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Serra Pelada ainda mescla sonho e desventura

Valor Econômico, Empresas, p. B3
01 de Out de 2013

Serra Pelada ainda mescla sonho e desventura

Por Marcos de Moura e Souza
De Curionópolis (PA)

Em abril de 1980, o pernambucano de Araripina Francisco Morais dos Santos migrou para o interior do Pará em busca de ouro. Seu destino foi um local apelidado de Serra Pelada. Santos veio com alguma roupa e um pouco de dinheiro. Tinha 31 anos e, como milhares de aventureiros, se afundou nos anos seguintes num enorme buraco enlameado atrás do seu tesouro. Nunca deu sorte de enriquecer como tantos enriqueceram. O garimpo foi fechado em 1992 e agora o trabalho está sendo retomado. Desta vez, não pelas mãos de garimpeiros, mas por meio de detonações, máquinas perfuratrizes e caminhões fora de estrada.
Serra Pelada não é mais a cava a céu aberto que atraiu 100 mil pessoas de vários cantos do país para o meio do nada há três décadas. Agora, Serra Pelada é uma mina subterrânea com um grupo canadense como principal proprietário. As ações da empresa são negociadas na bolsa de Toronto. Claudio Mancuso, diretor presidente da mineradora Colossus Minerals, dona de 75% do negócio, diz que entre o fim deste ano e o início do próximo a produção começa.
"Há muitas minas de ouro que retiram atualmente um grama por tonelada ou menos do que isso. Ainda estamos tentando definir qual é o teor exatamente, mas sabemos que aqui é muito mais alto do que isso", disse ele ao Valor. Mancuso cita o exemplo do que algumas amostras retiradas pela empresa já detectaram: uma área no subsolo em que se tem 21 gramas de ouro por tonelada; e outra, 173 gramas por tonelada.
O tamanho da reserva ainda não foi calculado pela empresa conforme os parâmetros das regras do Canadá, diz ele. Com altos teores e tanta variação, é necessário um estudo adicional. Dados preliminares enviados ao Ministério das Minas e Energia, no entanto, estimavam uma reserva total de minério de 4,2 milhões de toneladas a 7,45 gramas por tonelada, representado uma produção total de ouro estimada em 30, 5 mil quilos e produção média anual de 2,5 mil quilos, conforme informou o MME.
O projeto agita a vila de Serra Pelada e Curionópolis, município do qual faz parte. O Valor ouviu de moradores como o projeto aumentou a renda, a demanda do comércio, criou empregos e ajudou a florescer, neste lugarejo pobre de ruas de terra e casinhas de madeira, algumas casas e lojas de alvenaria. "Antes da Colossus, Serra Pelada era totalmente carente. A gente nem sabe como as pessoas sobreviviam. Quando a empresa entrou, melhorou. A Colossus é a que paga melhor aqui", diz Alani Vieira, 19 anos, estudante da única escola de ensino médio da vila.
Mas se há elogios, há também muitas críticas à atuação da Colossus. Muitos dos críticos são ex-garimpeiros associados à maior cooperativa local, a Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp). Eles têm um interesse direto no negócio: são os donos, por meio da entidade, dos 25% da mina e têm direito a receber uma parte do resultado da produção em dinheiro.
"Nós moramos em cima de uma das maiores minas de ouro do mundo, que por lei foi dada para a gente, e vivemos nessa situação precária que vivemos, enquanto os outros de fora ficam querendo tomar tudo isso aqui", se queixa Francisco Morais dos Santos, com 64 anos, que depois dos tempos do garimpo é hoje dono de um bar mercearia na vila. Ele diz ser associado à Coomigasp desde 1984.
Serra Pelada é um vilarejo de ruas de terra, sem esgoto e água encanada. Fica a 40 km de Curionópolis. Tem 7 mil habitantes, quase todos ex-garimpeiros e suas famílias, e histórico latente de tensão e de descaso do poder público.
Em julho, um grupo de moradores se associou a um grupo de garimpeiros cooperados, que hoje estão espalhados pelo Maranhão, Pará, Piauí, Goiás e outro locais, para protestar em frente ao empreendimento. Queriam, entre outras coisas, uma revisão do acordo. Em vez de uma participação de 25% pediam 49%. Em fins de agosto, outro protesto. Alguns falaram em invadir o projeto. A Polícia Militar foi chamada pela mineradora. Policiais usaram balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo e feriram 25 pessoas, segundo os ex-garimpeiros. O episódio aumentou mais a tensão entre parte dos ex-garimpeiros e a Colossus. A PM manteve homens de plantão na frente do projeto até a semana passada, quando o clima ficou mais tranquilo e os policiais foram retirados.
