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Sem-terra e ambientalistas preparam acao conjunta contra o agronegocio

OESP, Nacional, p.A4
09 de Fev de 2005

Sem-terra e ambientalistas preparam ação conjunta contra o agronegócio
A organização internacional Via Campesina também busca alianças com movimentos que combatem a fome e a pobreza
Roldão Arruda
As organizações não-governamentais e os movimentos sociais há tempos repetem o mesmo mantra: está na hora de globalizar suas ações, porque o fim das fronteiras para o capital já globalizou os problemas. Dificilmente, porém, se vai além do mantra. As redes articuladas em reuniões internacionais, como o Fórum Social Mundial (FSM), encerrado na semana passada em Porto Alegre, raramente se mantêm. Uma das poucas exceções são os movimentos de sem-terra e de pequenos proprietários rurais. A Via Campesina, organização criada há 11 anos, se espalha por 76 países, articula-se com ONGs de diferentes tendências e afina a cada ano sua agenda global de protestos contra o neoliberalismo na agricultura. Leia-se: agronegócio.
Um exemplo de como essa agenda funciona é a série de ocupações e marchas que o Movimento dos Sem-Terra (MST) pretende espalhar pelo Brasil, na semana de 10 a 17 de abril. Ela faz parte de uma jornada mundial definida no ano passado pela Via Campesina. Os sem-terra protestarão contra a lentidão do programa de reforma agrária, o avanço do agronegócio e o uso de sementes geneticamente modificadas, os transgênicos.
Em outubro o MST voltará à cena em articulação com a Via Campesina, desta vez para participar de um dia internacional de luta pela soberania alimentar e contra as redes globais de comércio de alimentos. Um dos alvos do protesto será a rede de lanchonetes McDonald's. Em dezembro as ações serão contra a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Pelos cálculos dos líderes da Via Campesina, existe um conjunto de 140 milhões de pessoas ao redor do mundo potencialmente mobilizáveis. Estariam espalhadas desde a África do Sul, onde a população negra enfrenta problemas para titular terras, segundo relato de um representante daquele país no fórum mundial, às antigas nações comunistas da Europa.
"No leste europeu, a cada minuto desaparece uma família camponesa, engolida pelos negócios das transnacionais", disse ao Estado o representante basco na direção da Via Campesina, Paul Nicholson. "A grandes empresas estão provocando uma crise mundial na agricultura familiar. Em alguns países da Europa, a população formada por camponeses está reduzida a 2% do total."
Para João Pedro Stédile, líder do MST e membro da cúpula da Via Campesina, não é mais possível enfrentar o avanço do neoliberalismo com lutas localizadas. Durante um dos debates do fórum de Porto Alegre, ele disse: "Já não adianta falar com nossos governos, porque não mandam mais. Um consórcio de dez grandes empresas transnacionais hoje controla toda a agricultura, da produção à comercialização. Para enfrentá-las é preciso um programa de ação global."
CONTRA AS GUARDIÃS
Os principais alvos da Via Campesina são instituições chamadas de "guardiãs dos interesses das transnacionais". Entre elas figuram a OMC, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e, mais recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU).
A FAO, instituição da ONU voltada para a agricultura e a alimentação, sempre foi vista como aliada na briga pela reforma agrária. Hoje, no entanto, ela é acusada de estimular o plantio de transgênicos - algo intolerável para a Via Campesina, que vê nas sementes geneticamente modificadas mais uma forma de as grandes empresas controlarem a agricultura no mundo.
Uma das explicações para a expansão da Via Campesina é o fato de abrigar um leque cada vez maior de interesses. Consegue manter alianças com importantes organizações não-governamentais internacionais voltadas para o combate à fome e à pobreza.
É o caso da FoodFirst Information and Action Network (Fian), que luta por um mundo sem fome e possui escritórios em 60 países. Outra aliada é a Action Aids, que mobiliza gente para combater a pobreza e, por tabela, a OMC. Seus recursos provêm principalmente de doações de simpatizantes europeus, de acordo com informações do site da ONG.
Na guerra aos transgênicos, a Via Campesina também ganhou aliados. Um deles é a Friends of the Earth International (Foei), rede de organizações ambientalistas presente em 70 países. O que se procura são formas de articular as forças de todas essas entidades, apesar dos diferentes interesses, em torno de lutas comuns.
O resultado obtido até aqui é muito pequeno - considerando-se o que a OMC tem conseguido em termos de desregulamentação e abertura dos mercados e o crescente peso das grandes empresas no agronegócio. Mas, por outro lado, a orquestra da Via Campesina parece mais afinada a cada ano.

