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Só 1% das indústrias reutiliza água

OESP, Cidades, p. C5
05 de Jan de 2005

Só 1% das indústrias reutiliza água
Reutilização para fins menos nobres, como lavar chão, liberaria para abastecimento mais de 1,65 bilhão de litros por dia no País

Laura Diniz

Se todas as indústrias brasileiras reutilizassem a água que compram das concessionárias, liberariam cerca de 1,65 bilhão de litros por dia, suficientes para abastecer constantemente 8,2 milhões de pessoas. No entanto, no Brasil, onde mais de 7 milhões de pessoas ainda não têm água encanada, apenas 1% das indústrias faz o reaproveitamento.
A estimativa foi feita com base em pesquisa da Hidrogesp, empresa especializada em geração, captação e tratamento de água. "A pesquisa apontou que existe um mercado potencial grande para o reúso. Oito por cento das indústrias já entendem que é caro comprar água das concessionárias, é caro pagar o serviço de esgoto e é preciso parar de jogar esgoto no córrego", diz o diretor-geral da Hidrogesp, Antônio Cláudio Lot.
Na indústria, pode-se reutilizar a água descartada no processo de produção em atividades secundárias. A água que sobrou da fabricação de papel, por exemplo, pode ser tratada e reaproveitada para lavar o chão da fábrica e os caminhões. Pode parecer pouca coisa, mas esse uso racional pode reduzir o consumo de água de uma indústria em até 70%.
Foi o que ocorreu com uma grande montadora de veículos de Taubaté, no interior de São Paulo, que passou a comprar apenas 30% do que recebia da Companhia de Água e Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Com isso, liberou um volume de água capaz de abastecer 9 mil pessoas por mês. A economia mensal da empresa varia de R$ 200 mil a R$ 300 mil.
Na região metropolitana de São Paulo, o consumo industrial de água é de 4% do total, que é de 63 mil litros por segundo. As residências são as que mais consomem - 80%. Apesar disso, o impacto da reutilização pode ser maior com a adesão da indústria, que tem mais condições financeiras de investir em equipamentos.
Para condomínios residenciais e comerciais, na maioria das vezes, a reforma para instalar máquinas e tubulações sai tão cara que não compensa. O bom negócio é incorporar o uso racional ao projeto de construção dos prédios.
"Como a tendência é a água ficar cada vez mais cara, o reúso é cada vez mais viável e mais necessário. No futuro, a atividade será incorporada a todas as indústrias ambientalmente corretas", analisa o presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, José Nilson Bezerra Campos. "Os equipamentos ainda são um tanto caros, mas os ganhos ambientais, muito grandes - redução do lançamento de esgotos industriais em rios e córregos, diminuição da captação de águas e aumento da disponibilidade de água tratada para a população."
As concessionárias, como a Sabesp, só oferecem água potável. "Mas por que um shopping vai pagar caro por água tratada para pôr no sistema de apagar incêndios? Por que uma indústria vai querer água tratada para lavar pneu de caminhão?", questiona Lot.
Consciência de bolso
As empresas de saneamento não têm condições de oferecer águas em diferentes níveis de tratamento, porque ficaria muito caro construir outra infra-estrutura de distribuição - para não misturar água potável e de reúso. "Como não poderia ser diferente, a prioridade das empresas de saneamento é levar água aonde ainda não tem", afirma o engenheiro.
"Até pouco tempo, as indústrias tinham água farta. Quando começou a faltar, surgiu a necessidade de uma nova abordagem da gestão de recursos hídricos", diz o engenheiro José Carlos Mierzwa, coordenador de projetos do Centro de Referência em Reúso de Água (Cirra), da Universidade de São Paulo (USP). No fim dos anos 90, foi estabelecido em lei que a água deixaria de ser um bem livre e passaria a ser cobrada. Segundo Mierzwa, em algumas bacias há regulamentação da cobrança e já se paga pela água.
"O interesse da indústria pelo reúso cresce desde essa época, em que se começou a falar de cobrança. Ao mesmo tempo, em 1996, veio a ISO 14001, que trouxe uma preocupação ambiental às empresas. Uma das principais metas é a redução do consumo de água", diz o coordenador. O porcentual de empresas que instalam sistemas de reúso ainda é pequeno, mas há um crescimento no mercado. Recentemente, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) lançou um manual para incentivar a prática.
A Sabesp tem um estudo que confirma essa perspectiva. "Estimamos que, este ano, a demanda de grandes indústrias por água de reúso será da ordem de 700 litros por segundo. É um mercado potencial muito grande", afirma a analista de Marketing da Sabesp, Eliane Florio.
A pesquisa empírica, sem caráter científico, foi feita em 2003 e 2004, por técnicos da Hidrogesp, com apoio de profissionais da USP e da Unicamp. Foram ouvidas de três a quatro grandes empresas dos setores metalúrgico, automobilístico, papel e celulose, alimentos, bebidas, químico e outros

