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Sertanista Sydney Possuelo critica contato da Funai com índios isolados no Acre: "eles vão morrer e desaparecer"

Amazônia Real- http://amazoniareal.com.br
Autor: Kátia Brasil
11 de Ago de 2014

Um dos maiores sertanistas brasileiros, Sydney Ferreira Possuelo projetou um cenário sombrio e fez críticas em entrevista à agência Amazônia Real sobre o recém contato da tribo desconhecida com índios ashaninka da aldeia Simpatia e servidores da Fundação Nacional do Índio, no mês de junho, na fronteira do Acre com o Peru.

"O que vão fazer agora? Vai vir a doença, eles vão morrer e vão desaparecer. É isso que vai acontecer. Quando criei o sistema de proteção aos povos indígenas foi exatamente para evitar o contato, demarcar o território e deixar eles lá, quietos", diz Sydney Possuelo que, a pedido da reportagem assistiu aos dois vídeos divulgados nas redes sociais, um pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e o outro pelo blog do jornalista Altino Machado. As imagens do contato da Funai geraram grande curiosidade no mundo, sendo acessadas por mais de 4 milhões de pessoas na internet.

O sertanista Sydney Possuelo, 74, começou a trabalhar com as etnias indígenas brasileiras aos 17 anos nas expedições dos irmãos Orlando (1914-2002) e Claudio (1916-1998) Villas-Bôas no Parque Nacional do Xingu. Nos 43 anos em que trabalhou na Funai fez contatos com nove povos indígenas isolados, foi presidente do órgão de 1991 a 1993 e responsável pela demarcação da Terra Indígena Yanomami, que enfrenta a pior crise com a invasão de garimpeiros no território.

Na Amazônia, Possuelo fez contatos com os povos arara, no Pará, e korubo, no Amazonas. Ele viu muitos índios morrerem depois de contraírem doenças como gripe e tuberculose transmitidas por não-índios. À frente do Departamento de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, criou e implantou a política de proteção das etnias com o objetivo de não fazer a aproximação, mas sim demarcar suas terras e estabelecer um sistema de vigilância territorial.

Em 2006, o sertanista foi demitido do Departamento de Índios Isolados depois de criticar o então presidente Mércio Pereira Gomes, que disse em entrevista que "os índios brasileiros têm terras demais". Sydney Possuelo, uma nato defensor dos indígenas, se indignou e comparou o presidente aos madeireiros e garimpeiros da Amazônia.

Amazônia Real - A Funai diz que o contato aconteceu porque os indígenas procuraram estabelecer a aproximação. Como o senhor avalia isso?

Sydney Possuelo - O que vão fazer agora? Vai vir a doença, vão morrer e vão desaparecer. É isso que vai acontecer. Quando criei o Departamento de Índios Isolados, criei sistema de proteção aos povos indígenas exatamente para evitar o contato, demarcar o território e deixar eles lá, quietos lá.

O que fizeram? Fecharam a base do Xinane em 2011 e não abriram mais. Acabaram com o Departamento, tiraram todos os antigos sertanistas, não tem mais sertanista na Funai. Contrataram um monte de rapaz para trabalhar na Amazônia. É um formado em biologia, outro em geografia, um outro ficou de saco cheio de viver em São Paulo. A Amazônia não é assim. As pessoas que vão para a região são diferentes. É uma região para o amazônida, aquelas pessoas que conhecem o sertão, que tem amor pelo sertão, é quase um índio.

AR - Na sua opinião então, não deveria ter acontecido o contato?

Sydney Possuelo - Não é uma questão de opinião. É por isso que esse país é escunhambado desse jeito. O Departamento de Índios Isolados tem normas publicadas no Diário Oficial da União. Está lá o que se deve fazer. Ver se eles foram consultar as normas, nada mais.

AR - Depois do contato, sete índios isolados contraíram gripe. Os dois vídeos divulgados mostram imagens deles pegando roupas usadas de indígenas ashaninka. O senhor viu os vídeos?