Para grupo, Chávez supera Lula
Líderes acham que reforma agrária será melhor na Venezuela
Roldão Arruda, colaborou Elder Ogliari
A Via Campesina aprecia mais o governo do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, do que o de Luiz Inácio Lula da Silva. Seus líderes acreditam que o presidente venezuelano conseguirá manter o território de seu país livre de transgênicos e executará uma extraordinária reforma agrária. Ao mesmo tempo criticam a forma como Lula age na questão dos transgênicos, a lentidão na execução do Plano Nacional de Reforma Agrária e a política econômica.
Também pesa na comparação a atitude diante da Organização Mundial do Comércio (OMC). Enquanto Chávez é elogiado por criticá-la, Lula é acusado de complacência. "É deplorável a maneira como o governo Lula tem agido, favorecendo negociações com a OMC e, pior de tudo, pleiteando uma secretaria naquela organização", disse Paul Nicholson, um dos líderes europeus do movimento, ao lado do francês José Bové.
As ligações com Chávez se estreitam a cada ano. Em 2003, quando simpatizantes e opositores do presidente venezuelano se enfrentavam nas ruas, líderes da Via Campesina divulgaram uma nota manifestando apoio a ele. Redigida na Bélgica, onde estavam reunidos, criticava "setores recalcitrantes da Venezuela que querem manter seus privilégios".
A simpatia é recíproca. Quando foi a Porto Alegre, participar do Fórum Social Mundial, o presidente venezuelano visitou um assentamento do MST, amarrou no pescoço o lenço verde da Via Campesina e, lado de João Pedro Stédile, anunciou: "Após o grande triunfo popular de 15 de agosto, estamos entrando em uma nova etapa e uma de suas linhas estratégicas será o 'não ao latifúndio'."
Em seguida o presidente Chávez reuniu-se à parte com um grupo selecionado de sem-terra. Entre eles, de camisa branca e chapéu de palha, encontrava-se o bispo católico d. Tomás Balduíno.
ROMARIA
Ele preside a Comissão Pastoral da Terra (CPT), cuja agenda também vai se articulando com a do MST e a da Via Campesina. Ontem, na 28.ª edição da Romaria da Terra do Rio Grande do Sul, milhares de pessoas condenaram o uso de transgênicos e defenderam o uso de sementes crioulas.
O ato ocorreu na zona rural de Cruzeiro do Sul, a 120 quilômetros de Porto Alegre, e teve apoio da Diocese de Santa Cruz do Sul. Foi acompanhado por pequenos agricultores e militantes de movimentos sociais. Alguns levaram cestos com terra e grãos de feijão e milho. Ao final houve uma missa campal. O ministro das Cidades, Olívio Dutra, que participa desde a primeira edição, estava entre os romeiros.