Segundo o tenente coronel Mauro Sérgio, comandante do 23o Batalhão da região de Carajás. "O maior problema seria eles entrarem naquela mina", disse, alegando questões de segurança dos próprios manifestantes. A empresa falou do temor do grupo desligar o bombeamento de água.
A mina fica a poucos minutos do vilarejo. A entrada se parece com a boca de um túnel de estrada. Há uma pista principal e outras secundárias, cobertas por cascalho e lama. Tem ao todo 1,3 quilômetros de extensão e já chegou a 150 metros de profundidade. Dentro trabalham equipes com caminhões, explosivos e perfuratrizes. Cálculos rápidos apontam para vida útil de sete a dez anos, diz Mancuso.
As obras do túnel começaram em dezembro de 2010 e foram cercadas de desafios. O maior deles é cavar um túnel desses no solo amazônico, úmido e mole. Bombas de sucção funcionam ininterruptamente. Em julho, a empresa comunicou ao mercado problemas no sistema de bombeamento de água e que isso obrigava a um reforço em sua capacidade. As paredes e o teto das passagens são concretadas. Não fosse assim, desabariam. O túnel não passará sob a velha cava - hoje coberta de sedimentos e água - aberta no braço pelos garimpeiros dos anos 80. Vai passar perto. O plano da Colossus é atingir uma faixa no subsolo com alta concentração de material mineralizado - onde se encontra o ouro.
A canadense Colossus paga atualmente, em juízo, R$ 350 mil por mês à cooperativa de ex-garimpeiros
"O túnel está a 5 metros do centro da área de mineralização ou já está dentro dela, ainda não fizemos perfurações nesse ponto e não podemos determinar se já estamos lá, mas já dá para ver o que se chama de burro preto [um tipo de terreno escuro onde em geral ocorre o ouro]", diz o executivo. Uma das vantagens raras de Serra Pelada é que essa zona de mineralização, onde há ouro, está numa faixa concentrada e bem definida na rocha, enquanto em muitas minas pelo mundo o material fica espalhado, disse Mancuso. Outra característica: "Não há outra mina em produção no mundo no momento que seja primordialmente de ouro e que tenha também platina e paládio, como essa. A mina é muito especial." Num primeiro momento, o projeto processará apenas ouro.
A Colossus já investiu R$ 600 milhões no projeto, disse Mancuso. Os recursos, afirma, foram levantados no mercado de capitais do Canadá, equities, dívidas, entre outros meios. Os acionistas da empresa são em sua maioria grandes fundos de pensão e de investimento do Canadá e dos EUA, segundo o executivo canadense de 38 anos. Ele vive em Toronto e uma vez por mês está em Serra Pelada. Mancuso entrou na companhia em 2011.
A Colossus foi criada em 2006, com sede em Toronto. No Brasil, seu escritório fica na Avenida Paulista. Um dos sócios fundadores é o brasileiro Augusto Kishida - que atuou na Vale na época do garimpo. A Vale, ainda estatal, era dona da área no qual se formou o formigueiro humano de Serra Pelada.
O ouro extraído será processado numa estrutura no próprio local. Em meados do ano passado, a empresa começou a erguer uma unidade de processamento que está em fase final de construção. Trata-se de uma grande estrutura de aço com longas esteiras que levarão o material mineralizado para trituradores e um moinho de bolas de aço. O pó rico em ouro será então despejado em uma fornalha na golden house - um grande edifício cúbico acinzentado em fase de acabamento - onde o material será fundido e transformado em barras de até 5 quilos. A cada dois ou três dias, helicópteros levarão carregamentos de barras para Marabá e depois para empresas que fazem o refino em São Paulo. O ouro de Serra Pelada, então, estará pronto para ser vendido para joalherias e, acima de tudo, para bancos e investidores em todo o mundo.
É uma logística normal para o setor, mas incomum para este canto do Pará. E o que torna o negócio mais incomum é que a Colossus tem como sócio uma cooperativa que reúne 38 mil garimpeiros (número questionado). Pode-se dizer que são 38 mil sócios. Mancuso acredita que isso seja único.
