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'A soberania da Amazônia não se negocia'

A Crítica, Política, p. A6
Autor: GENOINO, José
03 de Abr de 2005

'A soberania da Amazônia não se negocia'
O presidente nacional do PT, que participou da guerrilha do Araguaia, no sul do Pará, na década de 70 defende o estreitamento dos laços entre o Brasil e países panamazônicos, cujo objetivo é afastar os EUA da região.

Entrevista: José Genoino

Por Antônio Ximenes
Da equipe de A Crítica

O presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoino, defende que o Brasil intensifique o seu relacionamento com a Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia. E que desta relação surja um movimento panamazônico com força suficiente para evitara interferência dos Estados Unidos e da Comunidade Européia nos assuntos de interesses da região amazônica. Estrela do "núcleo duro" do poder liderado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ele é considerado um dos mais hábeis articuladores do PT nacional. Sua opinião é respeitada no Palácio do Planalto, onde tem livre acesso ao gabinete mais importante do País. Ex-guerrilheiro nos anos 70, quando participou da luta armada no Araguaia, se caracteriza pelo diálogo. Mas a velha indignação dos tempos de juventude permanece viva na visão estratégica de Genoino. "Soberania não se negocia nunca".
Leia entrevista exclusiva para A Crítica.

Como seria a integração panamazônica?

0 desenvolvimento da Amazônia passa pela integração regional da América Latina, em especial da América do Sul. 0 Brasil tem economia complementar com a Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia.

O que está sendo feito de concreto nesta direção?

0 presidente Lula tem trabalhado pela estabilização democrática na região, como fez ao apoiar o Governo Hugo Chávez, da Venezuela. 0 mesmo aconteceu na defesa institucional dos Governos do Peru e da Bolívia. Especificamente sobre a Colômbia temos trabalhado para que se encontre uma solução pacífica ao seu conflito interno. Nós temos que criaras condições políticas para que essa integração se viabilize.

Estrategicamente, como funcionaria esta integração regional?

Ao criarmos um pólo internacional de defesa da Amazônia, com características regionais em comum vamos nos fortalecer com uma política de bom relacionamento. Teríamos um Mercosul ampliado. Ou a gente soma forças ou não vamos ter sucesso. A sinergia com os vizinhos é fundamental, especialmente na Amazônia onde os interesses das grandes potências são muitos e diversificados.

Em que momento o PT passou a defender essa geopolítica amazônica?

Desde sempre, só que agora mais intensamente. Precisamos ter uma ação integrada de defesa da região, dai a importância das forças armadas e dos serviços de inteligência no acompanhamento do espaço aéreo. 0 país não pode também se desenvolver somente em áreas como o Sudeste,Sul e Centro-Oeste. 0 Norte tem que avançar.

Como o senhor reagiu as declarações de Pascual Lamy da Comunidade Européia defendendo uma participação mais intensa na região dos países europeus ?

Nós não aceitamos a declaração de Lamy que tenta relacionar a dívida externa com a Amazônia. Soberania não se negocia nunca.

Que medidas o Governo está adotando para defender as fronteiras da Amazônia ?

Uma meta do governo é aumentar o efetivo militar na região. Nós temos que reforçaras nossas fronteiras. Entrou não sai ileso. A lei do abate é fundamental. Reforçar os batalhões de fronteira é decisivo. E vamos continuar lutando para impedir qualquer tipo de internacionalização do conflito da Colômbia,

Como promover a integração panamazônica se a logística e as estradas na região são precárias?

Navegando. É muito mais econômico e racional utilizar os rios do que simplesmente abrir e conservar estradas em condições muito difíceis. Temos que potencializar a maior bacia hidrográfica do mundo melhorando os portos, as embarcações, fazendo as demarcações fluviais para a circulação de pessoas e mercadorias. Temos que investir num sistema portuário mais complexo e interligado com os outros países da região amazônica.

E como está o projeto de uma saída para o Oceano Pacifico ?

Se nós viabilizarmos o eixo Sul-Sul, que é a ligação do Brasil com o Pacífico, via Bolívia-Peru, nós estaremos mais próximos dos mercados da Ásia. Isso seria muito importante para a América do Sul.

Mas este projeto não é utópico?

Não. A cultura na região está mudando e cada vez mais trabalhamos para integrar nossas economias que são interligadas.

Como o senhor está acompanhando a mudança da matriz energética no Estado do Amazonas, a partir da construção do gasoduto Coari-Manaus?

Queremos uma integração política e econômica com os nossos vizinhos. Mas primeiro temos que nos fortalecer internamente.

De que maneira?

Nós temos uma visão estratégica sobre o gasoduto e o petróleo.
Essa energia aliada ao fortalecimento da Zona Franca de Manaus, da Suframa e dos agentes financiadores BASA e BNDES vai permitir um desenvolvimento sustentável, que provocará a melhora da qualidade de vida da população local.