Sydney Possuelo - Sim. A gripe você carrega mesmo estando sadio, com saúde. Não precisa espirrar, mas transmite. Então se é assim, por que fazer o contato? Dos males o menor. Há anos eles (o grupo isolado) estão passando nas malocas dos ashaninka daquela mesma forma.

Quem é que tem a experiência com índios isolados naquele grupo (de servidores)? Diz aí, tem alguém lá naquela turma? O mais velho é o Meirelles (José Carlos), que é agora do Governo do Acre, que se meteu numa coisa que a Funai tem norma e não obedece. O José Carlos Meirelles fez contatos com quais índios? Ele não tem experiência, ele foi para o lugar para pescar. No vídeo alguém diz isso. Uma coisa é você cuidar de um grupo de 100 a 200 índios e passar por vários surtos de doenças, que eles passam. Você tem o dispositivo do que fazer. Então, me perdoe o Meirelles que está lá, mas ele pode ter experiência nas caçadas, nas pescarias, mas em cuidar de índios ele não tem, nunca fez um contato com índios.

AR - E daqui pra frente qual é a perspectiva de sobrevivência para esse povo denominado ainda como o povo do rio Xinane?

Sydney Possuelo - Mesmo estando de fora, sem ter visto a situação, sem saber as pessoas que estão lá, a coisa é clássica. Os contatos vão se estreitar mais, aí um vai dar uma bolacha, outro vai levar um pacote de açúcar, um vem atrás de uma camiseta. A tendência é isso. Por causa dessas porcarias, que para eles é uma coisa interessantíssima, uma novidade, eles acabam perdendo a língua, perdendo a saúde, desgraçadamente é isso que acontece.

No Vale do Javari (no Amazonas) é a mesma situação. Não tem um tostão para a assistência indígena. O Beto Marubo me ligou, dizendo que não tem comunicação, não tem dinheiro. O grupo maior dos korubo, vai ser a mesma coisa. O governo do Amazonas que não se meta também, me faça um favor. Existe uma falta total de responsabilidade com os índios. Se o contato acontecer vão morrer, como morreram tantos outros.

E quem responde por isso? O chefe da Frente, o chefe do Departamento, o Presidente da Funai? Ninguém é responsável por nada. Vai morrer e estava escrito nas estrelas. Então é lastimável.

AR - Mas a política determina o plano de contingência e se fizer a vacinação do povo inteiro não vai protegê-lo das doenças?

Sydney Possuelo - Aquela região é uma área de fronteira. Uma área com um outro lado que tem os mesmos problemas do Brasil. Tem narcotraficantes, tem madeireiros, só que lá tem é mais movimento, mais acharques. Nessa regão os índios sempre passaram de um lado para outro quando acontece um entreveiro com madeireiro. E fica assim, nesse vai e vem porque não tem fronteiras para eles.

Eu lamento porque a sorte desse pessoal será terrível como sempre foi, agora não vai ser diferente.

* A reportagem da agência Amazônia Real procurou a assessoria de imprensa da Funai para comentar as críticas do sertanista Sydney Possuelo, mas o órgão disse que responderia as perguntas nesta terça-feira (12) quando fará uma coletiva de imprensa em Brasília, transmitida ao vivo pela TV NBR do governo federal.

Procurada pela reportagem, a assessoria do governo do Acre informou que o sertanista José Carlos Meirelles está em viagem no rio Envira, no interior do estado, e por isso não poderia comentar as declarações de Sydney Possuelo. A agência Amazônia Real publicará a resposta de Meirelles assim que a assessoria enviar sua resposta.

O sertanista José Carlos Meirelles trabalhou por mais de 40 anos na Funai pelo Departamento de Índios Isolados e foi coordenador da Frente de Proteção Etno-Ambiental do rio Envira, no Acre.

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