VOLTAR

Setor de celulose faz parceria com pequenos

FSP, Dinheiro, p.B10
18 de Jan de 2005

Empresas "terceirizam" produção de eucaliptos, evitando necessidade de adquirir novas florestas para se abastecer
Setor de celulose faz parceria com pequenos
Marcelo Pinho
Do painel S.A.
Para escapar do custo, social e econômico, de comprar de novas terras, e ainda evitar o desabastecimento no futuro, as empresas de papel e celulose apostam em parcerias com pequenos e médios proprietários no plantio de árvores de eucalipto.
Nos próximos quatro anos, as empresas pretendem triplicar a participação das parcerias no total da produção do setor, segundo o presidente da Bracelpa (Associação Brasileiras das Empresas de Papel e Celulose), Osmar Zogbi. Atualmente, a produção é pequena, apenas 10% do total.
"Hoje existe um déficit de 550 mil hectares de florestas por ano no Brasil em todos os setores consumidores de madeira. Como as empresas de papel têm projetos de ampliação de produção, a tendência é a de esse descasamento crescer. O fomento [parceria] é uma das formas de equilibrar essa balança", disse Ézio Lopes, coordenador de fomento da Cenibra.
Depois da instalação de fábricas de papel e celulose em regiões como Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia, o preço das terras, em alguns casos, triplicou em poucos anos. Como a plantação de eucaliptos leva no mínimo seis anos para começar o corte, as empresas preferem liberar parte de seus investimentos para parcerias.
"O fomento é uma excelente opção para usar os recursos que seriam imobilizados em terras no investimento na produção, por exemplo", diz Lopes, da Cenibra.
Segundo estimativa do gerente regional de florestas da Aracruz, Marcelo Ambrogi, não precisar comprar terras pode liberar até US$ 93 milhões para a empresa. "É um valor considerável, que pode ser usado como investimento em novas fábricas ou terras", diz.
A Aracruz pretende expandir sua base florestal basicamente por meio das parcerias. Para isso, vai aumentar triplicar a participação das parcerias no total produzido.
"Fomento"
As parcerias, chamadas no meio de fomento, incluem fornecimento de equipamentos, estudos topográficos, mudas, em alguns casos aval para empréstimos bancários ou adiantamentos de parte do valor a ser pago pelas árvores.
Em contrapartida, as empresas recebem quase a totalidade da produção desses parceiros para abastecer suas fábricas. Desse total, descontam o valor adiantado aos produtores como apoio.
De acordo com o vice-presidente da ABTCP (Associação Técnica das Empresas de Celulose e Papel), Celso Foelkel, as empresas decidiram apostar no fomento também por conta de limitações legais, como a imposta por municípios capixabas após a instalação da Aracruz na região. A decisão limitou o avanço dos eucaliptos no Estado, o que levou a empresa, diz ele, a diversificar seu fornecimento de madeira com os parceiros.
Mas para o presidente da Bracelpa, Osmar Zogbi, a principal razão para o incentivo é o aspecto social. As parcerias, segundo as empresas, ampliam a renda dos proprietários, geram empregos, servem como política de boa vizinhança e contribuem para a preservação ambiental.
Luis Cornacchioni, gerente de florestas da Suzano, afirma que os custos financeiros de fomentar e o de possuir florestas próprias são semelhantes, mesmo com a necessidade de os agricultores devolverem, sob a forma de madeira, o valor que lhes foi adiantado.
"O investimento para começar uma floresta é muito alto, quase US$ 1.000 por hectare. Além disso, nós pagamos pela madeira que na floresta própria seria muito mais barata. No fim, fica empatado", disse Cornacchioni.
Estabilidade
Segundo as empresas e proprietários ("fomentados"), uma vantagem do sistema é a estabilidade. Na maioria dos casos, um acordo é firmado segundo o qual o agricultor fica obrigado a vender em torno de 95% de sua produção para a fábrica que o apoiou.
O preço pago, segundo os produtores, é cerca de a metade do que receberiam se vendessem no mercado. Entretanto, frisam que o negócio é válido, em razão da certeza de que receberão em dia.
Essa estabilidade, segundo Cornacchioni, da Suzano, impede que a empresa sofra no futuro com a falta de madeira. Celso Foelkel, da ABTCP, diz não haver risco de faltar madeira para as empresas do setor.
Segundo ele, o setor consome basicamente florestas próprias e de parceiros, como dos fomentados. O planejamento de longo prazo, segue, contribui para essa segurança. "O fomento é mais uma das maneiras que as empresas têm para evitar a falta no futuro." Já setores como o moveleiro e de cerâmicas, diz, pecaram, entre outros, pela falta de planejamento e hoje precisam pagar altos valores por madeira.

