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Soja amazônica poderá ser certificada

OESP, Vida, p. A16
25 de Abr de 2005

Soja amazônica poderá ser certificada
ONG, com o apoio da embaixada britânica e de multinacional, lança hoje projeto para que a produção na floresta seja regulamentada

Cristina Amorim

Indicada como um dos atuais culpados do desmatamento crescente da Amazônia, a soja pode receber um habeas-corpus. Hoje, a organização não-governamental The Nature Conservancy (TNC), financiada pela embaixada britânica e com apoio da multinacional Cargill, lança um projeto para certificar a soja plantada na floresta.
O lançamento acontece em Brasília durante um seminário que pretende reunir grupos ambientalistas, técnicos e produtores de grãos, além de representantes dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. O governo britânico entra com R$ 1,2 milhão e a Cargill, maior exportadora de soja em grãos do País, com cerca de 200 fornecedores que trabalham nas proximidades de Santarém (PA) - onde, aliás, a empresa tem um porto para descarregar sua produção. A TNC pretende monitorar os participantes e testar, no campo, os processos que a futura certificação seguiria.
Entre os processos está o respeito à legislação ambiental, diz a representante nacional da TNC, Ana Cristina Barros. Uma das questões que serão debatidas para a certificação é o uso de terras já desmatadas para o cultivo.
A bandeira erguida pela ONG é: "melhor antes do que tarde", uma vez que a soja já consome o solo da Amazônia, regulamentar a produção, e assim valorizar a sustentabilidade socioambiental, é um caminho válido se comparado ao futuro sombrio da agricultura avançando de forma descompassada através da floresta, como pintam os ambientalistas.
Segundo Ana Cristina, um produtor na Amazônia precisa guardar 80% da propriedade como reserva legal e respeitar matas ciliares, áreas de declive e topos de morros - medidas que evitam a erosão. "Hoje, 17% da Amazônia está desmatada, um índice bastante próximo do teto legal. Não haveria conversão de terras."
Um levantamento recente feito pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOM), com base em imagens de satélite coletadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), demonstra que 70% das áreas desmatadas na Amazônia são usadas atualmente para a agricultura - das quais 55% têm soja plantada e, outros 35%, arroz. Contudo, a mesma análise mostra que grandes áreas desmatadas entre 2000 e 2003, com mais de mil hectares, já têm soja e arroz plantados. "Por mais que seja uma opinião quase exclusiva da TNC, a certificação pode ser um incentivo ao cumprimento da legislação ambiental", diz ela.
A Imaflora, empresa certificadora do setor madeireiro, entrará no processo levantando a situação dos produtores em relação aos critérios existentes e avaliando as necessidades socioambientais da região.
Para o Greenpeace, o projeto "não é uma opção sustentável para a Amazônia", e pode acabar contribuindo para o desflorestamento, diz Paulo Adário, coordenador de campanhas do grupo na região. O grão, comenta ele, exige o cultivo extensivo, "é grande concentrador de território" e provoca um problema social ao substituir mão-de-obra por maquinário. "Além disso, a soja provoca uma perda rápida de nutrientes do solo, o que pede uma compensação com insumos agrícolas."
A própria Ana Cristina admite que a certificação pode ser encarada, à primeira vista, como um incentivo à expansão agrícola em terras amazônicas. A derrubada de árvores para abrir espaço a áreas plantadas é uma bomba-relógio, cujo combustível é o melhoramento da BR-163, que liga Santarém a Cuiabá (MT) e serviria como principal rota de escoamento da soja do Centro-Oeste e do próprio Pará. A área de influência nas laterais da estrada - seja ela de terra ou asfalto - já se expande progressivamente.
Para Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, o projeto precisa definir até onde a propriedade poderá se expandir e ainda ser certificada. "Este é um item que será objeto de discussão." Smeraldi também comenta que o projeto vai encontrar outro problema: o fato de o mercado de soja se regular internamente, sem a participação direta do consumidor. A soja, lembra ele, é consumida no Brasil em produtos industrializados, de sorvetes a biscoitos, sendo difícil para o comprador final exigir o certificado.

Números
R$ 1,2 milhão é o valor que será empregado pela embaixada britânica neste projeto de certificação da The Nature Conservancy (TNC)
200 fornecedores que trabalham nas proximidades de Santarém serão disponibilizados pela companhia alimentícia multinacional Cargili
17% da Amazônia está desmatada hoje, índice bem próximo do teto legal
70% das áreas desmatadas na Amazônia são usadas atualmente na agricultura, principalmente com o cultivo de soja e arroz

OESP, 25/04/2005, Vida, p. A16

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