Via Campesina foi criada na Bélgica
HISTÓRIA: A Via Campesina surgiu em 1993, na Bélgica, durante uma conferência internacional com representantes de sem-terra e de pequenos proprietários rurais. De lá para cá, a organização realizou mais três conferências, no México, na Tailândia e no Brasil. A próxima deve ser em um país da África.
A quarta conferência, em junho do ano passado, reuniu 400 delegados na Vila Kotska, antigo convento jesuíta localizado em Itaici, bairro de Indaiatuba, no interior de São Paulo. É o mesmo local onde se realiza anualmente a assembléia-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Com a estruturação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1995, boa parte da energia da Via Campesina voltou-se para o combate às decisões daquela instituição - considerada o mais fiel guardião dos interesses das empresas transnacionais.
Os militantes da Via Campesina se destacaram nos protestos que marcaram a conferência da OMC realizada em 2003, em Cancún. O agricultor coreano Lee Kyuong-Hae, que se matou durante a semana de manifestações, fazia parte da organização. Ele é lembrado nos encontros de sem-terra como uma espécie de mártir que "ofereceu sua vida aos camponeses do mundo para manter viva a decisão de luta e repúdio à OMC" - conforme texto de divulgação distribuído durante a conferência em Indaiatuba.
As principais bases da Via Campesina estão na América Latina, entre organizações de trabalhadores rurais que reivindicam a reforma agrária. Seus parceiros europeus têm objetivos bem diferentes: resistem ao avanço das grandes empresas e desejam a manutenção de subsídios para enfrentar a concorrência externa. Hoje a organização procura se expandir principalmente em direção à Ásia.

MST acusa ex-líder por morte de policial
Nota diz que José Ricardo, expulso em novembro, enganou os assentados sobre PMs
Angela Lacerda
RECIFE - A direção do Movimento dos Sem-Terra (MST) em Pernambuco divulgou nota ontem lamentando o assassinato de um soldado da Polícia Militar no assentamento Bananeira, no município de Quipapá, a 200 quilômetros do Recife. "Não foram os trabalhadores assentados que seqüestraram e assassinaram o policial, mas um grupo que utilizava o assentamento como base para suas articulações", informa, destacando que os policiais estavam à paisana, num carro sem identificação da PM.
Na nota, o MST culpa José Ricardo Rodrigues - ex-líder do movimento na região e pivô do caso, pois estava sendo perseguido pelos PMs, no sábado, e se escondeu no assentamento, onde houve confronto. O MST-PE reafirma que José Ricardo havia sido expulso do movimento em novembro passado, assim como seu irmão José Sérgio Rodrigues, por causa de "desvios éticos, morais e econômicos", e a expulsão fora comunicada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A superintendente regional do Incra, Maria de Oliveira, que está em Brasília, confirmou ter sido informada no fim do ano pelo MST-PE sobre as suspeitas e investigações do movimento em relação a José Ricardo, cuja expulsão teria sido confirmada na semana passada. Ela contou que hoje uma comissão do Incra regional vai a Quipapá, com a PM, um representante do Ministério Público e outro da direção regional do MST.
Até ontem ninguém havia sido preso. Por causa do feriadão do carnaval, o inquérito policial ainda não foi instaurado, assim como a abertura de sindicância pelo comando da PM de Pernambuco.
NÃO JUSTIFICA
O comandante do 10.o Batalhão da PM em Palmares, major Sillas Charamba, disse ontem que a defesa do MST não tem sustentação e a corporação continua à espera da identificação dos envolvidos "na atrocidade", sejam assentados ou não. Charamba frisou que os PMs se identificaram no assentamento, mostrando suas credenciais e o próprio José Ricardo disse para não matarem Luiz Pereira da Silva, pois ele era soldado da PM.
Na nota, o MST afirma que os assentados foram enganados por José Ricardo, que disse que os PMs eram "pistoleiros". As armas dos policiais foram tomadas e depois devolvidas, com exceção da munição e dos coletes à prova de bala, de acordo com a PM.
Pereira da Silva foi morto com três tiros, enquanto o sargento Cícero Jacinto da Silva foi mantido refém e torturado - de acordo com a PM - por cerca de seis horas. O terceiro soldado, Adílson Alves Aroeiras, conseguiu escapar a pé. O carro usado pelos policiais foi destruído. Charamba explicou que os policiais estavam à paisana porque faziam parte do serviço de inteligência da corporação.
José Ricardo andava ostensivamente armado e era suspeito de liderar um grupo envolvido com assaltos nas rodovias da área. O MST informou que chegou a dar queixa contra ele na delegacia de Água Preta, na Zona da Mata, por roubo de motos usadas na assistência técnica a assentamentos.

OESP, 09/02/2005, p. A4

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