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Semente de algodão transgênico é liberada

FSP, Dinheiro, p. B4
20 de Nov de 2004

Semente de algodão transgênico é liberada
CNTBio autoriza venda, desde que apenas 1% dos lotes corresponda a material geneticamente modificado

André Soliani
Marta Salomon
Da sucursal de Brasília

O uso ilegal de algodão transgênico no Brasil levou a CTNBio (órgão responsável pela biossegurança no país), numa reunião polêmica realizada na última quinta-feira, a autorizar a venda de lotes de sementes contaminadas com até 1% de material geneticamente modificados.
Essa foi a primeira decisão da comissão desde que a Justiça, há cerca de dois meses, decidiu que a CTNBio tinha o poder de dar pareceres definitivos sobre o uso de transgênicos no Brasil.
"É de uma irresponsabilidade impressionante", afirmou o secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, ao comentar a decisão tomada.
Segundo ele, a CTNBio aprovou a contaminação se baseando apenas em estudos elaborados em outros países.
"É um gravíssimo equívoco. Cria um fato consumado, como foi feito no caso da soja", lamentou o secretário. O Meio Ambiente estuda entrar com uma ação contra a medida da CTNBio.
O secretário-executivo da CTNBio, Jairon Nascimento, argumenta que a literatura internacional demonstra que a autorização na representa riscos para o ambiente e para a saúde.
"Analisando-se vários aspectos, aprovou-se a possibilidade de contaminação", disse ele.
Os argumentos de Nascimento, no entanto, não convenceram todos os membros da comissão que participaram da reunião que tomou a decisão.
Dos 13 membros presentes, apenas sete votaram a favor da medida; quatro (incluindo Meio Ambiente e Anvisa) foram contra e dois se abstiveram.
Pesou na decisão da comissão avaliações do Ministério da Agricultura e da Abrasem (Associação Brasileira dos Produtores de Sementes) de que poderia faltar sementes legais no mercado, caso a contaminação não fosse autorizada. "Se a tolerância fosse zero, ia faltar semente para o plantio", afirmou Ywao Miyamoto, presidente da Abrasem. Atualmente, os produtores estão em fase de plantio do algodão.
Segundo Nascimento, a realidade revelou que havia uma contaminação generalizada dos lotes de sementes convencionais disponíveis no Brasil.
"Enquanto estávamos discutindo a soja, havia produtores plantando algodão transgênico, que contaminou outras lavouras, principalmente na Bahia e no Centro-Oeste", disse Miyamoto. Segundo ele, cerca de 50% das sementes disponíveis tinham algum grau de contaminação.
O uso de algodão transgênico, ainda proibido no Brasil, segue caminhos similares aos da soja geneticamente modificada. Apesar de seu uso ser ilegal, os agricultores insistem em plantar algodão geneticamente modificado.
Os produtores de soja do Sul do país, entre 1998 e 2003, plantaram as sementes transgênicas ilegalmente. No ano passado, com o argumento de que a soja transgênica era uma realidade, o governo decidiu liberar por meio de uma medida provisória o uso dos grãos. A liberação, porém, era restrita a apenas uma safra. Neste ano, novamente, o plantio de soja transgênica foi liberada.
Foi a Abrasem, em caráter emergencial, que pediu a liberação do uso de sementes de algodão contaminadas com grãos geneticamente modificados.
Para Nascimento, a decisão da CTNBio vai dar ao governo mais poder de fiscalizar o uso ilegal do algodão transgênico, pois traz para a legalidade grande parte dos produtores de sementes.
O secretário-executivo da comissão enfatiza que a autorização para o plantio de sementes contaminadas não significa a liberação do uso de sementes transgênicas.
O país, após passar por um período dependente do mercado externo, recentemente começou até a exportar algodão.
Justiça
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), organização não-governamental adversária dos transgênicos, disse ontem que pretende recorrer à Justiça para tentar barrar a decisão da CTNBio.
O Idec foi co-autor da ação que suspendeu os poderes da comissão de liberar transgênicos por seis anos, até setembro.

Uso pode gerar multa, mesmo com autorização
Apesar da decisão da CTNBio de autorizar o uso de lotes de sementes contaminados com grãos transgênicos, o Ministério da Agricultura continuará a autuar os produtores e sementeiras que usarem o produto transgênico.
Desde 23 de agosto, a Agricultura fez 17 autuações. Das 839 amostras analisadas pelo ministério, colhidas em 16 Estados, mais de 1/3 (34%) continham algodão transgênico. Em todos os casos, de acordo com a assessoria de imprensa do ministério, a contaminação estava abaixo de 1% -limite permitido pela CTNBio. A decisão da comissão ainda não vale, pois não foi publicada no "Diário Oficial" da União.
Segundo a Folha apurou, o ministério continuará a abrir processos administrativos contra os produtores que estiverem usando sementes geneticamente modificadas, mesmo após a oficialização da medida da CTNBio. O parecer da CTNBio, segundo técnicos do Ministério Agricultura, deverá ser usado pelo próprio produtor durante a sua defesa.
Os 17 infratores autuados respondem a processo administrativo. Estão sujeito a multa de R$ 18 mil, mais 2,5 vezes o valor da produção. Poderão ainda responder criminalmente.

FSP, 20/11/2004, Dinheiro, p. B4

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