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Sem nome nem futuro

Veja, p.112-113
20 de Abr de 2005

Sem nome nem futuro
Seis remanescentes de uma tribo jamais identificada rumam para a extinção. São exemplo de um nó na questão indígena

A Amazônia ainda tem pelo menos 53 tribos de índios vivendo em isolamento praticamente total, em pontos remotos da floresta. Em boa parte dos casos, não se sabe que língua falam, que lugares da mata ocupavam antes de se deslocar para longe das motosserras e dos fazendeiros e a quais etnias pertenciam originalmente. Num exemplo extremo, um grupo de seis índios compõe hoje toda a tribo restante dos akuntsus. Esse nome, cujo significado é "outros índios", foi dado a eles por vizinhos de outro ramo indígena. Não é possível saber nem mesmo como os akuntsus chamam a sua própria etnia. Mas pode-se apostar facilmente em seu futuro: a extinção. São todos da mesma família. Encurralados em 50.000 hectares - algo próximo ao tamanho de Porto Alegre -, numa área cercada de fazendas, no sudeste de Rondônia, dividem esse espaço com outros índios em situação parecida. Lá, há uma família com três canoés que se desgarraram do grupo principal, instalado a 250 quilômetros, e mais um índio solitário, do qual ninguém jamais se aproximou o suficiente para fazer dele uma boa descrição.
A imagem do bom selvagem em harmonia com a natureza é bem diferente da que se tem quando se vê de perto uma dessas tribos isoladas. Tão sujeitos a doenças tropicais quanto outros seres humanos, eles se alimentam mal, com a produção de roças descuidadas, têm carência de vitaminas e proteínas e apresentam índices de mortalidade infantil consideráveis, ao lado de patamares de longevidade baixos. A condição de isolamento impede, porém, que se chegue a estatísticas precisas dessa situação. E a manutenção, por seu lado, do isolamento - política que a Funai decidiu adotar desde 1987 e só é rompida quando se revela a iminência de confrontos violentos com homens brancos - pouco contribui para melhorar esse quadro. A boa intenção por trás dessa idéia é permitir que os índios continuem levando sua vida de sempre, evitando-se o brutal choque do relacionamento com outra cultura. Mas, por mais que estejam longe, os índios nunca se encontram suficientemente distantes para que se evitem contatos esporádicos com madeireiros, seringueiros e outros tipos que freqüentam a floresta. Nesses encontros, quando não recebem rajadas de tiros ou se expõem a novas doenças, acabam por aculturar-se principalmente nos aspectos relacionados a sua capacidade de sobrevivência - a comida pronta e fácil é o pior deles.
"Os akuntsus são as últimas vítimas de um processo local de ocupação violento, que destruiu o meio ambiente e dizimou centenas de índios", diz o sertanista Sydney Possuelo, coordenador do Departamento de Índios Isolados da Funai. Oficialmente, o grupo foi contatado em 1995, depois de uma década de tentativas. Antes disso, eles tinham contatos ocasionais com madeireiros e fazendeiros, ganhavam roupas, panelas e facões - utensílios encontrados com o grupo pelos indigenistas. Acredita-se que tenham fugido para a mata novamente depois de uma chacina ocorrida logo que a Funai iniciou o processo de desapropriação das fazendas para transformá-las em reserva. Várias ossadas foram achadas em alguns pontos da mata. Em um documento do Conselho Indigenista Missionário, há o relato de que, há vinte anos, para se livrar dos índios, alguns fazendeiros da região misturaram raticida no açúcar entregue aos akuntsus.
Assustado com a mortandade, o grupo de sobreviventes se embrenhou na floresta. Processo semelhante aconteceu com os índios do Acre e do Amazonas, que, para sobreviver às chamadas correrias - matanças indiscriminadas promovidas pelos seringueiros -, se refugiaram em pontos remotos da mata, mantendo alguns hábitos inalterados. Só que, naturalmente, jamais voltaram a viver como aqueles índios encontrados no continente pelos primeiros navegadores. Sem acesso à saúde, estão sujeitos a malária, verminoses, desnutrição e doenças mais complexas. Segundo a Fundação Nacional de Saúde, entidade que cuida de aspectos relacionados à saúde das tribos indígenas, há uma epidemia de hepatite acontecendo no Vale do Javari, no Amazonas, provocada pela passagem no local de algum branco infectado. Em 2003, quinze índios morreram em decorrência de complicações da doença. Essas populações, de certo modo indefesas, tornam-se também alvo fácil para outros grupos indígenas aculturados e que se sentem ameaçados com o aumento demográfico em suas áreas. Em 2003, índios achanincas armados de espingardas exterminaram uma aldeia inteira que vivia isolada na fronteira do Brasil com o Peru. A chacina, que ocorreu no lado peruano, deixou 51 mortos. Possivelmente o que restava de uma etnia inteira que nunca chegou a ser devidamente identificada por antropólogos.

Veja, 20/04/2005, p. 112-113

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