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'Sínodo é um momento propício para soluções', diz climatologista

OESP, Metrópole, p. A23
Autor: NOBRE, Carlos
06 de Out de 2019

'Sínodo é um momento propício para soluções', diz climatologista
Carlos Nobre é um dos 12 convidados que falarão neste domingo, 6, no início da cúpula católica sobre a região amazônica

Entrevista com Carlos Nobre, climatologista do IEA-USP

Giovana Girardi, O Estado de S. Paulo
05 de outubro de 2019 | 16h37

SÃO PAULO - Assim como ocorreu na elaboração de sua encíclica Laudato si', o papa Francisco voltou a recorrer à ciência para entender os riscos atuais à Amazônia. No sínodo que começa neste domingo, 6, pesquisadores brasileiros e estrangeiros estarão lá, entre religiosos, para ajudar a elaborar o texto final que vai sair do encontro. Com o tema Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral, o sínodo deve trazer um posicionamento forte contra a destruição da floresta, mas também pode sugerir soluções com base no melhor conhecimento científico.

Um dos principais climatologistas do País, Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), está no grupo de 12 convidados especiais que terão direito a fazer um pronunciamento de quatro minutos, na abertura.

"O sínodo é um momento propício para não só discutir os riscos, não só revelar a pressão que as populações e floresta vêm sofrendo, mas também passar para o terreno das soluções." Em entrevista ao Estado, ele discute como a religião pode se tornar uma aliada da ciência na defesa de uma Amazônia preservada e desenvolvida.

Carlos Nobre climatologista
Carlos Nobre é um dos 12 convidados que falarão no início da cúpula católica sobre a região amazônica Foto: Alex Silva/Estadão - 25/10/2017
Como será sua participação no sínodo?
Fui chamado dentro de um grupo de convidados especiais, que tem 12 pessoas, e cada uma terá o direito de fazer um pronunciamento, de quatro minutos. Neste grupo estão (o ex-secretário geral da ONU) Ban Ki-Moon, o (economista americano) Jeffrey Sachs (da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU). Essa será a minha participação oficial, mas vou ficar por um semana à disposição.

Qual é a mensagem que o senhor vai passar?
Em um primeiro momento minha intenção era falar dos riscos à Amazônia, mas eu fui um dos revisores do documento preparatório do sínodo e lá já está essa identificação do que está acontecendo, a alta do desmatamento, os riscos para o clima, e os organizadores não queriam que eu repetisse isso, mas lançasse alguma ideia nova. Então eu levo a defesa de que o potencial que existe na floresta, que é a biodiversidade, e o conhecimento das populações tradicionais podem levar a uma nova revolução na economia: uma bioeconomia da floresta em pé. Existe um enorme potencial de usar as tecnologias modernas para isso e desenvolver um novo paradigma que garanta que a floresta vale mais em pé que derrubada. Falo das tecnologias modernas que se tornaram acessíveis, amigáveis para as cadeias de produtos da floresta. E mostro o sentido de urgência que precisa pautar essa discussão. O futuro da Amazônia, das pessoas que vivem lá, depende de abandonarmos o modelo atual que destrói a floresta.

Como essa união da ciência com a religião pode ajudar a lidar com os problemas da região? É uma abordagem que pode ajudar na concepção de um desenvolvimento sustentável?
A igreja, não só a católica, mas também a evangélica, tem uma penetração muito grande na Amazônia, no seio da sociedade, na vida das pessoas da região que, em sua maioria, vivem na pobreza. Um grande potencial inexplorado é a biodiversidade. O fato de a igreja ao menos querem ouvir esse tipo de proposta é positivo. O Brasil quer ser um país de classe média. Como pode conseguir isso? Com a industrialização e com o que temos em abundância, que é a biodiversidade. Vamos juntar isso. Minha intenção é mostrar que podemos inovar, criar uma economia de floresta em pé com altas tecnologias, que podem empoderar a população local em um modelo bioindustrial descentralizado. Já há muitas décadas a igreja defende o direito das populações tradicionais, principalmente as indígenas. O documento que é a base do sínodo mostra um grande respeito pelos valores das populações tradicionais. O sínodo é um momento propício para não só discutir os riscos, não só revelar a pressão que as populações e floresta vêm sofrendo, mas também passar para o terreno das soluções. O papa critica muito o modelo de tecnocracia, em que a tecnologia torna os sistemas econômicos e as pessoas escravas. A nossa proposta é que as populações tradicionais possam ser libertadas por novas tecnologias ao conseguirem extrair valor econômico daquilo que já tem valor cultural para eles.

Que tipo de impacto o senhor espera que o sínodo possa trazer para o momento crítico atual da Amazônia?
Acho que nem o papa Francisco, quando decidiu fazer o sínodo após visitar o Peru e Bolívia, conseguiria imaginar que estaríamos hoje vendo esse recrudescimento do desmatamento e das queimadas em toda a Amazônia e, no caso do Brasil, um discurso político de desrespeito ao direitos e à vontade da maioria dos povos indígenas. Por tudo isso é um momento muito importante. Uma das razões da existência do sínodo é a avassaladora dominância do modelo de substituição da floresta acompanhado da diminuição dos direitos da populações tradicionais. Tira-se a floresta e quem vive da e na floresta. Nesse momento em que a política atual compartilha a visão que floresta não tem valor e que os valores dos povos da floresta não devem ser mantidos, mas integrados aos valores do povos sem floresta, a importância se torna ainda maior.

Há quatro anos, quando o papa lançou a encíclica Laudato si', muitos cientistas que trabalham com mudanças climáticas receberam o texto com a esperança de que uma mensagem vinda do maior líder espiritual do mundo poderia ajudar a trazer um senso de moralidade para a questão. Ir além da ciência e mostrar que há um imperativo moral em combater as mudanças climáticas. Passados quatro anos, o senhor acha que isso fez diferença?
Acho que a Laudato si', ainda que seja um texto religioso, extrapolou sua mensagem para além dos fiéis católicos aos trazer a visão da "nossa casa comum". Acho que sim, fez diferença. A nossa capacidade de comunicar o risco é limitada. Mesmo com todos os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), mesmo com toda a cobertura da impressa sobre os riscos, sobre o papel das atividades humanas, as emissões de gases de efeito estufa (responsáveis pelo aquecimento global), continuam aumentando. Um setor com tamanha penetração na sociedade, que traga, além da preocupação com a qualidade de vida, mas também com o lado espiritual, é um aliado muito importante.

OESP, 06/10/2019, Metrópole, p. A23

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