Em 2007, a cooperativa obteve do governo federal o direito minerário para pesquisas de ouro em Serra Pelada. Como já não era permitido o garimpo manual por questões de segurança, a cooperativa foi atrás de um parceiro com dinheiro e capacidade técnica para uma produção mecanizada. A Colossus e a cooperativa fecharam o contrato e criaram a Serra Pelada Companhia de Desenvolvimento Mineral (SPCDM).
O contrato original estabelecia que 51% do empreendimento ficava com os canadenses e 49% com os ex-garimpeiros. Mas havia uma cláusula que definia que, após investimentos iniciais, só da Colossus a cooperativa também tinha de contribuir. Se um dos lados falhasse, teria a participação no negócio diluída. Esse ponto, atacam os garimpeiros críticos à empresa, não foi debatido claramente pelos cooperados. Em 2010, quando se decidiu dar início às obras para a produção, e quando mais capital era exigido, a canadense ficou sozinha. "A Coomigasp não tinha dinheiro. Então nós fizemos esse aporte", disse Mancuso. "E então pagamos mais R$ 300 milhões por 24% adicionais do projeto que a Coomigasp deveria ter investido."
Como a cooperativa nada investia estava a caminho de ter sua participação zerada no empreendimento. Foi quando o Ministério das Minas e Energia, segundo a empresa, entrou nas negociações e estabeleceu-se um aditivo ao contrato. A Colossus de 51% passou a ter 75% do negócio, passou a ser responsável por 100% do investimento e da tecnologia. A cooperativa receberá o referente a 25% da produção, mais 2% de royalties.
Mas os sócios brasileiros da Colossus não conseguem se entender. Dois grupos de dirigentes da Coomigasp dizem ter legitimidade para estar à frente da entidade. O Tribunal de Justiça do Pará informou que há recursos impetrados no segundo grau sobre a questão que ainda não foram julgados. Dirigentes da ala comandada por Valdemar Pereira Falcão são com quem a empresa dialoga e dá acesso ao projeto. A ala crítica, comandada por Vitor Albarado, acusa a empresa de ter comprado o apoio da diretoria anterior da cooperativa para que ela aprovasse a alteração no contrato. A empresa nega qualquer irregularidade. Albarado fala em recorrer à Justiça para recuperar os 49% e, se não tiver sucesso, "ir para o tudo ou nada". Na terminologia local, isso significa tentar invadir o empreendimento e parar sua produção para criar um fato capaz de mudar o jogo.
O projeto está em fase de licença de operação. "Eles podem pedir o que quiserem, mas nós temos um contrato que vamos defender na Justiça [se for o caso] e o contrato foi endossado pelo ministério", diz o executivo canadense. Perguntado se vê algo questionável na alteração dos percentuais, o Ministério das Minas e Energia respondeu que "eventuais alterações, são de responsabilidade das partes".
A empresa já pagou alguns milhões à cooperativa. Entre 2010 e 2011, foram R$ 19,2 milhões, de acordo com o Ministério Público que levantou questionamentos sobre o fato de os recursos terem ido para a conta pessoal de uma diretora. Segundo a empresa, os pagamentos se referem "à antecipação do pagamento de prêmios da produção mineral, previsto em contrato, para a cooperativa." E só foram feitos em conta pessoal por problemas na conta da cooperativa. A diretoria da cooperativa da época foi afastada.
A empresa paga, em juízo, atualmente R$ 350 mil por mês à cooperativa. É adiantamento ao início da produção previsto em contrato.
A dúvida de vários cooperados - que nunca viram esse dinheiro - é se eles receberão o dinheiro a que têm direito quando a produção começar. Mancuso diz que não está claro quanto cada um receberá como "sócio" do projeto. Mas afirma: "A menos que a haja uma profissionalização da cooperativa, eles não vão receber nada porque neste momento, nenhum dos grupos que disputam a diretoria, tem um plano para distribuir os recursos para os garimpeiros." Se isso não ocorrer, o depósito de ouro em Serra Pelada poderá se tornar um depósito de pólvora fácil de explodir em ira dos garimpeiros.
"Esse assunto é uma das maiores preocupações do Ministério Público do Pará", disse o promotor estadual Hélio Rubens. "O projeto pode se tornar um sucesso de distribuição de recursos para os garimpeiros ou uma grande decepção."