O que o senhor tem a dizer sobre a criação de um pólo petroquímico em Manaus ?
Eu acho que isso é positivo. É claro que naquilo que depender das empresas estatais eu acho que elas têm que disponibilizar recursos na forma de investimentos. No que depender da iniciativa privada, nós teríamos que fazer contratos de parceria, até porque aprovamos a lei das Parcerias Público Privada.

Como o pólo petroquímico influenciaria na relação com a Colômbia e a Venezuela que também atuam nesta área ?

Ele seria uma excelente oportunidade para ampliara nossa força econômica em uma área em que somos fortes. Seria a conseqüência imediata do gasoduto e da exploração de petróleo. Isso potencializaria a autosustentabilidade da região, o que é muito importante.

No ano passado a Petrobras pagou royalties de R$ 37 milhões para o município de Coari. Em sua opinião o que deve ser feito para que esses recursos cheguem à população mais carente?

As riquezas que passam pelos municípios produtores de gás e petróleo precisam beneficiara sociedade. Por isso que os serviços de saúde, educação e saneamento têm de estar dentro do pacto federativo, em que os Governos federal, estadual e municipal precisam atuar conjuntamente. Nós temos que fazer convênios para viabilizar os investimentos sociais nessas regiões produtoras, para que o progresso mude a vida das pessoas para melhor. A riqueza tem que ser para todos.

O Estado do Amazonas tem sérios problemas de saneamento. Como resolver esta questão?

Na área de saneamento, como há uma grande debilidade de recursos orçamentários, nós temos que viabilizar contratos de concessão. Com a contrapartida de retorno financeiro e de qualidade devida. Eu acho que esse é o caminho que pode nos ajudar a resolver esse grave problema que é a falta de saneamento básico.

Mas como convencer os empresários a investir em cidades tão longínquas?

Se as empresas investirem nas cidades de grande e médio porte sobra dinheiro para o poder público investir nas cidades de menor potencial de retorno. Nós somente conseguiremos resolver o problema da falta de saneamento quando houver parceria entre os recursos privados e público.

Por quê o governo investe pouco na biodiversidade amazônica?

Em relação a biodiversidade da região amazônica nós deveríamos ter uma política mais clara, mais ofensiva para privilegiar a pesquisa, apoiada nas universidades e nos institutos de pesquisa para garantir parcerias com o poder público e com a iniciativa privada.

Temos condições de competir internacionalmente na área?

Nós não temos condições de competir no mundo e nem de defenderas nossas potencialidades sem o desenvolvimento tecnológico autônomo. Um País como o Brasil não pode deixar de ter nichos próprios de desenvolvimento científico.

Como o Governo pode resolver o problema da grilagem de terras na Amazônia?

Na Amazônia tem muita terra. Tem que haver uma regulamentação e demarcação criteriosa para acabar com esses conflitos em torno da posse da terra.

LÍDER
Da selva à liderança do PT

De guerrilheiro destemido das selvas do Pará a hábil negociador. José Genoino é respeitado pela astúcia e a capacidade de articulação. Companheiro de primeira hora do também ex-guerrilheiro José Dirceu, hoje ministro da Casa Civil, ele se transformou num dos principais quadros do partido ao longo dos últimos 25 anos. Responsável pela costura política nacional, Genoino defende que o PT faça composições com outros partidos para garantir a reeleição do presidente Lula, seu principal objetivo estratégico. No Amazonas defende que o partido se mantenha atuante nas duas administrações: Prefeitura de Manaus e Governo Estadual. "Temos um excelente relacionamento com o prefeito Serafim (Corrêa) e com o governador Eduardo Braga". Mas engana-se quem pensa que o PT permanecerá passivo e sem candidato próprio depois das eleições de 2006. Genoino sustenta que depois da reeleição de Lula, novas lideranças deverão surgir no seio do partido. Experiente, ele parece servira dois senhores no Amazonas, mas quem o conhece sabe que a sua atitude é para manter unida a militância em torno daquele que ocupa a mais importante cadeira do País no Palácio do Planalto. Quem sobreviveu à guerrilha na selva, à tortura e à prisão dos "anos de chumbo", sabe se manter sob fogo cerrado sem tombar.

Perfil
José Genoino
Idade: 59 anos
Experiência: Entrou para a vida política em 1968, como líder estudantil. Nos anos 70 participou da guerrilha do Araguaia. Capturado pelo Exército ficou preso por cinco anos. Foi anistiado em 1979. Deputado Federal por SP durante 20 anos. Candidato a governador em 2000. É presidente do PT desde 2002.

A Crítica, 03/04/2005, Política, p. A6

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