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Sinais de alerta no sul do Pará

Agência Estado-S. Paulo-SP
05 de Nov de 2003

O desenvolvimento sustentável é possível ou predominará a histórica lógica da destruição e violência ? Os prejuízos ambientais, sociais e políticos da ocupação desordenada, na região, justificam uma atuação rápida e decisiva do Governo Federal.

Em 1991, dois colegas e eu passamos três meses no sul do Pará, documentando a exploração de mogno. Entrevistamos gerentes e donos de serrarias, operários da exploração e realizamos inventários florestais em áreas exploradas. São Félix do Xingu, Redenção, Tucumã e Xinguara foram nossas bases de apoio. Foram três meses de admiração e angústia.

Era minha primeira vez no coração de florestas, ainda pouco perturbadas pelo homem moderno. Fiquei maravilhado pela diversidade da paisagem e pela riqueza da fauna e flora da região. Como um recém-graduado em engenharia florestal, estava diante do desafio de entender essa paisagem. Montes rochosos afloram em meio ao terreno plano, quebrando a rotina do horizonte. O encontro de zonas climáticas diferentes (clima mais seco ao sul e mais chuvoso ao norte) molda a formação de vários tipos florestais, incluindo florestas densas com alta densidade de palmeiras e castanheiras, florestas abertas com árvores majestosas como cedrorana, jatobá e mogno.

Em cada sítio, a variação topográfica e de solo resultavam em grande variedade de agrupamentos de plantas - zonas mais baixas, com solo arenoso e úmido dominadas por palmeiras e árvores de mogno, zonas mais secas e de solo raso dominadas por árvores de pequeno porte. Bandos de araras, tucanos, papagaios e outros pássaros conduziam a sinfonia da floresta. A movimentação de pacas, cutias e as pegadas de onças, veados e antas indicavam a riqueza da fauna terrestre.

A angústia surgiu da constatação de como a região estava sendo cruelmente ocupada. Recursos como mogno, terras, jaborandi e ouro estimulavam uma corrida feroz de forasteiros. No caso de mogno, exploradores usando aviões mapeavam as zonas de ocorrência da espécie em terras públicas devolutas e indígenas (com ou sem consentimentos dos índios). Depois, enviavam equipes, que derrubavam as árvores e demarcavam trilhas indicando sua localização. Esse "mapa da mina" era então vendido a empresas, que abriam estradas para extrair a madeira.

Até 1992 os madeireiros abriram quase 3.000 quilômetros de estradas na região. Ouvimos vários relatos sobre os enfrentamentos armados entre as gangues de empresas e exploradores, que disputavam a corrida pelo mogno, nessa fronteira sem lei. O acesso a várias destas estradas era controlado por jagunços em barreiras. Éramos freqüentemente alertados sobre o perigo, que corríamos fazendo a pesquisa.

Impressionava como um grupo pequeno de empresas - 24 empresas serravam 90% do mogno explorado - saqueava as riquezas ao mesmo tempo em que estabelecia as condições para um destino sombrio para a região. Até 2001, o governo tentou - mas não conseguiu - parar a exploração de mogno ilegal. Nesse período, quase todo o mogno da região foi explorado.

A ocupação desordenada e criminosa, promovida por várias dessas empresas, têm imposto enormes custos sociais, econômicos, ambientais e políticos ao país. Por exemplo, as estradas eram e têm sido ocupadas por posseiros e grileiros, pressionando o Governo Federal a criar assentamentos oficiais agrícolas em áreas ilegais (como terras indígenas), economicamente prematuros (em regiões distantes do mercado, sem infra-estrutura e serviços adequados) ou ambientalmente inadequados (em áreas prioritárias para preservação). O desmatamento e fogo proliferam ao longo das estradas mais próximas dos mercados. Órgãos federais como Incra, Ministério Público e Funai têm sido chamados a resolver situações dramáticas como retirar as milhares de famílias, que ocuparam terras ao longo de uma estrada madeireira aberta ilegalmente em terra indígena, no município de Uruará.

Com o passar do tempo, a ocupação ilegal parece ganhar legitimidade, até porque parte da elite política local surge, em parte, dos invasores mais bem sucedidos. Há um mês, o Ministério da Justiça homologou um polêmico acordo que aceitou excluir cerca de 307 mil hectares da Terra Indígena Baú, em processo de demarcação, devido à pressão de fazendeiros e posseiros. O acordo foi criticado por defensores de direitos indígenas como o Conselho Indígena Missionário (Cimi) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). O Ministério Público Federal do Pará questiona essa decisão.

Nos últimos três anos, o Governo Federal obteve algumas vitórias parciais na guerra para impor civilidade ao desenvolvimento da região. A exploração de mogno foi paralisada e parte da madeira apreendida foi doada para comunidades e índios. Em nove meses de 2001, 968 trabalhadores escravos, que trabalhavam em desmatamentos na região, foram liberados e indenizados.

Entretanto, os sinais da barbárie continuam na região. No mês passado, oito pessoas foram mortas supostamente pela disputa de posse de terra em uma fazenda a 180 Km de São Félix do Xingu. Esse foi mais um evento dentre outros reportados na imprensa. Mas a situação pode se agravar ainda mais. Primeiro, a perspectiva de asfaltamento da rodovia Cuiabá-Santarém tem aumentado o interesse em ocupação de terras. Além disso, o esgotamento de madeira nas florestas ao leste da região (Redenção, Marabá e Xinguara), tem forçado a migração da exploração para o oeste entre o rio Xingu e Novo Progresso.

Para que ocorra um desenvolvimento equilibrado e sustentável dessa região serão necessárias intervenções governamentais estratégicas, coordenadas e duradouras. Primeiro, é necessário desarmar a região dando espaço para o diálogo. Segundo, é preciso parar a expansão da ocupação desordenada combatendo a abertura de estradas ilegais. Terceiro, é necessário estabelecer - com base em critérios científicos (incluindo, potencial para uso agrícola, florestal e biodiversidade) e demandas legítimas da população regional - os melhores usos para as terras da região. O zoneamento do uso do solo certamente incluiria a demarcação de terras indígenas, criação de outras unidades de conservação para usos sustentáveis de recursos florestais e destinação de parte das áreas com potencial agrícola para tal fim.

O Governo Federal já possui pelo menos três documentos para iniciar um zoneamento da ocupação da região. O primeiro produzido em 2000, coordenado pelo atual Secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, indica os níveis de prioridade para criação de áreas de desenvolvimento sustentável e para proteção da biodiversidade. Outro estudo avalia o potencial para criação de Florestas Nacionais, que são terras públicas passíveis de concessão para a produção de bens e serviços, mediante o pagamento de royalties. Um terceiro, entregue ao Governo Federal no final de 2002, mas ainda não liberado para o público, propõe a criação de unidades de conservação para uso direto (produção de bens e serviços em florestas nacionais) e para uso indireto como parques.

Enfim, os prejuízos ambientais, sociais e políticos da ocupação justificam que o governo atue rápida e decisivamente no sul do Pará. Do contrário, a ocupação a ferro, chumbo e fogo continuará impondo custos e denegrindo a imagem do Estado brasileiro e angustiando aqueles que desejam um desenvolvimento sustentável da região

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