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'Sempre sobrevivo', diz condenado por mandar matar Chico Mendes

OESP, Política, p. A10
04 de Dez de 2013

'Sempre sobrevivo', diz condenado por mandar matar Chico Mendes
Quase 25 anos após morte de sindicalista, Darly Alves da Silva fala após ser atropelado no Acre

Leonencio Nossa

Na semana passada, um senhor de 78 anos dava entrada num hospital de Rio Branco, no Acre, vítima de atropelamento. O acidente poderia ser apenas mais um na desordenada cidade da Amazônia se o paciente com a bacia fraturada não fosse uma figura conhecida da história da devastação da floresta, o fazendeiro Darly Alves da Silva, condenado por mandar matar o líder seringueiro Chico Mendes. Darly, no leito 119 do hospital, logo após uma cirurgia, disse que o processo do assassinato ocorrido há 25 anos foi uma experiência "dolorosa". "Crime nenhum compensa", disse ele ao Estado no domingo. "Não desejo que ninguém sente na cadeira de réu para ouvir um processo."
A entrevista ocorreu numa situação peculiar. Um filho dele acompanhou com irritação a conversa. O clima se tornava mais tenso nos momentos em que o fazendeiro falava do crime. Darly, no entanto, queria falar. Magro e voz firme, ele está lúcido. "Não era para eu ter morrido?", perguntou, referindo-se ao atropelamento. "Sempre foi assim: eu caio e levanto, consigo sobreviver."
Chico Mendes foi morto aos 44 anos com um tiro de escopeta calibre 22 no peito na noite de 22 de dezembro de 1988 em sua casa em Xapuri, quando abria a porta para se banhar no chuveiro que ficava no quintal. A Justiça condenou Darly e o filho Darci - acusado de ser o autor do disparo - a 19 anos de prisão. Três anos depois, eles fugiram da cadeia. Em 1996, voltaram a ser detidos. Cumpriram seis anos da pena em regime fechado, depois passaram para o semiaberto e o regime domiciliar.
"Não foi só o Brasil que se levantou contra mim, foi o mundo inteiro", lembra Darly. Ele não superdimensiona o que ocorreu naquela sessão de júri em Xapuri, a 175 quilômetros de Rio Branco. Foi o julgamento brasileiro de maior repercussão no exterior. TVs e jornais dos Estados Unidos e da Europa montaram links e estúdios nas ruas de terra da pequena cidade. O líder seringueiro era uma referência condecorada pelas Nações Unidas.
Hoje Darly vive na Fazenda Paraná, propriedade de 3 mil hectares na margem da BR-317, em Xapuri. É pai de 22 filhos. O filho Darci vive no Pará. No hospital, Darly lembrou o assassinato de um irmão na adolescência, quando a família morava em Minas Gerais. Foram anos de sede de vingança. Só deixou de lado a "questão" em 2006, ao sair da prisão pela morte de Chico Mendes. "Dispensei o cara. Ele está vivo até hoje."
'Conversa mentirosa'. Para ele, o que fez está pago. Quando Darly ensaia falar de Chico Mendes, o filho se irrita: "Isso já passou, chega. É coisa velha". "Já estou terminando", diz o pai. O fazendeiro reclama que promotores lhe atribuíram crimes ocorridos no Paraná, onde viveu até 1974, que não teria cometido. "Quando fui preso, disseram que matei tantas pessoas. Tudo conversa mentirosa", reclama. O filho tenta interromper a entrevista. "Já passou. É defunto velho de 20 anos."
Darly conta que pensou em ser morto na prisão. "Certa vez chegou um tenente. Ele viu que a porta estava aberta e fechou com cadeado. No meu entender, naquela noite o pessoal ia me matar", afirma. "Disseram para o meu irmão que eu poderia ser morto. Meu irmão disse: 'Não acredito que alguém quer fazer algum mal contra ele, porque a família do finado (Chico Mendes) não faz mal para o meu irmão'."
Darly diz que sua disputa com Chico Mendes não era política. "Eu não entrei em guerra com o PT. Eu não era político." Ele não se diz inocente, mas reclama da condução do processo. "Não existia testemunha. Uma pessoa apareceu e falou de coisas de 20 anos atrás. Não foram ver se aquilo era verdade", afirmou. "Ninguém sabe quem eu sou. Ninguém", disse Darly, chorando.

