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Serra Pelada, o sonho do ultimo garimpo

OESP, Economia, p.B10
24 de Ago de 2004

Serra Pelada, o sonho do último garimpo
Empresa dos EUA acha que ainda há ouro e garimpeiros resistem em sair da mina
Larry Rohter
The New York Times
SERRA PELADA - O ouro que podia ser extraído manualmente, no valor de mais de US$ 1 bilhão, foi explorado há muito tempo. Mas os garimpeiros que ainda permanecem nesse miserável e desamparado canto da floresta amazônica se recusam a abandonar seus sonhos de um outro golpe de sorte.
Há quase um quarto de século, após a descoberta de algumas das maiores pepitas de ouro de que se tem registro, iniciou-se uma corrida do ouro que levou grande riqueza para uns poucos afortunados daqui, com grande sacrifício e sofrimento para os outros. No início da década de 1980, mais de 110 mil garimpeiros afluíram para esse local que, no seu auge, se dizia ser não apenas a única mina de ouro a céu aberto do mundo, mas também a mais violenta e caótica.
Hoje, não mais de 8 mil pessoas moram em Serra Pelada, a maioria garimpeiros que não têm outro lugar para ir ou que não têm recursos para sair daqui. O poço com 90 metros de profundidade do qual ganhavam sua precária subsistência está agora inundado mas, mesmo assim, eles divisam uma sorte grande logo ao dobrar da esquina.
"Faz 20 anos que amargamos, mas agora temos um paraíso à vista", disse com entusiasmo Genésio Donizete, funcionário de uma cooperativa de mineiros daqui. "O governo sabe que este é um barril de pólvora que poderá explodir a qualquer momento e, finalmente, vai fazer a coisa certa para nós."
Donizete estava se referindo a um processo judicial de muitos milhões de dólares que tramita pelos tribunais brasileiros desde 1986. A cooperativa acusa o órgão do governo, que detinha o monopólio legal sobre as compras de metais preciosos daqui, de ter subestimado sistematicamente o grau de pureza do ouro que comprou dos garimpeiros. Com esse subterfúgio, que o governo agora reconhece, uma tonelada de ouro ficou sem registro e acabou virando propriedade do Estado.
Quantidades significativas de platina, prata e paládio, um elemento usado em armamentos e que obtém um preço ainda mais alto que o do ouro, foram também extraídas e vendidas.
Com os juros e ajustes pela inflação, o valor do pecúlio ultrapassou US$ 50 milhões. Embora os tribunais tenham ordenado à Caixa Econômica Federal que pagasse a soma aos mineiros que trabalharam em Serra Pelada no início da década de 1980, a instituição recorreu da sentença repetidas vezes, e os advogados que estão a par do processo dizem que as esperanças dos mineiros daqui são exageradas.
"Serra Pelada é essencialmente um hospital para pessoas infectadas pela febre do ouro", disse Sergio Frazão do Couto, que representou as principais cooperativas de mineiros nos vários estágios do processo. "A produção de ouro secou, mas eles ainda detêm a ilusão de que vão se tornar milionários da noite para o dia."
Em 1992, o governo brasileiro declarou Serra Pelada uma reserva histórica nacional, efetivamente acabando com qualquer possibilidade de garimpagem legal aqui. Mas, em setembro de 2002, o Congresso brasileiro reverteu a decisão e deu aos mineiros o título do poço original e também da área em torno dele.
Luciano Rodrigues Sardinha é um ex-soldador que chegou aqui em 1982, vindo do Iraque onde trabalhou numa obra de construção para uma empresa brasileira. A uma determinada altura, tinha extraído mais de 13 quilos de ouro e, diz ele, tinha recursos para enviar seus filhos para estudar nos Estados Unidos. Mas investiu seus ganhos na mina e acabou perdendo tudo. Ele agora mora num pequeno barraco à beira do poço.
"Na época, cheguei a ter 10 garimpeiros trabalhando para mim, também possuía muitos equipamentos e costumava vir para cá de avião em vez de viajar pela rodovia", lembra Sardinha, agora com 52 anos. "Ainda estou vivo e ainda estou lutando, mas mal consigo sobreviver, portanto, o dinheiro vai fazer uma grande diferença para mim."
Esperanças - Mas não é apenas o dinheiro do governo que está incendiando as esperanças aqui. Recentemente, grupos de mineiros ficaram deslumbrados pelo pagamento inicial de US$ 240 milhões que uma empresa de mineração americana prometeu pelo direito de retomar a prospecção numa área de 100 hectares que os mineiros agora controlam legalmente.
Em junho, a empresa americana, a Phoenix Gems Ltd., de Waterfront, Michigan, assinou um contrato requerendo a retomada da produção aqui lá pelo fim do ano. Embora alguns veteranos duvidem que ainda exista ouro em quantidades suficientes e em locais acessíveis que possa ser extraído com lucro, Brent Smith, o líder do consórcio, fala em 250 toneladas adicionais de ouro.
"Amostras de sondagem e outros documentos indicam que existe uma tremenda quantidade de ouro debaixo do poço original", disse Smith numa entrevista por telefone faltando do quartel-general da empresa nos arredores de Detroit. "O ouro não era extraível manualmente no início da década de 1980, mas por meio das tecnologias atuais e com equipamentos apropriados, acreditamos que podemos retirá-lo."
Porém têm crescido as tensões entre as duas cooperativas rivais que alegam representar os garimpeiros. No final de 2002, por exemplo, o líder de um grupo que é a favor de ampliar a lista de garimpeiros que devem compartilhar do pagamento decorrente de Serra Pelada foi alvejado e morto.
"O dinheiro decorrente da mina obviamente pertence aos donos, mas quem são exatamente os donos? Os garimpeiros. Mas que garimpeiros? Esse é o problema", disse o tesoureiro do grupo, Alexandre Rodrigues.
Diz Smith: "A maioria dos homens estão agora na faixa dos 50, 60 anos e, portanto, velhos demais para se envolverem em atividades de mineração. Eles estão apenas de carona e estarão recebendo royalties originários do que extraímos, pagamentos que durarão indefinidamente enquanto houver produção".
Enquanto esperam pela grande dia do pagamento, alguns garimpeiros estão trabalhando na escória, ou refugos, produzida pelo poço, o que é meio clandestino. Outros plantam os próprios alimentos para sobreviver ou, então, executam tarefas avulsas.
"Esse dinheiro é a nossa aposentadoria e eu não voi partir daqui enquanto não conseguir o meu quinhão", disse Alfio Zucatelli, um eletricista que veio de São Paulo em 1983. "Sofremos infortúnios e humilhações um atrás do outra, e tenho certeza que um dia o governo e o sistema judiciário irão reconhecer isso."

OESP, 24/08/2004, p. B10

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