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Sem saúde, não há desenvolvimento

O Globo, Ciência, p. 32
Autor: BUSS, Paulo
22 de Mai de 2012

Sem saúde, não há desenvolvimento
Representante da Fiocruz na Rio+20, Paulo Buss reclama que tema está fora da agenda da conferência

Entrevista: Paulo Buss

Roberta Jansen
roberta.jansen@oglobo.com.br

Coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz, Paulo Buss lidera o grupo de trabalho da fundação na Rio+20.Como representante do país nas discussões sobre saúde e clima na reunião, o médico reclama da exclusão do tema do Esboço Zero,a primeira versão do documento final da conferência, "O futuro que queremos"."Nossa saúde não pode ser desconsiderada, não pode estar fora do documento", afirma. "Sem uma população saudável, não há desenvolvimento sustentável." Nesta entrevista, ele fala sobre os efeitos diretos das alterações do clima na saúde , como o aumento de epidemias, da desnutrição e de problemas respiratórios.

Como o clima afeta a saúde da população?

PAULO BUSS: Temos uma convicção firmada com base em diversos estudos de que a doença não é uma questão meramente biológica, não é uma ruptura com a normalidade biológica. Em Moçambique ou Serra Leoa, por exemplo, a expectativa de vida é de 30 anos menos do que na Europa. Então a doença é mais do que uma ruptura do normal biológico. Está claro que renda, habitação, emprego, tudo isso influencia a saúde. E, sobre tudo isso, está o clima. O clima afeta a todos; mas afeta mais a alguns do que a outros.

De que forma?

BUSS: A abundância ou escassez de água, por exemplo. A questão da água é fundamental. E, veja, eu não estou falando do Sudão ou da Etiópia. Estou falando do Nordeste brasileiro. A reportagem que O GLOBO publicou há duas semanas, sobre a seca, era de uma dor incrível. Depois que vi aquelas imagens não conseguia nem respirar.

Mas sempre houve seca no Nordeste brasileiro. Essa não é uma característica do semiárido, não necessariamente relacionada às mudanças climáticas em razão da ação do homem?

BUSS: Sim, claro, escassez de água no Nordeste sempre teve, mas, cada vez mais, sabemos que os extremos climáticos são influenciados pelo aquecimento. Sabemos que as mudanças climáticas estão provocando inundações e secas brutais. E não em Adis Abeba, mas aqui mesmo, no Nordeste. Mas ocorre também porque não se consegue fazer com que a água chegue ali. Trata-se de uma política pública de mitigação que depende de uma ação governamental.

Mas é uma questão climática natural ou uma questão de política pública?

BUSS: A questão do clima não pode ser vista como natural, mas sim como o resultado da ação do ser humano sobre o ambiente. Neste sentido, a política pública é importante para regular. Acho simplista normalizar a questão do clima. As mudanças climáticas são controláveis também se regularmos os modos de produção e consumo (não apenas se reduzirmos emissões).

E o que acontece com a saúde da população em secas severas?

BUSS: Com a redução da água potável disponível, é mais difícil de tratar a água. Nos poucos lugares onde há água, há uma concentração de micro-organismos. Isso pode levar a epidemias de cólera, hepatites, esquistossomose e doenças diarreicas.

E a produção de alimentos?

BUSS: A escassez de água, bem como a alteração das épocas de chuva e estiagem, tem também um efeito direto na produção de alimentos e, claro, na alimentação. O preço do alimento explodiu em todo o mundo porque há mais demanda do que oferta. Isso ocorre em parte por uma questão tão simples quanto brutal: a China e a Índia começaram a comer. Mas também por conta da alteração climática. As áreas de cultivo em todo o mundo estão sendo alteradas pelo clima, sobretudo na América do Sul, na África Subsaariana e no Nordeste da Ásia.

Isso já é observado no Brasil?

BUSS: A produção de culturas tradicionais do Nordeste está sendo afetada pela estiagem. E se acentuou por conta das mudanças climáticas e dos fenômenos El Niño e La Niña.
Mudanças climáticas têm algum impacto nos problemas respiratórios?

BUSS: As mudanças climáticas afetam diretamente a dispersão de poluentes, o que pode ser determinante para muitos problemas respiratórios, como asma e doenças pulmonares obstrutivas crônicas. Não percebemos esse problema no Rio porque ficamos entre a montanha e o oceano. Mas em outras cidades, como São Paulo ou Cidade do México, isso fica muito claro. Há uma concentração maior dos poluentes aéreos.

O que há de concreto a respeito da ampliação das áreas de ocorrência de mosquitos transmissores de doenças como dengue e malária?

BUSS: Já está comprovado que para cada 1 grau Celsius de aumento de temperatura, em média, há uma proliferação de vetores de doenças. No Paraná, no Rio Grande do Sul e até no norte da Argentina, já há ocorrência de Aedes aegypti . Isso acontece por conta do trânsito cada vez maior de pessoas com dengue, mas também por conta das alterações de temperatura, que fazem com que os mosquitos, acostumados ao clima mais quente, se adaptem a áreas cada vez mais ao sul.

De que forma essa relação de saúde e clima será abordada na Rio+20?

BUSS: Estou preocupado. Diferentemente do que ocorreu na Rio 92, em que havia um capítulo inteiro da Agenda 21 dedicado à saúde e uma menção importante na Declaração do Rio (o ser humano está no centro da preocupação ambiental), na Rio+20 o tema não foi incorporado ao documento que está sendo elaborado. Somos a espécie mais comum do planeta. Nossa saúde não pode ser desconsiderada, não pode estar fora do documento. Sem uma população saudável não há desenvolvimento sustentável.

Tudo está interligado? Como a saúde entra nesse tripé social, ambiental e econômico, base da Rio+20?

BUSS: O modo de desenvolvimento influencia a saúde. O meio ambiente também impacta a saúde. Então, a saúde precisa aparecer no documento. E a nossa proposta é que apareça deixando clara essa relação entre desenvolvimento, saúde e ambiente: uma população saudável pode ajudar no desenvolvimento. Outra coisa é que o encontro produza compromissos concretos, que são determinantes para a saúde, como a redução da poluição, o amparo à infância e à velhice, o estabelecimento de políticas públicas de abastecimento de água e tratamento de dejetos. Todas essas medidas têm impacto positivo na saúde. Fizemos um documento com os pontos principais que está disponível no nosso site e aberto à comentários e sugestões.

O Globo, 22/05/2012, Ciência, p. 32

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