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Sinal vermelho

O Globo, Opiniao, p.7
Autor: KLABIN, Israel; SALATI, Enéas
19 de Dez de 2005

Sinal vermelho
Israel Klabin e Enéas Salati
O modelo econômico de mercado prioriza o desenvolvimento a qualquer preço em detrimento da preservação do meio ambiente. Este modelo aos poucos está mudando e a idéia de sustentabilidade econômica vem consolidando o tripé no qual o desenvolvimento econômico só tem validade quando é compatível com uma ação ambiental e um benefício social.
As pressões sobre o governo por empresários e por parte da população, que querem aferir lucros de prazo curto, ignoram a importância da preservação das florestas tropicais e de outros ecossistemas fundamentais para a nossa sobrevivência e para que as nossas descendências venham a receber a mesma herança de recursos naturais que nós próprios recebemos.
Os dados utilizados pelo governo para declarações quanto à diminuição das áreas devastadas têm origem científica crível, porém são apresentados de maneira a justificar a eficiência das medidas governamentais com relação à diminuição da devastação florestal da Amazônia, o que não acontece.
Temos necessidade de uma análise mais profunda de causas e efeitos, bem como da maneira que os números são apresentados pelo governo com relação à diminuição da devastação florestal. Assim é que, quando o governo diz que no último ano o desmatamento diminuiu 30% com relação ao período anterior, a leitura correta dos dados seria a de que a devastação do último ano foi idêntica à média da década de 1990, quando o desmatamento atingiu a sua maior virulência. A diminuição de 30% sobre aquela plataforma significa apenas que nos últimos anos, devido a condições econômicas favoráveis, a invasão da atividade antrópica (feita pelo homem) na floresta tropical devastou-a de forma nunca vista. Portanto, essa diminuição é ilusória.
Note-se que o desmatamento da Amazônia é um fenômeno dos últimos 35 anos, tendo atingido um total da ordem de 600 mil km², quase 20% da floresta amazônica brasileira, um território maior do que a França. A melhor ciência nos indica que, caso esse desmatamento continue, ao atingir cerca de 30%, o fenômeno de desmatamento antrópico induzirá mudanças sérias no equilíbrio ecológico da região e de outras áreas da América do Sul.
Acabamos de conviver com um fenômeno muito raro na Amazônia, ou seja, uma seca induzida muito possivelmente por mudanças climáticas ocasionadas pelo próprio homem.
O desmatamento fez com que o Brasil ficasse entre os maiores emissores de gases de efeito estufa, o que poderá mudar sua posição de beneficiário de país não Anexo 1” no Protocolo de Kyoto, ou seja, ao invés de vendedor de crédito de carbono, seremos forçados a virar compradores. Esse será um prejuízo gigantesco para o Brasil, não apenas em termos financeiros, mas também em relação à nossa capacidade de negociações com os países do Anexo 1, que possivelmente se desinteressarão por grandes projetos de desenvolvimento sustentável em que o Brasil concorreria em melhores condições do que qualquer outro país.
O que fazer:
1. a sobrevivência requer alguns remédios drásticos, e entre eles o mais aconselhável seria uma moratória, evitando o corte raso das florestas tropicais, acoplada a uma implementação de um programa de manejo sustentável das florestas.
2. ao mesmo tempo seria desejável a recuperação das áreas já desmatadas (arco de desflorestamento) com atividades florestais e agrícolas condizentes com o ecossistema, tal como reflorestamento com palmáceas para produção de biodiesel, associada à recuperação de matas nativas. Esta seria a maior fronteira que o Brasil poderia criar para um desenvolvimento social baseado em modelos de propriedade que levassem ao desenvolvimento fundiário sustentável, à fixação do homem ao solo e à necessidade de uma reforma das políticas agrárias.
3. estudo aprofundado sobre o impacto ambiental sobre a floresta amazônica das obras de infra-estrutura para lá projetadas, tais como estrada, energia etc.
4. zoneamento econômico-ambiental de toda a área periférica amazônica, a fim de estabelecer trincheiras de proteção à penetração predatória.

ISRAEL KLABIN é presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. ENÉAS SALATI é diretor-técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável.

O Globo, 19/12/2005, p. 7

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