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Seminário Gestão para Lideranças e Organizações de Apoio aos Povos Indígenas Novas Estratégias para a Cooperação

Seminário Gestão para Lideranças e Organizações de Apoio aos Povos Indígenas Novas Estratégias para a Cooperação
03 de Out de 2003

DOCUMENTO FINAL

Nós, lideranças indígenas, representantes de Organizações Indígenas e representantes de organizações não governamentais, órgãos governamentais e representantes de instituições da cooperação internacional que atuam junto às populações indígenas reunimo-nos durante os dias 29 de setembro a 3 de outubro de 2003 em Maria Farinha, Paulista, Pernambuco no Seminário Gestão para Lideranças e Organizações de Apoio aos Povos Indígenas - Novas Estratégias para a Cooperação com objetivo de facilitar a construção articulada de novas estratégias de sustentabilidade dos povos indígenas, a partir da troca de conhecimentos, da identificação das temáticas prioritárias e da definição de critérios práticos e integrados entre os diversos atores presentes no seminário. Após um diagnóstico da situação dos povos indígenas, constatamos:

Do total de 614 Terras Indígenas identificadas no Brasil, 81,54% já estão homologadas, a grande maioria na Amazônia. Do restante, 2,3% estão identificadas, 13% estão delimitadas, 2,87% em identificação (ISA,2003). Não estão computadas aqui as Terras Indígenas que estão sem providências administrativas, o que reflete a drástica situação territorial dos povos indígenas do Nordeste, Sul e Centro Oeste (no Nordeste 34% das terras indígenas estão homologadas e 66% identificadas ou a identificar). Estes números indicam que 12% do território brasileiro são terras indígenas. Apesar disto, estas terras e seu entorno não estão livres de frentes de expansão tais como os agro-negócios (como a pecuária e soja), a exploração ilegal de madeira, a mineração e o narcotráfico.

As terras Indígenas do Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil abrigam 40% da população indígena. São áreas extremamente reduzidas que não atendem às condições essenciais de sobrevivência e dignidade com uma estrutura fundiária enraizada nas oligarquias que emperram o reconhecimento da existência de territórios indígenas. Ainda se destaca um processo de criminalização de lideranças indígenas e perseguição ao movimento indígena que envolve desde os políticos locais até o poder judiciário.

Existe um problema grave envolvendo índios isolados nas fronteiras da região norte que por falta de espaço decorrente da invasão de suas terras por madeireiros são obrigados a disputar o espaço e os recursos de outras comunidades indígenas.

A despeito de suas limitações existe uma política pública de saúde traçada especificamente para povos indígenas, executada através dos Distritos Especiais Sanitários Indígenas. No entanto, essa política específica continua matizada por uma adaptação da prática médica ocidental aos 220 povos indígenas, que falam línguas diferentes e vivenciam contextos e práticas culturais distintas, falta de recursos humanos capacitados e com riscos de uma "municipalização".

Existe um reconhecimento legal da necessária especificidade para as práticas educacionais aos povos indígenas, porém a execução da educação escolar indígena está subordinada às políticas locais. O MEC ainda está omisso e a educação indígena mantém-se atrelada à sua Secretaria de Ensino Fundamental o que limita seu alcance nos níveis médio e superior.

A partir da Constituição de 88 houve o surgimento significativo das organizações indígenas, o que representa não apenas o fortalecimento do movimento indígena, mas abre espaço de interlocução para construírem suas próprias parcerias com o universo institucional brasileiro e internacional. Apesar desse reconhecimento legal, o Estado brasileiro ainda não assumiu totalmente as suas responsabilidades constitucionais.

Entre as associações criadas em Terras Indígenas, algumas têm funcionado como artifício exclusivo para captação de recursos. Por outro lado, as associações indígenas cumprem um papel fundamental de representação social e política em defesa dos interesses dos povos indígenas.

A maioria dos projetos sustentáveis em Terras Indígenas ainda é experimental e/ou fase de avaliação de resultados. Iniciativas voltadas ao desenvolvimento sustentável requerem subsídios financeiros de longo prazo, aporte de conhecimento e técnicas ainda em construção.

Há que se considerar ainda questões específicas aos povos do Nordeste e do Sul do Brasil: a fome, a miséria, a exclusão territorial e social; impossibilidade de acesso aos recursos naturais; a carência de políticas de desenvolvimento e a geração de renda específica para as populações indígenas.