Vantagem é previsibilidade, diz agricultor
Há 30 anos na região, o fazendeiro Leodônio Ferreira, 62, foi um dos primeiros participantes da parceria entre a Suzano e os moradores dos arredores da fábrica em Mucuri, sul da Bahia.
"Eu vendi uma parte da minha fazenda na época da vinda da Bahia Sul para cá, porque sabia que a região iria se beneficiar", conta Ferreira, que começou a plantar eucaliptos há 11 anos, cansado das variações de preço dos produtos que plantava, como mamão, cana, abóbora e feijão.
Ferreira não se queixa do preço pago pela madeira -segundo ele, cerca da metade que conseguiria se vendesse no mercado. "A vantagem é que eu sei quando e quanto vou receber", afirma.
"Eu já tive atividades mais rentáveis que o eucalipto, como a cana, mas os usineiros atrasavam os pagamentos, quando não davam calote", conta o fazendeiro.
Mas Ferreira não dedica integralmente sua terra ao plantio dos eucaliptos. Quase a metade ele reserva ao gado, para a piscicultura e à criação de avestruzes, que chegam a custar R$ 4 mil cada uma. Com dois filhos formados e duas a caminho da formatura, ele atribui sua prosperidade ao eucalipto. "O que a gente tem aqui foi graças ao eucalipto."
Desconhecimento
"Cansei de ficar em cima do trator chorando, pedindo uma solução a Deus", diz Ênio Teixeira, 57, há 25 anos no sul da Bahia.
Antes de cultivar eucaliptos, Teixeira, como tantos na região, se dedicava à lavoura (melancia, abóbora e mamão). Mas diz que o dinheiro da venda dos produtos "mal dava para pagar as contas".
Teixeira começou o cultivo de eucalipto com 36 hectares. Com o apoio "da firma", ampliou a área para os atuais 220 hectares.
Com o dinheiro do adiantamento, recebe cerca de R$ 15 mil por mês. "Com a roça, se desse R$ 1.200 era muito", afirma.
Sobre o fato de o cultivo de eucalipto não demandar muita atenção, o agricultor diz sentir saudades da roça. "A gente sempre tinha alguma coisa para ver. Agora, eu até esqueço do eucalipto. Outro dia vieram aqui para me dizer que a gente tinha de cortar e eu nem me lembrava."
O jornalista Marcelo Pinho viajou a Mucuri a convite da Suzano

Produção de eucalipto gera pouco emprego
O principal problema das parcerias no setor, apontam os ambientalistas, está na baixa geração de empregos.
"O eucalipto para celulose não requer muita atenção: basta um trabalhador para cada 15 ou 20 hectares. Às vezes, essa taxa sobe para um trabalhador a cada 30 ou 40 hectares", afirma o ambientalista Marcelo Calazans, da Rede Deserto Verde, organização contrária à expansão da "monocultura do eucalipto".
O presidente da Bracelpa, Osmar Zogbi, discorda e afirma que a presença de trabalhadores é intensa. As fábricas do setor, diz, empregam 100 mil trabalhadores, e as florestas, outros 30 mil.
Em visita a três propriedades no sul da Bahia, a Folha encontrou poucos trabalhadores. Em uma delas, havia apenas um empregado, que, conforme o proprietário, "olha o terreno". Sobre o caso, Zogbi disse que deveria se tratar de um recorde e que a produtividade deveria ser baixa. Segundo a Suzano, a quem o terreno está vinculado, a produtividade é alta.
As empresas se defendem citando atividades como a pecuária e a soja, que, apontam, empregam menos do que o eucalipto.
Para Calazans, outro risco é a formação de monoculturas. "Os rios da região vão desaparecendo, os peixes desaparecem e a fauna e a flora são prejudicados." Suzano, Cenibra e Aracruz respondem afirmando que todos os parceiros são estimulados a plantar, além do eucalipto, outras culturas.
O professor de engenharia florestal da Universidade Federal de Viçosa (MG), Sebastião Valverde, diz que as empresas respeitam as determinações legais, como formação de reservas ambientais. Essa prática, diz, elas levam aos parceiros também.
Já Henri Acselrad, professor do Instituto de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, avalia que as parcerias criam vínculo de dependência do agricultor com a empresa e não com o campo. "Com o tempo, o solo tende a se esgotar e perder valor drasticamente. O proprietário será mais um excluído nas cidades."
O prejuízos à terra dividem opiniões. Segundo Acselrad, ambos os lados apresentam estudos para comprovar os males ou os mitos relacionados ao eucalipto. (MP)

FSP, 18/01/2005, p. B10

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.