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A socos e pontapés

Época
13 de Jan de 2003

A socos e pontapés
Enquanto dormia, um índio de 77 anos é assassinado por três jovens no interior do Rio Grande do Sul

João Luiz Vieira

Como fazia todo mês, o índio caingangue Leopoldo Crespo, de 77 anos, saiu de sua aldeia no noroeste do Rio Grande do Sul e caminhou 6 quilômetros para retirar sua pensão do INSS no posto de Miraguaí, a 545 quilômetros de Porto Alegre. Fez a compra do mês no mercadinho da cidade e investiu o que sobrou em cachaça. Sem condições de percorrer o trajeto de volta para casa, deitou-se numa calçada e esperou a ressaca passar. Foi acordado com socos e pontapés desferidos por um grupo de três jovens bagunceiros da cidade. Como Crespo não conseguia reagir, Roberto Carlos Moraski e Almiro Borges Souza, ambos de 19 anos, e um menor de 14 anos decidiram jogar uma pedra sobre ele. Crespo morreu vítima de traumatismo craniano. Roberto e Almiro, que confessaram o crime, já estão detidos no Presídio Estadual de Três Passos. O terceiro agressor, de origem humilde como os demais, foi encaminhado ao Ministério Público por ser menor de idade. Betinho, Piolho e Maconha, como eram conhecidos, ficarão em prisão preventiva enquanto aguardam julgamento.
Almiro responderá ainda por outro crime. De acordo com a polícia local, na véspera do Natal ele esfaqueou o caingangue Juraci Jacinto. O índio caminhava próximo à rodoviária quando foi chamado pelo rapaz. Ao se virar, levou uma facada no abdome. Socorrido a tempo, salvou-se. O administrador estadual da Fundação Nacional do Índio (Funai), Neri Ribeiro, estranhou a onda de violência, já que na reserva a relação entre brancos e índios sempre foi pacífica. "Nunca houve um episódio parecido", diz a delegada Cristiane de Moura e Silva. "Foi um caso isolado, pois os agressores já tinham antecedentes criminais por violação de domicílio, porte ilegal de armas e danos ao patrimônio público."
Os 6 mil caingangues da reserva vivem da agricultura de subsistência e da venda de artesanato. A renda média per capita na tribo é inferior a R$ 100 mensais. Não é de espantar, portanto, que parte do grupo passe os dias mendigando e bebendo nas cidades vizinhas. "Eles não têm perspectiva alguma e são tratados como párias sociais, especialmente no Sul", diz a antropóloga Marta Azevedo, do Instituto Socioambiental. O alto índice de alcoolismo é hoje um dos maiores problemas dos índios brasileiros. "Principalmente entre os homens e nas aldeias perto das áreas urbanas", explica a antropóloga. Como não há solução à vista para o problema, o cacique da Aldeia Estiva, Carlinhos Alfaiate, criou para si uma rotina: toda noite vai ao centro da cidade recolher os caingangues que dormem nas calçadas. "Por dia, recolho uns dez", diz. "É o que dá para fazer para protegê-los."

Época, 13/01/2003.

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