em 1998, após uma escala de 16 anos em Rio Verde (GO). Pioneiro da soja na novíssima fronteira, ele cultiva este ano 300 hectares e deve dobrar a área em 2004.

"Daqui a cinco anos Roraima será outro Estado, terá outra realidade", diz Farina.

Índios - A questão do índio é mais delicada, e configura a maior polêmica na região. Não por acaso, Roraima é a única unidade da Federação a manter uma Secretaria de Estado do Índio, comandada por um indígena da etnia macuxi, Orlando Oliveira Justino. O Estado abriga sete etnias principais de índios. A única unanimidade é relativa à reserva ianomami, a noroeste.

"Os ianomamis estão muito menos aculturados, têm uma história de contatos pouco freqüentes com o homem branco, e precisam ser protegidos. Mas mesmo eles podem se integrar num prazo mais longo", diz Justino. Em Uiramutã, município com grande presença macuxi, o índio já concorre com o branco na pecuária bovina, com rebanhos de grande porte.

Os índios trabalham como empregados nas fazendas da região. Eder da Silva Salvador, um jovem wapixana de 18 anos, aplica defensivos numa lavoura próxima à sua comunidade, no município de Bonfim, a 50 quilômetros da fronteira com a Guiana. Ele não aprendeu o idioma de seu povo, trabalha em plantações de melancia desde os 15 anos, e há 5 meses lida com soja, como empregado diarista. Tem irmãos e tios a seu lado na fazenda, e recebe R$ 350 por mês, salário que considera bom. "Ainda sou solteiro", diz.

O secretário Justino é pecuarista, individualmente, e sua comunidade de origem, a Santa Maria de Normandia, mantém roças coletivas de milho, mandioca e feijão. O governador do Estado, Flamarion Portela (PT), reivindica uma base física para que o Estado possa se desenvolver. "Os índios representam 9% da população e possuem metade do território estadual".

A outra metade pertence ao Incra. Ou seja, quase não há agricultores em Roraima com título de posse definitiva da terra. Mesmo com os problemas fundiários, a produção continuará a crescer.

"A soja chegou a Roraima para ficar, o processo é irreversível", diz Lupércio Ribeiro do Vale, gerente da Fazenda Esplanada, de 10,7 mil hectares.

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