Região também recebe projeto de minério da Vale

Por De Curionópolis (PA)

Além do projeto liderado pela Colossus, Serra Pelada tem outra novidade: um projeto da Vale, de minério de ferro. Serra Leste é uma montanha de ferro nas proximidades de Curionópolis e da vila de Serra Pelada. Teve seu reconhecimento preliminar realizado por uma dupla de geólogos em 1968.
A unidade de processamento está sendo construída em Carajás. A Vale diz que a fase de "start up" da produção começa no segundo semestre de 2014. Atualmente o projeto emprega 1.200 pessoas, sendo mais de 70% da região de Carajás, disse a empresa, o que inclui Serra Pelada e Curionópolis. A previsão de investimento total é de US$ 478 milhões. Este ano, o plano é que os investimentos cheguem a US$ 166 milhões. A capacidade nominal é estimada em 6 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.
Os dois empreendimentos, apesar das polêmicas, ajudam a dar a Serra Pelada um certo ar de normalidade. Em seus anos de apogeu, o local foi tudo menos um lugar normal. Uma vila de uma rua de terra e muito dinheiro. Os garimpeiros não podiam sair com o ouro. O metal obrigatoriamente era vendido em um posto da Caixa Econômica Federal, que pagava em dinheiro vivo. Os garimpeiros saíam com sacos de notas nas cotas, na lembrança de quem ficou no vilarejo. Havia até uma pista de pouso de terra. Hoje a pista é um corredor de gado.
O ouro foi descoberto em fins de 1979, segundo ficou registrado na memória local, por um vaqueiro. Em janeiro de 1980, uma maré de garimpeiros chegava à região. E em maio, o governo do general João Baptista Figueiredo, decretava uma intervenção na área - que era pública.
Nos anos 80, na vila perto da cava que ia sendo aberta, o comércio desabrochou. "Na época que o garimpo funcionava, era só uma rua, mas tudo o que tinha em Manaus tinha em Serra Pelada. Relógio, roupa, eletrônico, tudo o que você quisesse. Era um pedaço de rua de uns 150 metros. Hoje essa rua nem existe mais como era. Os garimpeiros cavaram para procurar ouro embaixo da rua", lembra Luis Girão, um cearense de 53 anos que há 34 anos se mudou para a região. Foi garimpeiro e hoje é vereador pelo PMDB em Curionópolis.
Seu colega de Câmara e de partido, o vereador Cassiano Bezerra Viana, 47 anos, maranhense, lembra de um dos efeitos colaterais. "Na época do garimpo, tinha dia que amanhecia com sete, oito mortos na rua. Aqui do outro lado dessa rua [em Curionópolis], eu carreguei muito morto em carroça. Aqui tinha um cemitério que chegou um dia que não cabia mais tanto corpo. Fizeram outro e encheu também. Tiveram de fazer mais um."
O garimpo foi fechado em 1992 por questões de segurança. Ninguém mais garimpa ouro por aqui. O dinheiro que circula é das aposentadorias, programas de ajuda do governo e, mais recentemente, dos salários pagos pelos dois projetos. (MMS)

Valor Econômico, 01/10/2013, Empresas, p. B3

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http://www.valor.com.br/empresas/3289178/regiao-tambem-recebe-projeto-d…

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