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Sem-terra vao as ruas contra matadores de Dorothy

OESP, Nacional, p.A14
08 de Dez de 2005

Sem-terra vão às ruas contra matadores de Dorothy
Na véspera do julgamento dos acusados pela morte da freira, em Belém, entidades alertam para casos semelhantes que terminaram sem punição no Pará
Roldão Arruda
A capital do Pará começa a assistir, a partir de hoje, várias manifestações em defesa da condenação dos acusados pelo assassinato da religiosa americana Dorothy Stang, ocorrido em fevereiro, no meio de um conflito pela posse de áreas rurais no sudoeste do Estado. A principal delas deverá ser um gigantesco acampamento, com quase mil trabalhadores rurais organizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Sem-Terra (MST).
O acampamento será montado a partir das 17 horas, na Praça Felipe Patroni, diante do Tribunal de Justiça do Estado, onde amanhã serão julgados os dois homens acusados de executar a freira: Rayfran das Neves Sales, que confessou ter disparado a arma; e Clodoaldo Carlos Batista, que o acompanhava. O motor que está por trás de toda essa mobilização dos movimentos sociais e das organizações de direitos humanos é o temor de que não se faça justiça.
A razão número um desse temor são os antecedentes de casos semelhantes ocorridos no Pará, onde a violência na zona rural supera de longe a de qualquer outra região do País. De acordo com levantamento da CPT que acaba de ser entregue ao governo federal, entre 1971 e 2004 ocorreram no Estado 772 assassinatos de trabalhadores rurais e de pessoas que os apoiavam, como a irmã Dorothy. Só neste ano já teriam ocorrido 18. Mas, segundo a mesma fonte, em apenas três casos os mandantes destes crimes foram julgados. Dois deles estão apelando da condenação em liberdade e o terceiro, depois de esgotados os recursos, conseguiu o benefício da prisão domiciliar.
A segunda razão do temor deve-se à constatação de que os advogados de defesa estão recorrendo às mesmas táticas que, em outras ocasiões, teriam impedido que o braço da Justiça alcançasse os culpados. "Eles sempre utilizam as brechas da lei para atrasar os processos, esquartejá-los e, enfim, impedir que se condene executores e mandantes dos crimes", observa Jax Pinto, coordenador da CPT no Pará.
Enfurnado numa sala de aspecto sombrio, com estantes que vão do chão ao teto, todas estufadas de pastas com relatórios e documentos de casos que contam a história da violência rural e da impunidade no Estado, ele diz: "Um dos argumentos que a defesa vai usar neste julgamento, o da vitimologia, é bastante conhecido por aqui. No caso da irmã Dorothy, vão argumentar que ela acabou provocando sua morte, que instigava conflitos com proprietários rurais e que, no dia do crime, houve uma discussão no meio da estrada. No meio da confusão, num momento de raiva, Rayfran teria disparado a arma."
De fato, em entrevista ao Estado, o criminalista Eduardo Castro, defensor do réu confesso, disse que irá tentar demonstrar no tribunal do júri que "a irmã Dorothy não tinha essa candura toda que dizem" e que "os disparos foram feitos no meio de uma acalorada discussão".
Se conseguir convencer os sete jurados, ele desqualifica o crime e pode obter pena mais leve para Rayfran. Mas beneficia sobretudo os três fazendeiros acusados de serem os mandantes do crime e que irão a julgamento em outra ocasião - ainda sem data marcada. Afinal, se não houve premeditação, se não houve pagamento para que o crime fosse cometido, qual a culpa deles?
Tudo se articula, segundo os representantes dos movimentos sociais, para livrar os mandantes. De acordo com o advogado Aton Fon Filho, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e velho militante da defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, os fazendeiros acusados - Amair Cunha, Vitalmiro Moura e Regivaldo Galvão - já obtiveram conquistas no processo. A primeira delas teria sido impedir a federalização do caso. "A sociedade perdeu uma grande oportunidade na luta contra a impunidade, isolando o compadrio que se tem apontado para marcar relações entre entre o Executivo, o Judiciário e o latifúndio no Estado do Pará", diz o advogado.
A segunda vitória dos fazendeiros teria sido a separação dos julgamentos. Amanhã serão julgados apenas os dois executores.

OESP, 08/12/2005, p. A14

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