A implementação das políticas públicas para os povos indígenas continua precária e os recursos existentes são mal aplicados e desconsideram os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. Também falta uma linha de fomento à agricultura indígena.

A indefinição do novo governo com relação à política indigenista oficial e a não homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol causa apreensão ao movimento indígena com relação aos rumos das políticas governamentais.

Avaliando a prática dos atores da sociedade civil nacional e internacionais envolvidos nas questões indígenas, nós, participantes deste seminário destacamos:

As organizações indígenas procuram articular suas ações baseando-se na união e no respeito à diversidade cultural visando a sustentabilidade política, econômica e cultural dos povos indígenas. As principais dificuldades são a ausência de recursos financeiros adequados e a insuficiência de quadros técnicos indígenas.

As organizações indigenistas buscam, com os povos indígenas, condições para a construção de seu movimento e contribuem na criação de estratégias para a conquista dos direitos indígenas. As organizações indigenistas trabalham com quadros profissionais qualificados; produzem e divulgam informações que formam opinião e subsidiam políticas públicas. Elas trabalham com recursos limitados e estão buscando atuar em redes.

A Cooperação Internacional está tendo um papel importante no desenvolvimento das organizações indígenas e no apoio a suas lutas específicas. Destaca-se a necessidade de ampliar sua abrangência de apoios para outras regiões além da Amazônia e que seus programas sejam de longo prazo.

As instituições do governo presentes nesse seminário destacaram a necessidade de não ficarem ausentes nos debates sobre as questões indígenas, de reconhecer fragilidades e definir melhor seu papel. As instituições entendem que é preciso buscar estratégias em conjunto com os outros atores envolvidos para implementar mudanças.

Recomendações

Os participantes identificaram como prioridade ações que visam o fortalecimento institucional das organizações indígenas e indigenistas, que garantam a sustentabilidade dessas organizações e suas práticas, a construção de instrumentos voltados para a comunicação e a circulação de informação, ao exercício do diálogo interinstitucional. Ações que têm como objetivo qualificar a capacidade dos atores em influenciar, elaborar, implementar e exercer o controle social das políticas públicas. Essas prioridades levaram os participantes a elencar possíveis projetos com o potencial de mobilizar esforços em atividades estruturadoras no âmbito da sustentabilidade política, financeira, cultural, econômica e ambiental dos povos indígenas.

As principais recomendações são:

- Formação de quadros em nível superior para preparar futuras lideranças para a gestão das instituições indígenas garantindo as condições financeiras;
- Promoção de capacitação técnica nas diversas áreas;
- Busca de parcerias e assessorias técnicas de outras instituições (governamentais ou não, como as Universidades, Centros de Pesquisa etc.)
- Ampliação da captação de recursos de longo prazo, especificamente direcionados ao fortalecimento institucional.
- Que as atividades de formação e treinamentos garantam a ampliação contínua e adequada de capacidades com transferência de saber, conhecimentos e habilidades.
- Viabilização de condições para criação de um fórum permanente de discussão e intercâmbio de experiências entre as diversas instituições indígenas e indigenistas;
- Viabilização de condições para constituir uma rede indígena para intercâmbio de experiências e definição de estratégias para elaboração de projetos, de alcance regional e nacional;
- Reconhecimento dos modelos tradicionais de representatividade das sociedades e comunidades indígenas, como garante a Constituição Federal;
- Que as agências de cooperação internacional consultem as instituições indígenas parceiras em função de sua representatividade no movimento indígena regional e nacional (com atenção ao NE e Sul) na avaliação de projetos;
- Que as agências de cooperação internacional escutem mais e reconheçam as próprias metas, estratégias e representatividade da instituição;
- Que os critérios para apoio a projetos sejam adequados às especificidades das instituições e elaborados conjuntamente;
- Que as agências de cooperação coloquem a questão indígena em sua agenda de negociações com o Estado brasileiro;
- Que as agências de cooperação se articulem para garantir um maior atendimento das organizações indígenas e indigenistas para além da região amazônica.
- Que as agências de cooperação internacional fortaleçam canais de dialogo entre si.
- Que as agências de cooperação internacional reflitam sobre formas de cooperação para a solução de conflitos fundiários e sócio-ambientais.

