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Sítios pré-históricos seqüestram carbono

FSP, Ciência, p. A12
21 de Fev de 2006

Sítios pré-históricos seqüestram carbono
Pesquisador dos EUA diz que terras pretas da Amazônia podem virar um aliado contra aquecimento global

Ninguém ainda tem certeza sobre como ela surgiu ou por que mantém sua fertilidade fora de série, mas a chamada terra preta da Amazônia, um solo escuro, rico e ideal para a agricultura, definitivamente está capturando a imaginação dos cientistas dentro e fora do Brasil. Para um pesquisador, a terra preta pode até virar um aliado na luta contra o aquecimento global, além de desempenhar papel importante na conservação dos nutrientes do solo.
Antes de conseguir esse objetivo ambicioso, porém, é preciso entender como esse solo nasceu, e esse foi o tema da apresentação do arqueólogo brasileiro Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, durante o encontro da AAAS em Saint Louis. Neves resumiu os últimos achados de seu trabalho nas vizinhanças de Manaus.
Está claro, segundo ele, que as manchas de terra preta -pequenos pedaços de solo fértil em meio à terra pobre e ácida que domina grande parte da Amazônia - acompanham o curso dos rios e são um resultado mais ou menos acidental do aumento da ocupação humana na região. Isso porque esse tipo de solo muito provavelmente se formou a partir do acúmulo de matéria orgânica (lixo doméstico e agrícola) dos assentamentos amazônicos.
A terra preta seria um subproduto da criação de aldeias com população relativamente densa na Amazônia Central a partir de uns 2.500 anos atrás. "Isso pode significar que a agricultura talvez nem fosse tão importante para essas aldeias. Os recursos dos rios e a caça talvez fossem mais fundamentais para eles", diz Neves. Só mais tarde é que outras populações indígenas, bem mais perto do presente, passaram a usar a terra preta como um recurso importante para suas plantações.
O esquisito nisso tudo é que, mais de um milênio depois de sua formação, a terra preta retém fertilidade e características originais. "É um troço que não deveria estar lá, na verdade", resume William Woods, da Universidade do Kansas (EUA), que também estuda a questão. Os pesquisadores estão só começando a entender os fatores que fazem da terra preta uma espécie de "solo Duracell", mas uma das pistas parece ser a presença em grandes quantidades de carvão vegetal.
Essa é a teoria de Johannes Lehmann, da Universidade Cornell (Estado de Nova York). Em sua fala, Lehmann propôs que esse material, queimado a temperaturas relativamente baixas (entre 300C e 500C) e de forma "molhada" (ou seja, folhas e galhos que não foram ressecados previamente), seria capaz de reter uma quantidade extraordinária de matéria orgânica no solo.
"Claro que a terra preta não é uma poção mágica, mas ela representa oportunidades muito interessantes nesse sentido", diz Lehmann. Para começo de conversa, argumenta ele, o método de "queima fria e molhada" retém cerca de 50% do carbono que originalmente fazia parte da composição das plantas no solo.
Em comparação, o tradicional método da coivara, que consiste em queimar totalmente a floresta tropical antes de fazer uma plantação, só retém 3% do carbono no chão. Se a vegetação for apenas derrubada e deixada para se decompor no solo, a porcentagem sobe apenas para algo entre 10% e 20% do carbono original.
Para Lehmann, reproduzir esse processo em solos agrícolas contemporâneos, além de melhorar a fertilidade do solo (outros nutrientes, como nitrogênio e fósforo, também são retidos no chão), também ajudaria no balanço de carbono da atmosfera.
Isso porque, segundo seus cálculos, uma versão "simulada" atual da terra preta arqueológica manteria o carbono "seqüestrado" no solo, evitando que ele contribuísse para a intensificação do aquecimento global. Esse elemento, na forma do gás dióxido de carbono, é o mais importante na retenção do calor da Terra na atmosfera, o efeito estufa.
Todos os pesquisadores, no entanto, deixam claro que ainda falta muito para uma simulação realmente convincente da terra preta. Woods, por exemplo, cita evidências de que ela é capaz, de alguma forma, de se auto-renovar. "Isso pode ter algo a ver com a comunidade de micróbios que vive nela", especula.
Já Neves argumenta que parte das propriedades desse solo tem a ver com a interação entre a matéria orgânica e a própria ocupação humana. "Você vê que a terra preta está cheia de fragmentos de cerâmica. Isso mantém a estrutura do solo, impede que ele seja facilmente degradado ou lavado", diz. Seja lá qual for o segredo, parece que vale a pena procurá-lo.

FSP, 21/02/2006, Ciência, p. A12

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