'Todos têm tempo para serem perdoados', diz Darly Alves
Condenado por mandar matar Chico Mendes em 1988, fazendeiro diz que 'nenhum crime compensa'

Leonencio Nossa

RIO BRANCO - O fazendeiro Darly Alves da Silva, condenado por mandar matar o líder seringueiro Chico Mendes, disse que "o inferno não existe nem para o criminoso". Apegado à religião, Darly afirmou ainda que prometeu a Deus não se vingar de ninguém. Chico Mendes foi morto aos 44 anos com um tiro de escopeta calibre 22 no peito na noite de 22 de dezembro de 1988.
O que ocorreu com o senhor?
Uma caminhoneta me atropelou quando atravessava uma rua. As pessoas que me conheciam disseram: "Seu Darly morreu". Mas estou aqui. Meu caso era de morte. O médico disse que o meu osso é muito duro. (Darly mostra as marcas da cirurgia no quadril e na perna direita). A Bíblia diz: "Estou contigo. Mesmo que você não me conhece estou contigo". Agora, se eu não tenho desejo de fazer vingança contra quem me prejudica, eu entrego para Deus. O mal revolta, entendeu?
Como avalia hoje a sua condenação pela morte de Chico Mendes?
O inferno não existe nem para o criminoso. Todos têm tempo para serem perdoados, não vão nunca para o inferno. É assim. Morrendo, você fica no esquecimento. Aí Deus leva. A pessoa matou, vai ser julgada. Aí a pessoa diz: "Eu não cometi o crime de homicídio". Mas uma voz diz: "Mas você cometeu outro crime". O cair é do homem, o levantar é de Deus. Não estou dizendo que sou uma pessoa santa. Aquele que diz que não peca já é pecador. Sobre o negócio (condenação pela morte de Chico Mendes), eu falei que eu ia sair da prisão. O pessoal não me fez mal porque Deus não deixou. Eu resolvi sair da cadeia quando o advogado me disse que não tinha defesa, que não adiantava, a minha cadeia já estava marcada.
O senhor se pegou à religião?
Uma senhora me disse: "Seu Darly, o senhor é evangélico?" Eu disse para ela que o meu pai já foi crente. Eu mesmo já fui crente até os 16 anos. Nós desviamos. Aí teve uma coisa passada (a morte do irmão) em Minas. Uma pessoa fez mal a meu irmão, matou meu irmão para roubar. Eu não podia dizer que era crente enquanto não fizesse justiça em cima disso aí. A mulher me pediu para perdoar. "Perdoa esse cara, seu irmão não vai voltar. Deus já te perdoou de tantas coisas."
O senhor se arrepende do que fez?
Da minha mão direita não quero ferir ninguém. Com a esquerda não quero ferir ninguém. Também não quero enfiar a mão no bolso para pagar uma pessoa para fazer algum mal. Essa promessa eu não fiz para homem, eu fiz pra Deus. Crime nenhum compensa, nenhum crime. Eu digo para minha família. Nunca aconteça de você sentar para ouvir processo. Para ser salvo, tem que nascer das águas e do espírito. A vingança não pertence a nós. Depois que Jesus veio ao mundo, veio o perdão.
O que ficou de memória do processo?
O processo (do caso Chico Mendes) foi uma experiência dolorosa e mentirosa. Toda vida gostei mais de pagar do que pegar emprestado. Quando pegava emprestado, eu ficava alegre porque o cara me emprestou. Quando ia pagar, tinha o maior prazer. Se era para pagar 10 dias a um trabalhador da minha fazenda e ele dizia que tinha trabalhado 15, eu pagava os 15, porque não gostava que ele saísse falando mal de mim. Sou realista. Quando fui preso, disseram que matei tantas pessoas, tudo conversa mentirosa. As pessoas que eu teria matado estão vivas. Eu provo. A mídia disse que eu matei uns caras, joguei num açude. Lá no meu açude era jogar um anzol e saía uma cabeça.
Como foi a sua chegada ao Acre?
Quando cheguei, o Acre não era conhecido. Quando dizia que morava no Acre, as pessoas perguntavam se era um país estrangeiro. Eu vim para plantar 12 mil covas de café. A Amazônia não é terra de café. Perdi tudo. Vim trabalhar. Aí disseram que eu era bandido. Eu era fanático por café. Mas é o bicho que mija para trás (boi) que leva a gente para frente. Comecei a criar gado.

OESP, 04/11/2013, Política, p. A10

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