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Sofisma ambiental

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: GRAZIANO, Xico
08 de Jun de 2004

Sofisma ambiental

Xico Graziano

Coitado do eucalipto. Inventaram que a árvore trabalha para o mal. No passado, amargou a triste fama de secar o solo onde vivia. Agora, imputam-lhe a sina de causador da miséria. Uma barbaridade.
Vem de longe essa confusão entre o homem, a sociedade e o mundo natural. Na história da filosofia e, mais tarde, no campo das ideologias, sempre se questionaram as origens da desigualdade. Rousseau perguntava: as pessoas nascem más ou são deformadas pela sociedade?
Na agricultura, o determinismo natural origina um sofisma. Parece óbvio, mas o raciocínio surge freqüentemente, como se verifica agora com os reflorestamentos. O resultado, não poderia deixar de ser, machuca a inteligência.
Há quem, décadas atrás, tenha sugerido que a cana-de-açúcar causava pobreza.
Com base nas características coloniais do sistema agrário-exportador, que exigia a monocultura, a grande propriedade e o trabalho escravo, a cultura acabou esconjurada. Não era planta "democrática". Quando se demonstrou que na Austrália os cultivos canavieiros, ao contrário daqui, se faziam em pequena escala, o infeliz ardil determinista se desmanchou. Claro estava que são os homens, e não as plantas ou animais, os responsáveis pelas injustiças do mundo.
As falácias não cessam. Os leitores, certamente, já ouviram dizer que o boi serve aos latifundiários, assim como a soja causa devastação na Amazônia.
Pior, degradam por aqui apenas para alimentar na Europa. Quanta besteira!
Milhões de pequenos agricultores brasileiros criam gado, aproveitando-se de sua carne ou do seu leite para sobreviver. Quando a boiada está nas mãos da ganância, há que se esquecer o bicho e lembrar do sistema econômico.
Especulação de terras não depende do boi, mas sim do processo inflacionário e do mercado de capitais. Aos animais interessa apenas procriar em paz.
Com a soja, tacham-na de cultura dos maiorais. É verdade que lá no Mato Grosso ou no distante Maranhão quem abre as fronteiras agrícolas são agricultores capitalizados, profissionais do melhor gabarito. Entretanto, no Paraná ou no Rio Grande do Sul, a soja advém dos pequenos e médios produtores, cem por cento familiares, conduzindo lavouras com alta tecnologia, elevada produtividade. Pequenos se fortalecem com o sistema cooperativo, vencem as barreiras do mercado, lucram como qualquer empresário.
Quem afirma que a soja é cultura de grande está desinformado ou mentindo.
Além do mais, sempre é bom repetir, a maioria das donas de casa brasileiras cozinham com óleo de soja, enquanto que muitos grã-finos, desses que condenam a leguminosa, se utilizam de azeite estrangeiro. Deplorável.
Nada, todavia, se compara à chicana que grupos ambientalistas aliados ao MST inventaram para agredir a silvicultura, declarando inimigo o eucalipto. O pérfido ambientalismo pariu ainda um logro lingüístico: o deserto verde.
As árvores utilizadas nos reflorestamentos são, é verdade, plantas exóticas.
Pinus e eucaliptos vieram da Austrália e da Europa. Adaptaram-se tão bem ao ecossistema tropical que se tornaram campeões mundiais de produtividade, provocando inveja em seus ancestrais.
Exóticos também são os arbustos de café, trazidos da Etiópia. Como o arroz, o milho, a pimenta-do-reino. E daí? Poucos sabem, mas o alimento mais típico da Alemanha, a batata, é originário aqui da América. Nacional, mesmo, só a mandioca, cultivada pelos índios tupiniquins.
Quando as primeiras mudas de eucalipto cresceram em solos brasileiros, logo se vislumbraram suas enormes vantagens culturais. Verificou-se desde cedo que as árvores se adaptavam bem em solos fracos, arenosos, que na época não se prestavam para plantar café e cana-de-açúcar.
Assim, os hortos florestais da Fepasa, em São Paulo, vingaram em manchas de solos considerados ruins. O eucalipto crescia milagrosamente. Quando plantado em várzeas, úmidas e férteis, subiram tão vigorosamente que drenaram os locais. Daí surgia sua fama de grande consumidor de água.
Com a evolução da silvicultura, as pesquisas concluíram que o eucalipto consome tanta água quanto qualquer outra espécie. Ocorre que nenhuma delas cresce e produz madeira rapidamente igual a ele. Tal performance, por certo, não agrada aos empresários do Canadá, da Suécia ou dos Estados Unidos, os grandes concorrentes no mercado internacional de papel e celulose. Aqui, no País, os eucaliptais estão maduros para corte em seis anos; lá demoram o triplo, e produzem menos. Incomoda os ricos.
Na década de 1970, incentivos fiscais foram direcionados para os reflorestamentos. O forte estímulo propiciou surgirem os grandes conglomerados das fábricas de papel, celulose e madeira. Atualmente, 4,8 milhões de hectares estão ocupados com florestas plantadas no País, 70% com eucaliptos, 30% com pinus. O setor gera 500 mil empregos diretos, distribuídos em 600 municípios, e exporta US$ 2,8 bilhões. Problema ou solução?
Estudos científicos recentes comprovam que microbacias hidrográficas ocupadas com vastos eucaliptais apresentam riqueza de avifauna, ou seja, passarinhos, maior que outros ecossistemas tropicais. Isso somente pode ocorrer num ambiente rico do ponto de vista ecológico. Seja na mata de eucaliptos e em seu sub-bosque, seja nas áreas preservadas em seu entorno, preserva-se a biodiversidade.
É inusitado: para cada hectare plantado com madeira exótica, outro é mantido com floresta nativa. Nenhum setor da agropecuária age assim. A cambucira, o tiziu, o tico-tico e a rolinha agradecem.

Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996-98) E-mail: xicograziano@terra.com.br

OESP, 08/06/2004, Espaço Aberto, p. A2

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