- Apoiar, entre povos indígenas, programas de formação de comunicadores e produtores de arte indígena, bem como programas de intercâmbio de experiências visando a produção e circulação de informação nos diversos meios de comunicação (rádio, vídeo, impressos e novas tecnologias);

- Apoiar a criação de rádios comunitárias nas aldeias para fomentar processos de educação e fortalecimento cultural bem como monitorar e assessorar os processo de instalação dessas rádios;

- Incrementar a produção de material didático sobre a realidade indígena contemporânea no sistema educacional brasileiro;
- Incentivar a produção e divulgação de produtos culturais indígenas (livros, vídeo "espetáculos", etc)

- No diálogo dos índios com a sociedade nacional, apoiar iniciativas que visem a capacitação de professores da rede pública sobre as questões indígenas;
- Apoiar ações que coloque a questão indígena na pauta de outros movimentos sociais e outras organizações não governamentais;
- Apoiar iniciativas que possibilitem a discussão do caráter multicultural da sociedade brasileira construída na diversidade étnica e cultural;
- Chamar a atenção da sociedade através de campanhas para as grandes obras (hidroelétricas, gasodutos, rodovias (BR 163) que ameaçam os povos indígenas e o equilíbrio ambiental);

- Fortalecer a sustentabilidade financeira das organizações indígenas através de projetos de apoio à alternativas econômicas; estudos de mercado interno e externo, estudo de viabilidade de negócios, projetos de beneficiamento, certificação e patenteamento;

- Ampliar a sustentabilidade política das organizações indígenas através de projetos de fortalecimento de processos e articulações, redes e movimento como também através da criação e o fortalecimento dos espaços públicos (conselhos locais, fóruns públicos etc.)

- Implantar programas de segurança alimentar que respeitem os hábitos alimentares tradicionais e incentivem formas sustentáveis de produção e uso dos recursos naturais;

- Garantir a sustentabilidade ambiental através de projetos de mapeamento das potencialidades etno-econômico-ambiental, estudos jurídicos sobre compensações serviços ambientais, certificação, seqüestro de carbono, Fundo de Participação Estadual-Verde; estudos e análises ambientais e planos de uso da terra indígena de gestão ambiental e recuperação de terras degradadas.

Instituições participantes:

ABONG-NE - Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais
AMARN - Associação das Mulheres do Alto Rio Negro
ANAI - Associação Nacional de Ação Indigenista
APIRR - Associação dos Povos Indígenas de Roraima
APIZ - Associação Indígena do Povo Zoró - Pangyjej
APOIMNE - Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
ARCL'S - PE - Associação das Rádios Comunitárias de Pernambuco
Associação Comunitária de Educação e Agropecuária (Pankararu)
Associação Indígena de Ororubá
Associação Indígena do Povo TRUKÁ
Cais do Parto - Centro Ativo de Integração do Ser
CANPAZ - Cantinho da Paz
CCLF - Centro de Cultura Luis Freire
CCPY - Comissão Pró-Yanomami
CENAP - Centro Nordestino de Animação Popular
CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviços
CIMI - Comissão Indigenista Missionária
CIR - Conselho Indígena de Roraima
COIAB - Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira
Comunidade FULNI-Ô
CPI-ACRE - Comissão Pró-Indio do Acre
CTI - Centro de Trabalho Indigenista
Embaixada da Noruega
FUNAI - Fundação Nacional do Índio/ADR Recife
FUNASA - Fundação Nacional de Saúde/DSEI PE
IEPÉ - Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena
IIEB/Padis
INTERAGE
ISA - Instituto Socioambiental
NORAD - Programa Norueguês para Povos Indígenas
NEPE - Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade - UFPE
OMIR - Organização das Mulheres Indígenas de Roraima
OPAN - Operação Amazônia Nativa
OXFAM
PACA - Proteção Ambiental Cacoalense
PCR - Prefeitura da Cidade do Recife - Secretaria de Políticas Sociais
PDPI - Projeto Demonstrativo para Povos Indígenas
Pró-Rural
Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas
Sal da Terra
SSL - Associação Saúde Sem Limites
Terre des Hommes
UNI-ACRE - União das Nações Unidas do Acre e Sul do Amazonas
UNI-TEFÉ - União das Nações Indígenas de Tefé
Vídeo nas Aldeias

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