Condomínio tem redes de água tratada e reaproveitada
Laura Diniz
O reaproveitamento de água fará parte da vida de todos os moradores do condomínio Valville, em São Paulo, a partir deste ano. O condomínio foi construído com duas redes de água: a potável e a de reúso. Todas as casas são obrigadas a instalar reservatório independente e rede interna para o reaproveitamento de água na descarga dos banheiros, que custa cerca de R$ 2 mil. "Estimamos que isso vá reduzir o consumo de água em 30% no mês para cada família", diz Anselmo Moraes Neto, diretor de planejamento da Valville Empreendimentos.
A entrada em operação da estação de tratamento do condomínio, que custou cerca de R$ 400 mil, depende da movimentação de grande volume de água. "Agora há 10 famílias morando lá. Até o fim do ano, serão 40 famílias, daí o sistema vai começar a funcionar."
Além das casas, a água também será reaproveitada em atividades do próprio condomínio, como para lavar as ruas e irrigar jardins e gramados. Segundo Moraes, "há um interesse econômico na reutilização, mas o objetivo é essencialmente ambiental. É uma questão de consciência. Se tudo fosse assim em São Paulo, a gente nadaria no Rio Tietê."
Para o presidente da Associação Brasileira das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios (Aabic), Claudio Anauate, o reúso é "maravilhoso" se estiver incorporado à construção, mas adaptar um prédio para isso é "inviável".
Nos prédios residenciais, pode-se reutilizar a água do chuveiro, dos lavatórios e da máquina de lavar roupas para descarga de banheiro e lavar pisos. Os equipamentos custam de R$ 70 a R$ 100 mil e a economia de água é de cerca de 30%. Nos prédios comerciais em que há ar-condicionado central, a economia pode chegar a 50%. Além das descargas, a água pode ser reaproveitada no resfriamento das torres de ar.
Nos projetos que orienta, o engenheiro José Carlos Mierzwa, do Centro de Referência em Reúso de Água (Cirra), da Universidade de São Paulo (USP), recomenda a colocação de corante orgânico na água. "Se a pessoa abre a torneira e vê uma água azul, por exemplo, fica mais fácil de identificar que não é potável e tem destinação específica." Além disso, se houver ligação errada e as águas se misturarem, a potável também ficará azul.
Segundo Mierzwa, o reúso é uma tendência mundial e, no futuro, todos devem adotar a medida. No Japão, isso é comum nos prédios. "Essa é a racionalização que a escassez nos obriga a ter. A água de boa qualidade tem de ser usada para fins mais nobres."
"Os prédios podem tomar pequenos cuidados que surtem efeito", diz Anauate. Entre eles, está a troca de válvulas de descargas por modelos modernos, que consomem menos, e a eliminação de pontos de desperdício, como torneiras que vazam.

Números
70% é o se pode reduzir o consumo de água com sistemas de reuso em indústrias
R$ 70 mil é o preço mínimo, em média, dos equipamentos
9 mil pessoas podem ser beneficiadas com água que deixou de ser usada por montadora de automóveis
7 milhões de pessoas ainda não têm água encanada no País

OESP, 05/01/2005, Cidades, p. C5

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